INTRODUÇÃO
Neste
trabalho irei abordar a matéria dos contratos públicos europeus, mais
concretamente a evolução que ocorreu ao nível das directivas comunitárias,
desde o Tratado de Roma até à Reforma de 2004, analisando os efeitos que esta
teve no espaço comunitário e, posteriormente, analisarei um acórdão do TJ onde
tentarei traçar as linhas gerais sobre a temática dos contratos públicos
europeus.
Os
contratos públicos europeus obedecem a uma série de princípios fundamentais que
foram consagrados pela primeira vez no Tratado de Roma.
A
transposição de directivas comunitárias nesta matéria fez com que se mexesse
com os modelos tradicionais de contratação administrativa dos vários
Estados-Membros, levando a uma progressiva uniformização do regime jurídico
aplicável aos contratos públicos no espaço europeu.
Penso,
então, ser de bastante interesse fazer uma análise mais profunda a toda esta
evolução que ocorreu na União Europeia ao longo do caminho que esta tem vindo a
percorrer.
DO TRATADO DE ROMA À REFORMA DE 2004: DIRECTIVAS
2004/17/CE E 2004/18/CE
A noção
de contrato público foi, nos primeiros tempos, do ponto de vista do regime
jurídico substantivo uma noção neutra, ou seja, deu-se uma prevalência a nível
comunitário às preocupações de ordem procedimental. Nessa altura, a
uniformização das regras jurídicas dos diversos Estados-Membros era uma utopia.
No
entanto, o Tratado de Roma adquiriu logo especial relevância, ao ver consagrado
vários princípios fundamentais para a contratação pública, que contribuíram
para a lógica de concorrência, e que proibiam as práticas discriminatórias: a
livre circulação de mercadorias (artº 23º), a livre circulação de trabalhadores
(artº 39º), a livre circulação de capitais (artº 56º), a não discriminação em
razão da nacionalidade (artº 12º), a livre prestação de serviços (artº 49º),
entre outros.
Foi em
todos estes princípios que a contratação pública se baseou, e não apenas nas
normas sobre a concorrência. Pretendia-se uma liberalização ao nível da
contratação pública que conseguisse tornar efectivas as liberdades de
circulação quer de trabalhadores, quer de estabelecimento e também uma livre
prestação de serviços.
Este
processo teve o seu passo inicial a partir de 1961 com a elaboração de várias
directivas que originaram o alargamento do universo dos contratos abrangidos:
inicialmente fornecimentos e obras, contratos dos sectores clássicos e entidades
públicas adjudicantes e mais tarde prestação de serviços, contratos dos
sectores excluídos e entidades privadas. São introduzidas várias reformas nos
sistemas nacionais da contratação pública, reformas essas que não pretendiam,
inicialmente, substituir a regulamentação própria de cada Estado, antes
introduzir regras que garantissem as liberdades e princípios constantes do
Tratado, nomeadamente, a protecção das liberdades comunitárias, fim último das
directivas.
As
directivas mais relevantes nesta época foram a Directiva 71/305/CEE, de 26 de
Julho de 1971, sobre a coordenação dos procedimentos de adjudicação dos
contratos públicos de obras, e a Directiva 77/62/CEE, de 21 de Dezembro de
1976, que versava sobre a coordenação dos procedimentos de adjudicação de
contratos públicos de fornecimento.
Estas
directivas inovaram do ponto de vista que consagraram já medidas que visavam a
igualdade na participação das empresas em procedimentos contratuais públicos,
entre elas, a imposição de métodos de selecção concorrenciais, proibição da
imposição de especificações técnicas discriminatórias, etc.
Apesar
de tudo isto, estas directivas não tiveram o sucesso desejado, quer pelo facto
do seu âmbito de aplicação ser limitado, quer pela deficiente transposição para
os Estados-Membros.
A fase
seguinte é marcada por um conjunto de directivas que entre 1985 e 1986
aprofundaram o regime anterior, e que entre 1987 e 1992 além de o aperfeiçoarem
também o diversificaram.
