Breve
enquadramento histórico
Com a revolução
industrial surgiu um fenómeno designado por êxodo rural, o qual consistia na
saída das populações dos campos para as cidades, o que acabaria por acentuar as
diferenças socioeconómicas entre os diversos grupos económicos.
Historicamente,
podemos enunciar dois tipos de sistemas económicos distinto: (i) o sistema
capitalista e (ii) o sistema socialista.
(i)
O
primeiro, caracterizado pela propriedade privada dos fatores de produção, rege-se
pelas forças de mercado, apresentando-se estruturado, no século XIX, com por
industriais e banqueiros.
A
crise de 1929, e os problemas económicos e sociais por ela provocados, levaram
a que o economista John KEYNES colocasse em causa, nos anos 30, a tese de que o
sistema capitalista se podia autorregular. O autor defendia o intervencionismo
estatal, devendo o estado intervir na economia, regulamentando a relação entre
o consumo e o investimento, de maneira a minorar os efeitos das crises cíclicas
e a resolver o problema do desemprego. No sistema capitalista as crises são
frequentes, provocando falências, aumento do desemprego e inflação. Desta
forma, a crescente intervenção do Estado na economia permitiu uma amenização
dos efeitos destas crises.
(ii) Em relação ao segundo sistema
(socialista ou economia centralizada), as questões são resolvidos por um órgão
central de planeamento, predominando a propriedade pública dos fatores de
produção, englobando os bens de capital, terra, prédios, bancos, etc.
No capitalismo, o
planeamento e a centralização decorrem da ação do Estado e dos monopólios,
enquanto do lado socialista se acentua a tendência de recorrer a determinados
mecanismos, próprios da economia de mercado, possibilitando a concorrência
entre as empresas de propriedade estatal.
Na primeira metade
do século XIX, os liberais defendiam a economia de mercado de comércio
internacional e a redução do Estado à sua expressão mínima, limitando-se este a
assegurar as condições para o desenvolvimento da economia privada. Já na
segunda metade do século, eles passaram a exigir que o Estado garantisse a
proteção do mercado interno, face à concorrência internacional.
O século passado
conduziu as sociedades europeias liberais para a guerra. A crise de 1929 abalou
a confiança no mercado e, como reação aos excessos do liberalismo, emergiram
regimes totalitários em nome da defesa dos interesses coletivos. No final dos
anos 70 o liberalismo volta a ganhar força, apelando-se à liberdade de comércio
internacional, em nome da globalização, com o objetivo de tornar mais atrativos
os países para investidores nacionais e estrangeiros.
Atualmente,
podemos afirmar, ainda que com alguma trivialidade, que a maior parte dos
países contemporâneos são estados fiscais.
Num Estado fiscal,
“as necessidades financeiras são, essencialmente, cobertas por impostos,
facilmente se compreendendo que este tipo de estado tem sido (e é) a regra do
estado moderno”[1]. Contudo, a
realidade económica atual consubstancia necessariamente um estado financeiro, cujas
necessidades materiais são colmatadas pelos pagamentos obtidos, que ele
administra e aplica.
Segundo SCHUMPETER,
“não se deve identificar o estado fiscal como um estado liberal, uma vez que
aquele, no entendimento que temos, conheceu duas modalidades ou dois tipos ao
longo da sua evolução”[2].
Neste contexto,
podemos distinguir entre o estado fiscal liberal, centrado na preocupação de
neutralidade económica e social, e o estado social, socialmente conformador.
Enquanto o primeiro assenta na tributação necessária para satisfazer as
despesas estritamente decorrentes do funcionamento da máquina administrativa do
estado, o segundo, movido por preocupações de funcionamento global da sociedade
e da economia, tem por base uma tributação alargada.
No entendimento de
NABAIS, “a estadualidade fiscal significa uma separação fundamental entre o
estado e economia, com a sua consequente sustentação financeira, através da sua
participação nas receitas da economia produtiva pela via do imposto. Só esta
separação permite que o estado e a economia atuem segundo critérios próprios ou
autónomos”[3].