O
impulso dado para esta evolução foi dado quer pelo Livro Branco, que tinha como objectivos garantir uma maior
transparência ao nível dos procedimentos de adjudicação, garantir direitos de
recurso, e estender o regime comunitário a outros sectores, como por exemplo, o
da prestação de serviços, quer pela modificação do Acordo GATT, e também por vários estudos, entre eles o Relatório Cecchini.
Nesta
fase temos que ter em conta as Directivas 88/295/CEE, de 22 de Março de 1988, e
a Directiva 89/440/CEE, de 18 de Julho de 1989, que contribuíram para esta
evolução, pois motivaram o alargamento do âmbito subjectivo de aplicação, uma
vez que além de abrangerem entidades públicas, passaram a abranger também os
organismos públicos sobre os quais aquelas entidades exercem influência
dominante; e passaram a exigir muito mais em termos de prazos e de
transparência, entre muitos outros factores.
Noutro
plano, a Directiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, uma
Directiva recurso, é muito importante para toda esta evolução, porque com ela
dá-se um passo fulcral que visa assegurar as garantias dos cidadãos ao nível
dos contratos públicos de fornecimento de obras.
Com o Livro Verde sobre os mercados públicos,
em 1996, a Comissão lança um grande debate sobre a aplicação do direito da
união europeia dos contratos públicos nos Estados-Membros.
Este foi
um momento relevante para a evolução que tem vindo a acontecer nesta matéria,
pois a Comissão abriu de facto um intenso debate, troca de ideias e mesmo
críticas no que toca a toda a área da contratação pública.
A
Comissão começa por criticar os Estados-Membros devido à deficiente
transposição das directivas e também quanto aos procedimentos adoptados.
Posteriormente, debruça-se sobre uma série de aspectos que considera
importantes: os Estados têm o dever de realizar uma correcta transposição das
directivas; os princípios constantes do Tratado sobre a matéria da
liberalização dos contratos públicos são aplicáveis a todos os contratos
celebrados pelas entidades adjudicantes, mesmo os que se encontrem abaixo dos
limiares dos quais depende a aplicação das directivas, entre outros vários
aspectos.
E foi no
seguimento deste debate que surgiu o reconhecimento da necessidade de uma nova
legislação, que tinha em vista a simplificação e a melhoria do anterior regime,
o que resultou na aprovação de duas novas directivas em 2000: uma geral que
incidia sobre a coordenação dos processos de adjudicação de fornecimentos
públicos, de prestação de serviços públicos e de empreitada de obras públicas,
e outra sectorial, relativa à coordenação dos processos de adjudicação nos
sectores da água, da energia e dos transportes.
Em 2001
surgem duas comunicações interpretativas elaboradas pela Comissão, que são
muito importantes sobre este assunto.
Na
primeira, “O direito Comunitário
aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar considerações
ambientais nos contratos públicos”, a Comissão considera que além de
preocupações económicas deve ter-se em conta preocupações ambientais, quer na
fase da definição do objecto do contrato, quer na fase de selecção ou da
avaliação da proposta economicamente mais favorável.
Na
segunda, “O Direito Comunitário aplicável
aos contratos públicos e as possibilidades de integrar aspectos sociais nesses
contratos”, a política social europeia volta a ser considerada fundamental
pela Comissão como um pilar fulcral no desenvolvimento sustentável e na
construção da própria economia europeia.
A
Comissão sugere também aos Estados-Membros que procedam à criação de uma
autoridade nacional que seja independente e que faça uma avaliação do
cumprimento das disposições comunitárias sobre a contratação pública e que ao
mesmo tempo verifique se existe sancionamento para os casos de incumprimento.
E é no
decorrer de tudo isto que surge então duas novas directivas comunitárias em
matéria de contratação pública: a Directiva 2004/18/CEE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 31 de Março de 2004, sobre a coordenação dos processos de
adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos
públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, e a Directiva
2004/17/CEE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004,
relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores
da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais.
Quanto à
primeira importa referir que ela vem modernizar o antigo regime, visto que
tenta compatibilizar o regime da contratação pública com as preocupações comunitárias,
assumindo que ela é uma ferramenta fundamental para a execução das políticas sociais
e ambientais da União Europeia.
Já a
segunda, a Directiva Sectores Especiais, traz novidades quanto ao âmbito de
aplicação. Ou seja, a área das telecomunicações é excluída, passando a ser
abrangida a área dos serviços postais. Esta directiva vem também simplificar os
limiares e ao mesmo tempo considera que eles são aplicáveis a todos os
operadores, independentemente do sector em causa.
Estas
directivas debruçam-se também sobre outro aspecto muito importante: os
critérios de adjudicação.
Sobre
isto relembra-se que os Estados-Membros quando esteja em causa a adjudicação de
contratos públicos devem respeitar os princípios constantes do Tratado, isto é,
os princípios da livre circulação de mercadorias, a liberdade de
estabelecimento, a livre prestação de serviços e também a igualdade de
tratamento, a não-discriminação, o reconhecimento mútuo, a proporcionalidade e
a transparência.
Todas as
disposições devem ser interpretadas de acordo com estas regras e princípios,
uma vez que a adjudicação deve basear-se em critérios objectivos como o preço
mais baixo e a proposta economicamente mais vantajosa, que respeitem
precisamente todos estes princípios.
Outra das preocupações destas directivas, tem
a ver com a preocupação que delas emana sobre questões de natureza ambiental ou
social.
Assim,
as entidades adjudicantes podem, por exemplo, estabelecer requisitos ambientais
como especificações técnicas de determinado contrato ou então relativamente às
preocupações sociais, que as condições de execução dos contratos tenham por
objectivo fomentar a formação profissional, a luta contra o desemprego ou a
própria protecção do ambiente.
Importa
também realçar que elas têm vindo a encontrar progressos e recuos nos
objectivos que se propõem a alcançar, nomeadamente a flexibilização e a
simplificação.
Quanto
ao primeiro objectivo, os progressos têm vindo a ser significativos
especialmente no que toca às medidas de limitação do âmbito de aplicação da
Directiva Sectores Especiais e também em algumas novidades introduzidas no que respeita
à contratação electrónica.
Já
quanto ao segundo objectivo, os avanços dados na simplificação são bem menos
animadores, pois pese algumas medidas adoptadas, as regras continuam a ser
muito complexas, sendo que mesmo em determinados casos estas directivas vieram
mesmo piorar a situação.
CONTRATOS PÚBLICOS EUROPEUS: PROCESSO C-458/03
No que
diz respeito a estes contratos, temos que ter em linha de conta o regime
jurídico substantivo que é aplicável aos mesmos. Assim, convém referir em
primeiro lugar que as chamadas Directivas clássicas embora aplicando-se apenas
a determinados contratos, continham especialmente regras procedimentais. Apesar
disso, têm implicações conceptuais que vão abalar a tradicional figura de
contrato administrativo, de inspiração francesa, isto é, o contrato administrativo começa a deixar de ser entendido como
contrato sujeito a regime jurídico diferente relativamente aos contratos
celebrados entre particulares e aos contratos de direito privado da
Administração Pública e tende-se para uma cada vez maior uniformização dos
vários tipos de contratos públicos.
Em
segundo lugar, tem que se ter em conta a importância da jurisprudência
comunitária e neste caso em concreto, do acórdão “Telaustria”, acórdão importantíssimo em toda esta matéria e que
traduz a ideia de que os princípios incluídos no Tratado são aplicados mesmo àqueles
contratos que não estão abrangidos pelas Directivas comunitárias, ou seja,
esses mesmos contratos estão sujeitos: “à
observância dos princípios e regras fundamentais do direito da União Europeia,
o que implica um grau de publicidade adequado a garantir a concorrência, a um
procedimento transparente, entendido como garantia do cumprimento daqueles, e
cuja observância deve ser mantida ao longo de todo o procedimento, de forma a
serem controladas a imparcialidade e a objectividade da adjudicação”.