A
fraude fiscal
Conceito
A fraude fiscal é
revestida por um comportamento desviante dos indivíduos que fazem parte de uma
sociedade, estando contemplada no art. 103º do RGIT. Trata-se de um ato
fraudulento, praticado com o intuito de lesar uma terceira entidade e não obter
assunção de obrigações tributárias.
PICKETT caracteriza
a fraude fiscal como “um comportamento com o qual um indivíduo tenta obter uma
vantagem desonesta em relação a outro”.
Segundo PEREIRA
“fraude fiscal é a violação direta da lei fiscal, permitindo ao contribuinte
escapar, total ou parcialmente, à liquidação ou ao pagamento do imposto, ao
controlo fiscal, ou à entrega de uma prestação tributária cobrada a terceiros
ou ainda obter indevidamente benefícios fiscais, reembolsos ou qualquer outra
vantagem patrimonial”.[4]
Este comportamento
ilícito tem como objetivo ocultar informação à Administração Tributária, a qual
tem como competências, no âmbito das suas funções, a fiscalização, controlo e
avaliação da matéria coletável.
Relativamente aos
atos jurídicos praticados por meios fraudulentos, de acordo com a cláusula
geral anti abuso[5], os mesmos são
ineficazes no âmbito tributário. Todavia, desde que tenham produzido os efeitos
económicos pretendidos pelas partes, a ineficácia desses negócios jurídicos não
impede que eles sejam tributados.
Podemos dividir o
tipo subjetivo do crime de fraude fiscal em dois elementos: (i) dolo, que consiste
no conhecimento e vontade de praticar o facto típico descrito no tipo objetivo
e (ii) um elemento subjetivo específico da ilicitude.
No âmbito do crime
de fraude fiscal, só podemos considerar a unidade de resolução criminosa quando
o meio de cometer o crime,. e as pessoas com as quais o crime é cometido, sejam
os mesmos. Caso contrário temos um concurso de crimes, pois há modos de
execução perfeitamente autónomos.[6]
A fraude fiscal
foi configurado como um crime de perigo, tendo o legislador optado por
privilegiar o desvalor da ação, do que resulta que o crime consuma-se mesmo que
nenhum enriquecimento venha a ter lugar, nem ocorra o resultado lesivo para o
património fiscal.
Este tipo de
ilícito encontra-se previsto no artigo 103º do RGIT que, na redação inicial,
estatuía que:
1- Constituem fraude fiscal,
punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas
ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega
ou pagamento da prestação tribuária ou a obtenção indevida de benefícios
fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem
diminuição das receitas tributárias.
2- A fraude fiscal pode ter
lugar por:
a) Ocultação
ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade
ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a
administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a
matéria coletável;
b) Ocultação
de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração
tributária;
c) Celebração
de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por
interposição, omissão ou substituição de pessoas.
3- Os factos previstos nos
números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for
inferior a €7.500.
4- Para efeitos do disposto
nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da
legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à
administração tributária.
Com a nova redação
dada ao nº2 do artigo 103º do RGIT, pela Lei nº60-A/2005, de 30 de Dezembro,
que entrou em vigor em 01-01-2006, o referido nº 2 passou a dispor: os factos previstos nos números anteriores
não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a €15.000.
Por sua vez o
artigo 104º do RGIT, relativo à “fraude qualificada” dispõe que:
1- Os factos previstos no
artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas
singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas quando se
verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
(…)
2- A mesma pena é aplicável
quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos
equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com
a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
Quando à moldura
aplicável para as pessoas singulares, a pena prevista é de 1 a 5 anos. Contrariamente,
tratando-se de pessoa coletiva, é aplicável a pena de multa de 240 a 1200 dias,
sempre dentro dos limites do art. 15º, nº1, isto é, entre €5 e €5.000.
No tipo de ilícito
em causa, como em todas as ações ou omissões destinadas a impedir, reduzir ou
retardar o pagamento de uma obrigação tributária, o agente é o contribuinte (singular
ou coletivo) e o lesado/vítima, o Estado-Administração Fiscal.
A fraude fiscal
consiste, assim, quer na ocultação ou alteração de factos ou valores declarados
ou que deviam ser declarados (porque sujeitos a tributação), quer na celebração
de negócio simulado, quanto ao valor e/ou quanto à natureza, quer por
interposição, omissão ou substituição de pessoas.
Não se configura
como elemento do tipo a existência de efetivo prejuízo do Estado, bastando que
as condutas descritas no tipo visem a obtenção de vantagens fiscais,
suscetíveis de causar diminuição das receitas tributárias.
Do mesmo modo, e
porque necessariamente interligadas, também não é necessário que o agente
obtenha efetivamente a vantagem patrimonial ilegítima que pretendia, uma vez
que, tal como foi referido, o crime foi configurado como um crime de perigo,
pelo que se consuma mesmo que nenhum enriquecimento venha a ter lugar, nem
ocorra um resultado lesivo para o património fiscal.
De igual forma, o
dano no crime de fraude fiscal não é elemento do tipo e só aparece como
referência expressa da intenção do agente, pelo que o ilícito em causa
verifica-se, quando, independentemente de qualquer prejuízo efetivo na esfera
patrimonial do Fisco, ou de qualquer enriquecimento do agente, este, com
intenção de lesar patrimonialmente o Fisco, atente contra a verdade e
transparência exigidos na relação Fisco-contribuinte, através de qualquer das
modalidades previstas no art. 103º do RGIT.
Os valores
imediatamente tutelados pela proibição são os da transparência e da verdade,
não sendo, em primeira linha, o erário público, a repartição igualitária da
riqueza e dos rendimentos, a diminuição das desigualdades e necessidades do
desenvolvimento económico e da justiça social do sistema fiscal, ou mesmo a
verdade, onde se protege o dever de veracidade nas relações entre o
contribuinte e o fisco, sendo que o legislador estatui que as declarações
efetuadas pelo contribuinte se presumem de boa fé.
A
origem e formação da fraude no contexto social
Contexto
socioeconómico
No século XIX
começaram a verificar-se infrações fiscais aduaneiras e não aduaneiras de natureza
administrativa e criminal, estando previsto no próprio código Penal de 1886 crimes
aduaneiros (o descaminho, contrabando de mercadorias, atos fraudulentos
destinados a evitar o pagamento de impostos alfandegários, falsificação de
cunhos e selos, etc.).
Segundo LACERDA, o
contribuinte considera que “a aplicabilidade do imposto sobre si é injusta e
desproporcionada”, cedendo à tentação de praticar ações de fraude, obtendo
benefícios económicos com tal prática.
A conjuntura
económica de um país é outro fator que condiciona e fomenta a prática desta
situação, verificando-se um sentimento quase unânime e socialmente penalizador
de admiração dos cidadãos, quando tem conhecimento que um colega conseguiu
“iludir” a Administração Fiscal, sentimento este que se encontra enraizado no
espírito dos cidadãos.
Na opinião de
PEREIRA, é evidente que “o contribuinte pode reagir através da fuga a impostos
que lhe suscitam uma reação psicológica especialmente adversa, designadamente
por serem percecionados como especialmente injustos”.
O sentimento de
incumprimento por parte dos contribuintes deve-se ao despesismo dos gastos
públicos sem rigor e mal utilizados, o que incute um espírito de não pagamento
de impostos, na medida em que sentem que a Administração Pública é uma máquina
nem sempre justa e com falhas a vários níveis.
Tipos
de fraude fiscal
Os vários tipos de
crimes fiscais encontram-se regulados nos artigos 103º e seguintes do RGIT. O
novo Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pelo artigo 1º da Lei nº
15/2001 de 5 de Junho, introduziu novos tipos de crimes e contraordenações,
e, com a reformulação da organização
judiciária tributária, tentou atingir uma maior simplificação processual e o
reforço das garantias contribuintes.
O crime de fraude surge,
segundo o RGIT, como o primeiro dos crimes fiscais, seguindo-se a fraude
qualificada e o abuso de confiança (artigos 104º e 105º, respetivamente).
No âmbito da
fraude fiscal podemos identificar, desde logo, três tipos de modalidades: (1)
fraude por ocultação ou dissimulação da matéria coletável; (2) fraude por
omissão ou ação e (3) fraude artesanal
e industriais.