O
Tribunal de Justiça considerou que não é pelo facto de um contrato não estar
abrangido pelas directivas que deve deixar de obedecer aos princípios contidos
no Tratado, entre eles o princípio da não discriminação em razão da
nacionalidade, devendo as entidades adjudicadoras observar os mesmos, pois
estão vinculadas à obrigação de transparência.
Este é
um passo muito importante e com grande reflexo nas decisões futuras e no
próprio caminho da contratação pública e que analisarei aprofundadamente mais à
frente, pois dá-se um alargamento do universo dos contratos públicos.
Outro
aspecto a ter em conta, é o relacionado com os aspectos garantísticos das
normas que regulam os referidos procedimentos pré-contratuais. Estes aspectos
estão presentes em algumas directivas, entre elas, a Directiva 89/665/CEE e a
Directiva 92/13/CEE, onde existe já ao nível processual, uma tendência para a
uniformização do regime aplicável aos contratos celebrados por entidades
públicas e aos contratos celebrados por entidades privadas e também a contratos
que eram tradicionalmente denominados de contratos administrativos e aos
contratos de direito privado da Administração Pública.
Neste
sentido, as próprias Directivas comunitárias de 2004 reforçam essa ideia de que
há uma noção comunitária de contrato público que é autónoma da noção
tradicional dos vários ordenamentos jurídicos nacionais.
Importa
agora salientar que a noção de contrato público é independente da natureza
jurídica das partes, o que leva a que possam existir contratos públicos
celebrados quer por entidades públicas quer por entidades privadas.
Por
outro lado, tem especial relevância clarificar que contrato público não significa contrato celebrado por uma entidade
pública pois tem existido uma evolução no sentido de dar um sentido mais
abrangente aos poderes adjudicadores.
Entende-se
por poderes adjudicadores o Estado e os entes públicos territoriais, mas também
os organismos de direito público e as associações que são compostas por um ou
mais dos referidos entes ou organismos de direito público. Organismo de direito
público é, segundo as directivas 92/50/CEE, 93/36/CEE, 93/37/CEE e 93/38/CEE, “qualquer organismo criado para satisfazer
de um modo específico necessidades de interesse geral, sem carácter industrial
ou comercial dotado de personalidade jurídica e cuja actividade seja financiada
maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por
outros organismos de direito público, ou cuja gestão esteja sujeita a um
controlo por parte destes últimos, ou, ainda, cujos órgãos de administração, de
direcção ou de fiscalização sejam compostos, em mais de metade, por membros
designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou por outros organismos de
direito público.”
Nesta
definição encontramos diversos requisitos que constituem o conceito de
organismo de direito público, sobre os quais o TJ tem-se pronunciado em
diversos acórdãos. Como exemplo, podemos referir a propósito do critério da satisfação de necessidades de interesse
geral que não tenham carácter
industrial ou comercial, o Acórdão Mannesmann,
onde o TJ afirma que a directiva delimita o seu âmbito de aplicação não só
às entidades tradicionalmente qualificadas como de direito público, mas também
a entidades privadas que prosseguem objectivos de interesse geral que não seja
comercial ou industrial, sendo assim qualificados como organismos de direito
público.
Quanto a
este aspecto, as Directivas de 2004, mais especificamente a Directiva relativa
aos sectores clássicos, mantiveram inalterada a definição de organismo de
direito público, continuando a ser a noção de poder adjudicador o elemento
principal da delimitação do âmbito de aplicação das directivas.
Uma
novidade que surge com a Directiva sobre os sectores especiais é a definição de
direitos especiais ou exclusivos, que segundo o artº 2º 3. “são direitos atribuídos por uma autoridade competente de um
Estado-Membro, através de medida legislativa, regulamentar ou administrativa
tendo por efeito reservar a uma ou várias entidades o exercício de uma das
actividades definidas nos artigos 2º a 7º, e afectar substancialmente a
capacidade de outras entidades de exercer tal actividade”.
Por fim,
é necessário saber quais os contratos que se encontram abrangidos por estas
directivas.