Ao contrário do
atual RGIT, o anterior regime (RJIFNA) não procedia a qualquer distinção entre
crimes tributários comuns. Com a entrada daquele, consagrou-se a divisão dos
tipos de crimes tributários em dois. Assim, o RGIT reúne ao nível substantivo:
i)
Crimes
tributários comuns: Burla tributária, frustração de créditos, associação
criminosa, violação de segredo (arts. 87º a 91º RGIT);
ii)
Crimes
aduaneiros: contrabando, contrabando de circulação e de mercadorias de
circulação condicionada em embarcações (arts. 92º a 102º do RGIT);
iii)
Crimes
Fiscais: Fraude, fraude qualificada e abuso de confiança (arts. 106º e 107º
RGIT);
iv) Crimes contra a segurança social:
Fraude e abuso de confiança contra a segurança social (arts. 106º e 107º RGIT)
v)
Contraordenações
aduaneiros: Recusa de entra, exibição ou apresentação de documentos e
mercadorias, violação do dever de cooperação e aquisição de mercadorias objeto
de infração aduaneira (arts. 108º a 112º RGIT); e
vi) Contraordenações fiscais: Falta de
entrega da prestação tributária, violação do segredo profissional e
falta/atraso de apresentação de declarações (arts. 113º a 127º do RGIT).
A infração
tributária considera-se praticada no lugar e no momento em que o agente atuou
ou devia ter atuado, ou ainda naquele em que o resultado típico se tiver
produzido.[7]
Nos termos do art.
103º, nº2 do RGIT, a qualificação de determinada conduta como crime de fraude
fiscal verifica-se apenas quando estamos perante uma vantagem patrimonial
ilegítima por parte do infrator, superior a quinze mil euros. Nos restantes
casos, ou seja, cujo valor seja inferior àquele limite, estamos perante uma
mera contraordenação fiscal.
O crime de fraude
fiscal permite a divisão em crime de fraude, regulado no artigo 103º do RGIT e
em crime de fraude qualificada, regulado no artigo 104º do RGIT, aprovado pela
Lei nº15/2001 de 5 de junho.
“Constituem fraude
fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as
condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação,
entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de
benefícios fiscais (…)”.
De acordo com Nuno
POMBO, a suscetibilidade referida pela lei parece remeter-nos, em termos de
mera classificação, para um crime que não o de dano, uma vez que essa simples
suscetibilidade de diminuição de receitas tributárias, mesmo que tal diminuição
não venha efetivamente a ter lugar, parece ser penalmente relevante.
No caso de fraude
simples passou-se a incluir, face à legislação anterior, “(…) a conduta visando
obtenção de reembolso indevido, desde que este não implique um enriquecimento
efetivo – caso que passa a integrar o âmbito da burla –, mas uma mera redução
da receita tributária a pagar”[8].
Segundo Figueiredo
DIAS e Costa ANDRADE, o crime de fraude fiscal é um crime de resultado cortado, na medida em que a
obtenção de vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo, sendo
suficiente que as condutas visem ou sejam preordenadas tendo em vista a obtenção
de determinada vantagem[9].
Assim, os factos
supracitados são suscetíveis de punição, caso a vantagem patrimonial ilegítima,
que conduziu à redução da receita tributária, for superior a quinze mil euros.
A fixação em termos quantitativos de um patamar mínimo de relevância fiscal, de
sete mil e quinhentos euros, permite que os montantes inferiores a esse valor
sejam tipificados como sendo de contraordenação.
A
fraude fiscal qualificada
Trata-se de uma
das infrações fiscais introduzidas com a entrada em vigor do RGIT,
enquadrando-se no art. 104º do diploma, com o objetivo de proteger o património
do Estado, na sua vertente fiscal, contra ataques especialmente gravosos.
Nos termos do referido
preceito, “os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um
a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as
pessoas coletivas quando se verifiquem a acumulação de mais de uma das
seguintes circunstâncias (…)”. Com isto, facilmente se compreende que este tipo
de crime pressupõe uma maior sofisticação por parte dos infratores (e
consequente maior ilicitude) e a acumulação das condutas praticadas com as
seguintes circunstâncias:
a)
O
agente tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações
acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b)
O
agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c)
O
agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das
suas funções;
d)
O
agente falsificar ou viciar, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer
outros documentos, sendo tais factos punidos autonomamente quando tenham por
fim a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária; e
e)
Tiver
sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou coletivas residentes
fora do território português, e ai submetidas a um regime fiscal claramente
mais favorável.
Ao contrário do
que estava previsto no RJIFNA, a qualificação do crime de fraude fiscal não
depende de um valor mais elevado da vantagem patrimonial ilegítima
(distinguindo-se, neste aspeto, dos crimes de burla tributária e de abuso de
confiança). Todavia, ao nível da fraude qualificada, coloca-se a problemática
de determinar a punição a aplicar. Tal como sucede na fraude simples, é
necessário verificar-se uma vantagem patrimonial ilegítima de valor pelo menos
igual a quinze mil euros. A solução resulta da inexpressão do artigo 104º RGIT,
que pressupõe valer para a fraude qualificada a exigência do valor mínimo de
vantagem patrimonial ilegítima. [10]
O Orçamento do
Estado para 2012 criou uma circunstância qualificante autónoma, que se funda na
mera vantagem patrimonial de valor superior a cinquenta mil euros. Desta forma,
a distinção entre fraude fiscal simples e a qualificada já se encontrava
prevista no RJIFNA, correspondendo a fraude fiscal qualificada aos casos em que
a fraude fiscal era punível com pena de prisão entre um e cinco anos, nos casos
de ocultação ou alteração de factos ou valores ou na simulação, caso se
verificasse a acumulação de mais de uma das circunstâncias referidas no artigo
23º, nº3, alíneas c) a f).
O legislador, para
as situações cuja vantagem patrimonial seja superior a duzentos mil euros,
agravou este crime com base em critérios quantitativos, fixando a pena de
prisão de dois a oito anos para pessoas singulares e multa de 480 a 1920 dias
para as pessoas coletivas.[11]
Comércio
eletrónico
Antes de
atendermos à atratividade fiscal do comércio eletrónico, e ao vasto leque de
possibilidades de fraude e evasão fiscais, devemos proceder a um breve
enquadramento do comércio eletrónico e as características que o revestem.
Princípios
orientadores
O Conselho Europeu
adotou três princípios fundamentais, em matéria de imposto sobre o valor
acrescentado, nas transações eletrónicas em linha, como medida dirigida a
evitar situações de dupla tributação ou de não tributação involuntária e
assegurar a segurança técnica e certeza jurídica por parte das empresas e dos
consumidores.
Ora, em primeiro
lugar, o princípio da mera adaptação ou da suficiência das figuras tributárias
existentes estatui que não devem ser previstos impostos novos ou suplementares
ao comércio eletrónico, mas antes adaptar os regimes existentes por forma a
serem aplicados a esta nova forma de comercialização.
Um segundo,
designado por princípio da recondução das entregas de produtos por via
eletrónica à categoria de prestações de serviços, afasta a criação da categoria
de bens virtuais, qualificando estas
transações como entregas de bens para efeitos de imposto sobre o consumo[12].
Finalmente, o
Conselho Europeu adotou o princípio da tributação no local de consumo,
consagrando que apenas as prestações de serviços consumidas na Europa deverão
ali ser tributadas
Conceito
de comércio eletrónico
Na busca da
construção de uma definição para comércio eletrónico, a OCDE[13] identifica as diferenças entre as várias
definições, as quais surgem da diferente integração e medida da integração de
três elementos tecnológicos: (1) atividades/transações, (2) aplicações e (3)
rede de comunicações eletrónicas (communication
network). Na aplicação destes três elementos, conforme os interesses que
estiverem em causa, a extensão da sua integração e a articulação entre eles
varia, alterando o alcance da definição de comércio eletrónico.
No relatório do
referido grupo de trabalho podemos encontrar a ideia de que uma definição de
comércio eletrónico é algo necessariamente dinâmico e ajustável aos objetivos
de medição desta realidade, ou seja, faz-se coincidir a definição de comércio
eletrónico com a necessidade de o medir estatisticamente. Em conformidade, a
OCDE defende que, para identificar as definições de comércio eletrónico,
devemos , primeiramente, responder ar três perguntas:
-
O que se quer medir?
-
Porque se quer medir?