Aqui tem
que se ter em conta dois factores: a natureza dos contratos e as quantias que
eles envolvem.
Relativamente
à Directiva 2004/17/CEE, relativa aos sectores clássicos, temos que o seu
objecto incide sobre os contratos de execução de obras, o fornecimento de bens
ou a prestação de serviços. Estão excluídos os contratos secretos e alguns
contratos no domínio das telecomunicações.
Quanto
aos limiares a partir dos quais esta directiva se aplica, os artigos 7º a 9º
referem-se a vários aspectos entre os quais, os montantes dos limiares ou os
métodos de cálculo do valor estimado dos contratos públicos.
Por seu
turno, a directiva sectores especiais, Directiva 2004/18/CEE, traz como grande
novidade a exclusão dos contratos que dizem respeito às telecomunicações e a
inclusão dos contratos sobre os serviços postais, aplicando-se então a este
sector e também à área da água, energia, e transportes.
Esta
directiva, quanto aos limiares, tem dois patamares, um quanto aos contratos de
fornecimento e de serviços, e outro sobre contratos de obras, e a sua forma de
cálculo realiza-se em consonância com a Directiva 2004/18/CEE.
Após
esta explicitação, cumpre agora analisar o Acórdão “Parking Brixen”, de 13 de Outubro de 2005.
Neste
caso em concreto, estamos perante o seguinte litígio: a Gemeinde Brixen recorreu à Stadtwerke Brixen, uma empresa especial
que era propriedade desse município, para a gestão de determinados serviços públicos
locais da sua competência, que mais tarde foi transformada numa sociedade
anónima. Em 19 de Dezembro de 2002, a Gemeinde Brixen, celebrou um acordo com a
Stadtwerke Brixen AG, atribuindo a esta a gestão do parque de estacionamento
por um período de nove anos.
Outra empresa, a Parking Brixen vem contestar no Verwaltungsgericht, Autonome
Sektion für die Provinz Bozen, a atribuição à Stadtwerke Brixen AG da gestão
dos parques de estacionamento construídos nas parcelas 491/6 e 491/11. Em seu
entender, a Gemeinde Brixen deveria ter aplicado as disposições em matéria de
adjudicação pública.
Ora, o
que importa analisar neste caso específico é qual o entendimento que o TJ teve
no que diz respeito ao tipo de contrato que foi no fundo celebrado entre a Gemeinde Brixen e a Stadtwerke Brixen AG, se um
contrato público de serviços ou se uma concessão de serviços públicos e, se for
esse o caso, se pode ser celebrada sem abertura de um concurso público, isto é,
se a operação realizada entre a Gemeinde
Brixen e a Stadtwerke Brixen AG é
conforme o direito comunitário.
Temos
então que a gestão do parque de estacionamento é atribuída por um período de 9
anos à Stadtwerke Brixen AG, sendo
que anteriormente era gerido pela Gemeinde
Brixen, sendo que a primeira paga em contrapartida uma retribuição anual à
última. Analisando a Directiva 92/50, temos que verificar se esse contrato se
enquadra no contrato público de serviços na acepção desta directiva, ou se, por
seu turno, a mesma não se aplica por estar em causa apenas uma concessão de
serviços.
Segundo
a Directiva 92/50, estamos perante um contrato público de serviços se a
contrapartida é directamente paga pela entidade adjudicante ao prestador de
serviços. Esta situação não sucede neste caso, visto que a quantia que é paga
pela entidade adjudicante ao prestador de serviços não provém dela, mas sim de
terceiros que utilizam o parque de estacionamento.
Estamos
perante uma concessão de serviços pois, segundo a Advogada-geral Juliane
Kokott, a concessão de serviços caracteriza‑se pelo facto de o prestador
do serviço em causa receber da entidade adjudicante, como contrapartida desse
serviço, o direito de explorar a sua própria prestação, que é o que
sucede no caso em análise. Enquanto que nesta situação existe uma relação
jurídica triangular, no contrato público de serviços apenas existe uma relação
jurídica bilateral, onde como já referi a remuneração do serviço prestado é
paga pela entidade adjudicante.
Assim
estamos perante uma concessão de serviços pois a Stadtwerke Brixen AG assume o
risco económico da gestão do parque de estacionamento, na medida em que deve
financiar com as taxas de utilização que recebe não apenas os custos correntes
mas, igualmente a manutenção da área de estacionamento e a compensação anual a
pagar ao município.
Visto
estarmos, então, perante uma concessão de serviços importa saber e analisar se
esta está em conformidade com o direito comunitário, ou seja, se poderá ser
realizada sem abertura de concurso público.
Penso
que esta é a questão mais interessante levantada neste caso e, por isso mesmo,
julgo ser necessária uma análise um pouco mais profunda sobre a mesma.
A
contratação pública obedece a um conjunto de princípios comunitários
resultantes da jurisprudência comunitária, que são a base a partir da qual se
retira um complexo normativo que regula toda esta matéria.
As
directivas comunitárias são apenas meros instrumentos para o cumprimento da
igualdade, da não discriminação em razão da nacionalidade, da liberdade de
prestação de serviços, de circulação de pessoas, de mercadorias, enfim da
realização no fundo, do próprio mercado único.
Ou seja,
podemos encontrar aqui dois vectores estruturantes e fundamentais, a igualdade
e a liberdade, aos quais os Estados-Membros se encontram directamente
vinculados.
Posto
isto, e debruçando-me mais especificamente sobre o caso em análise, estamos
então perante o respeito pelo princípio da igualdade e, mais concretamente a
abertura de concurso público que é o expoente máximo do princípio atrás
referido.
O
princípio da igualdade como sabemos é um princípio basilar no ordenamento
jurídico comunitário. É muito importante para as administrações públicas
nacionais, uma vez que vincula os entes públicos em sede da liberdade que têm
na prossecução das suas funções.
A
igualdade é, então, uma das pedras basilares da construção europeia e como tal,
no âmbito da contratação pública encontra-se também consagrada como um dos
princípios estruturantes.
Isto
sucede de tal forma que existe um objectivo de harmonizar as legislações
nacionais que, devido à sua disparidade, possam comprometer a realização
efectiva deste princípio. Na contratação pública, o facto de existirem
diferentes legislações nacionais constitui um obstáculo, pois torna-se um
factor quer de discriminação, quer de afrouxamento às liberdades de circulação
no espaço europeu.
Assim,
na contratação pública pretende-se concretizar efectivamente este princípio
através da harmonização dos regimes jurídicos, da igualdade de oportunidades,
da igualdade de tratamento entre todos os operadores económicos que possam
estar interessados na celebração de um contrato público, enfim, de um conjunto
de regras e procedimentos que consigam eliminar todos os factores que possam obstar
à efectiva realização deste princípio.
Então,
torna-se pertinente saber se o facto de não ter aberto concurso público para a
realização da concessão de serviços presente no caso em apreço, poderá ser
contrário àquilo que o Tratado e a própria jurisprudência do TJ têm vindo a
defender.
Ora, se uma das pretensões é a igualdade de
tratamento e a igualdade de oportunidades, parece-me desde já, que este caso
poderá, mesmo não se encontrando abrangido pela directiva, ser contrário aos
princípios comunitários pois não há abertura de concurso.
Como já
referi, a concessão de serviços não se encontra no âmbito de aplicação da
directiva 92/50, no entanto, as entidades adjudicantes que celebram este tipo
de contratos devem respeitar os princípios e regras do Tratado.
O
concurso, ou abertura de concurso, constitui exactamente o procedimento onde se
verifica o expoente máximo da concretização do princípio da igualdade enquanto igualdade
de oportunidades para os operadores económicos que estejam interessados em
contratar.
Assim, e como refere o TJ no acórdão “Teleaustria”, existe a obrigação da
realização de procedimentos abertos para que todos os potenciais concorrentes e
interessados na realização de determinado contrato possam exercer o seu
direito. Além disso, é expressão da própria igualdade de tratamento o artº 12º
CE, onde está proibida qualquer discriminação em razão da nacionalidade.