-
O que pode ser medido?
Em 2005, num
relatório daquele grupo de trabalho, o conceito de comércio eletrónico
implementa o conceito de transações eletrónicas, fazendo-se referência a uma
definição mais restrita ou lata, conforme estejamos perante operações
eletrónicas desenvolvidas na Internet ou através de outros meios eletrónicos
para lá da Internet, respetivamente.
Um primeiro tipo
de aproximação, que poderemos considerar como a que contém o conceito mais
extenso, engloba no comércio eletrónico qualquer transação comercial feita por
via eletrónica. Podemos apontar como exemplo desta tomada de posição a
definição apresentada por Alexandre PEREIRA, onde o comércio eletrónico surge
como a “negociação realizada por via eletrónica, isto é, através do
processamento e transmissão eletrónicos de dados, incluindo texto, som e
imagem” [14], capaz de
abranger toda uma panóplia extensa de atividades, desde o comércio de bens e
serviços, às transferências financeiras eletrónicas, leilões comerciais,
contratos públicos e serviços de pós-venda.
Em termos de
documentação oficial portuguesa, podemos aqui enquadrar a definição apresentada
no Documento Orientador da Iniciativa Nacional para o Comércio Eletrónico[15]. Segundo este, o
comércio eletrónico é entendido “como todas as formas de transações comerciais
que envolvam quer organizações, quer indivíduos e que são baseadas no
processamento e transmissão de dados por via eletrónica, incluindo texto, som e
imagem”. Esta primeira via de aproximação poderá ser tomada como ponto de
partida, delimitando as operações em questão, distinguindo-as do comércio
tradicional.
Por outro lado, estudos
australianos[16] focaram a análise
do conceito do comércio eletrónico na ideia de que estamos perante comércio
eletrónico caso exista um contrato de compra e venda de bens e serviços pela
Internet. Trata-se de uma segunda visão possível, geradora, contudo, de um
conceito excessivamente restritivo, já que apenas apela ao contrato de compra e
venda, olvidando que o comércio eletrónico poderá existir para lá da Internet,
além de não se aproximar nem revelar as restantes etapas envolvidas numa
transação eletrónica. De acordo com os elementos apresentados pela OCDE, esta
opção limitaria a extensão de atividades/transações tidas em consideração, pois
apenas o comércio a retalho (atividade empresarial que consiste na venda de
bens e serviços aos consumidores para
uso pessoal e familiar) estaria admitido, assim como teria somente a
Internet como a aplicação envolvida.
Deste modo,
exige-se uma terceira via, que aposte numa maior focagem à realidade. Dale
PINTO defende a integração, no conceito de comércio eletrónico, da venda e
entrega de bens e serviços que envolvam a produção e distribuição, realizados
através de redes abertas como a Internet[17]. Esta terceira
abordagem ao conceito do comércio eletrónico parece ser a mais realista e
completa, contudo, afigura-se necessário desenvolvê-la de modo a não a tornar
demasiado rígida. A aplicação desta terceira via deve ser feita com recurso ao
quadro apresentado pela Autoridade Nacional
de Comunicações (ANACOM). Aquela entidade reguladora defende uma definição de
comércio eletrónico o mais clara e exaustiva possível, sendo que, para tal,
recorre aos dados fornecidos pela International
Data Coportation e pelo Eurostat. Segundo a primeira entidade, o comércio
eletrónico é “todo o processo pelo qual uma encomenda é colocada ou aceite
através da Internet, ou qualquer outro meio eletrónico, representando, consequentemente,
um compromisso de futura transferência de fundos em troca de produtos ou
serviços”. Em relação à configuração dada pelo Eurostat, o comércio eletrónico
assume-se como “a transação de bens e serviços entre computadores mediados por
redes informáticas, onde o pagamento ou entrega dos produtos transacionados não
terá de ser, necessariamente, feito através dessas redes”[18]. Das definições
apresentadas pela ANACOM, ressalta uma conclusão fundamental que permite a
aproximação ao núcleo do conceito de comércio eletrónico: o traço distintivo
deste tipo de comércio assenta no facto de o compromisso comercial ser efetuado
por via eletrónica.
Do ponto de vista
do consumidor, e observando as várias etapas do comércio comercial envolvido,
podemos identificar-se seis fases:
1-
Recolha
de informação;
2-
Contacto;
3-
Negociação;
4-
Compromisso;
5-
Pagamento;
6-
Entrega.
Por um lado, caso
não haja a utilização de meios eletrónicos, estamos perante o tradicional modo
de comerciar, onde o consumidor normalmente se desloca fisicamente ao local, de
modo a adquirir o bem ou o serviço pretendido.
Todavia, caso
exista recurso a meios eletrónicos, seja em maior ou menor grau, em qualquer
uma das três primeiras fases do processo comercial,
estaremos perante aquilo a que podemos designar de comércio assistido
eletronicamente, onde as novas tecnologias são utilizadas como impulsionadoras
do processo comercial, o que acaba por aproximar o vendedor do consumidor,
maximizando as potencialidades do mercado.
Finalmente, se
além das 3 primeiras fases, o compromisso negocial for igualmente assumido por
via eletrónica, então estaremos perante o comércio eletrónico.
Podemos apontar,
como grande fator de distinção entre o comércio eletrónico e o comércio
assistido eletronicamente, a forma como a informação é trocada e processada
pelos intervenientes, uma vez que é utilizada uma rede digital ou um qualquer
outro canal eletrónico. Releva, ainda, que o pagamento eletrónico e a entrega
eletrónica não são requisitos essenciais para se estar perante o comércio
eletrónico.
Apesar de as
transações operadas por mecanismos eletrónicos comporem uma cadeia de produção
(tal como no comércio tradicional), apresentam, todavia, a especificidade da
virtualidade, da comunicação intangível e, em muitos casos, da não necessidade
em recorrer a canais físicos de distribuição.
Uma vez que o
comércio internacional se baseia, cada vez mais, em transações envolvendo bens
e serviços intangíveis, incorpóreos, que não necessitam dos canais de
distribuição tradicionais para chegarem ao seu destino, as transações
eletrónicas têm assumido uma crescente importância no quadro mundial. Neste
contexto, as transações realizadas num sistema de novas tecnologias envolvem
uma rede própria, construída de forma a ser utilizada livremente, rompendo as
barreiras de espaço, anteriormente tidas como obstáculos para as operações
comerciais tradicionais. Ao recorrer ao comércio eletrónico estamos a recorrer
a uma nova forma de comerciar, assente na liberdade dos sistemas, na intangibilidade,
na ausência de “fisicalidade”, na digitalização e na virtualidade. Assim, o
comércio eletrónico deve ser definido como uma nova forma de transacionar,
comerciando com base em redes virtuais de oferta e procura. No que toca à
transmissão de bens e serviços, de igual modo, essa transmissão pode estar
associada à rede virtual, porém, tal não deverá ser assumido como elemento
essencial para se determinar se estamos perante comércio eletrónico[19].
Elementos
estruturantes da transação
Algumas indústrias
e áreas de atividade, como os serviços financeiros ou das telecomunicações,
requerem regras específicas. O mesmo sucede no fenómeno das transações
eletrónicas, que implicam um enorme esforço de reflexão, atento os diversos interesses
em causa, e o facto de não se tratar de uma área específica da vida económica,
mas sim de um novo meio de comercialização que abrange conteúdos díspares.
Neste sentido,
alguns elementos marcam sempre presença em qualquer transação comercial, seja
qual for o meio através do qual ele se efetua – algo a que poderíamos designar por
elementos estruturantes da transação, como são o (a) espaço, (b) objeto, (c)
sujeitos e (d) tempo. No comércio eletrónico, estes conceitos sofrem alterações
significativas no conteúdo que tradicionalmente lhes está associado.
a)
Espaço
O espaço, como
localização geográfica, tem sido entendido como uma barreira para a entrada nos
mercados internacionais. Na realidade, uma empresa que, antes, procurasse
clientes num outro país tinha de despender esforços e recursos mais avultados,
a que acresciam os custos exorbitantes derivados da própria transação.
No campo do
comércio eletrónico em linha, assume particular relevância a noção de estabelecimento estável, uma vez que, se
toda a atividade é efetuada por meios virtuais, teremos de averiguar se e quais
atividades são necessárias para se verificar a sua existência.