Salienta-se
aqui o facto de que para o TJ o “princípio
da igualdade de tratamento dos concorrentes visa que todos os concorrentes
disponham das mesmas possibilidades na formulação dos termos das suas
propostas, e isto independentemente da sua nacionalidade” (Acórdão de 25 de
Abril de 1996, Comissão/Bélgica, C‑87/94).
Mas para
que isto seja possível, é necessário, no meu ponto de vista, a existência de
concurso público, pois só assim é que todos os possíveis concorrentes poderão
estar em pé de igualdade.
Neste caso
em concreto e mesmo tratando-se de um contrato de concessão de serviços, este
encontra-se abrangido por este princípio, ou seja, esta igualdade de tratamento
que é defendida pelo TJ deve regular também este tipo de contratos.
O TJ
entende neste acórdão e também noutros casos como o “Coname”, ou “ANAV” que a
igualdade só é alcançada na sua plenitude quando existe “um grau de publicidade adequado para garantir a abertura à
concorrência de contratos”, independentemente dos contratos estarem ou não
abrangidos pelas regras especificas da contratação pública, como é o caso.
Deve
existir aqui uma obrigação de transparência por parte da entidade adjudicante
que sirva para garantir esse grau de publicidade, mas também a existência de imparcialidade
em todo este processo.
A
contratação pública tem em vista como sabemos a concretização do mercado único
e, portanto, deve ser um garante da própria concorrência. Assim sendo, a ausência
total de concorrência mesmo tratando-se de um caso de atribuição de uma
concessão de serviços públicos como a que está aqui em causa, não é conforme
com as exigências dos artigos 43.º CE e 49.º CE, bem como com os
princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação e da transparência
já referidos.
Neste
caso concreto, uma das partes no litígio refere que “os artigos 43.º CE a 55.º CE não são aplicáveis a uma
situação como a do processo principal, porque se trata de uma situação
puramente interna de um único Estado‑Membro, uma vez que a Parking Brixen, a
Stadtwerke Brixen AG e a Gemeinde Brixen têm todas a sua sede em Itália.”
No
entanto, e segundo o TJ, isto não releva para o caso em si, visto que a
inexistência de publicidade e de abertura à concorrência da atribuição de uma
concessão de serviços públicos, é já uma discriminação, ainda que potencial, a
empresas de outros Estados-Membros, pois estas não podem exercer correctamente,
a sua liberdade de estabelecimento e de fornecimento de serviços.
Depois
de tudo isto, conclui-se então, que nenhum Estado-Membro deve ter na sua
legislação nacional qualquer tipo de regra ou norma que permita a atribuição de
concessões de serviços públicos sem abertura de concurso, uma vez que tal
atribuição viola os artigos 43.º CE ou 49.º CE ou os princípios da
igualdade de tratamento, da não discriminação e da transparência.
CONCLUSÃO
Penso
que depois desta exposição se conseguiu perceber um pouco melhor quais os passos
que a U.E. tem vindo a dar ao nível da contratação pública.
A
evolução tem vindo a ser considerável e a Reforma de 2004, mesmo que se vá
deparando com obstáculos tem vindo a desempenhar um papel importantíssimo ao
nível da prossecução daquilo que são hoje os objectivos comunitários da
Administração europeia.
Além
disso, o Tribunal de Justiça tem também desempenhado uma função de especial
relevo, como vimos através deste acórdão. Nele, foi possível descortinar um
alargamento da aplicação das directivas comunitárias e uma defesa dos próprios
princípios comunitários, visto que estes se impõem e opõem-se ao facto de uma
entidade pública atribuir, sem abertura de concurso, uma concessão de serviços
públicos a uma sociedade anónima que resultou de uma transformação de uma
empresa especial dessa mesma autoridade pública, indo ao encontro da linha de
orientação que tem vindo a ser seguida e que contribui para uma afirmação cada
vez maior da jurisprudência “principialista”.
Por Pedro Cruz
Junho de 2011
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