De acordo com a
Jurisprudência do TJUE[20], o conceito de
estabelecimento é indissociável da prossecução efetiva de uma atividade
económica. Através de um estabelecimento fixo por um período indefinido, quando
num dado territórios apenas existam máquinas ou equipamentos ligados a uma atividade,
não podemos afirmar a existência de um estabelecimento
estável. Isto, porque o termo em causa implica a presença de meios técnicos
e humanos, determinando-se a localização do estabelecimento a partir destes.
Assim, parece não
poder considerar-se a presença e manutenção de um servidor (ou conjunto de
servidores) como um estabelecimento estável, enquanto não forem suficientes
para assegurar um completo ciclo negocial.
b)
Objeto
A natureza global
desta nova forma de comercialização repercute-se ainda no leque de potenciais
objetos, passíveis de serem transacionados eletronicamente. Na verdade, estas
transações podem ter por objeto serviços (v.g. de informação, financeiros,
jurídicos), produtos (v.g. bens de consumo), atividades tradicionais (v.g.
cuidados de saúde, educação) ou novas atividades (v.g. áreas comerciais virtuais).
Neste contexto, a
União Europeia nunca aceitou a autonomização do conceito de bens virtuais, antes considerando a
transmissão eletrónica de bens como uma prestação de serviços, já que, embora
os bens corpóreos e os virtuais possam ter a mesma utilidade económica, não são
bens idênticos e, por isso, não beneficiam de um tratamento fiscal idênticos.[21]
c)
Sujeitos
Numa transação
eletrónica, não existe qualquer contacto ou conhecimento personalizado entre os
sujeitos participantes.
Este anonimato
entre as partes acarreta dois tipos de perigos. Por um lado, a troca de
informações entre os operadores económicos e os clientes é de uma complexidade
tal que dificulta, não só a determinação do lugar de tributação, como também o
cumprimento das obrigações fiscais, nomeadamente quanto aos documentos que
devem ser elaborados e apresentados pelo sujeito passivo do imposto (faturas e
declarações fiscais). Por outro lado, alguns operadores económicos poderão
utilizar o anonimato dos consumidores e o pagamento por meios digitais, como
forma de iludir o cumprimento das suas obrigações fiscais, resultando na erosão
das matérias coletáveis nos Estados-Membros em causa.
d)
Tempo
Ao contrário do
que acontece no comércio tradicional, através da Internet, o tempo de conclusão
do ato negocial é mais reduzido. Consequentemente, a necessidade de informação
tem um caráter mais urgente e, caso não se assegurem os mecanismos de troca de
informações em tempo útil, toda a previsão e regulamentação legal se afigura
inútil.
Modalidades
de comércio eletrónico
Critério
subjetivo – o tipo de intervenientes envolvidos nas operações eletrónicas
Segundo este
critério, o comércio eletrónico classifica-se segundo os intervenientes
envolvidos na transação eletrónica. Neste contexto, podemos apontar o comércio
eletrónico (i) entre empresas, (ii) entre
empresas e consumidores, (iii) entre consumidores e (iv) entre empresas e a
Administração Púbica.[22]
Em primeiro lugar, (i) o comércio eletrónico
entre empresas, apelidado de Business-to-Business
(B2B) é aquele que, tal o próprio nome indica, decorre entre empresas,
correspondendo, pelos dados fornecidos pela ANACOM, a 90% do comércio
eletrónico português, concentrando-se em áreas como o e-marketplaces (mercados digitais), o e-procurements (plataformas de suporte ao aprovisionamento) e a
distribuição eletrónica (e-distributions).
Podemos associar a
este tipo de comércio eletrónico relações preestabelecidas, formais e
duradouras, que envolvem quantidades avultadas de capital.
No que refere ao (ii)
comércio eletrónico entre as empresas e os consumidores – Business to Consumers (B2C) –, podemos afirmar que este se insere
na secção de venda a retalho do comércio eletrónico, sendo que, em comparação
com o comércio tradicional, temos a maior informação, conforto, personalização
e rapidez como os elementos base determinantes do seu crescimento e
implementação no mercado comercial global. Está associado, em regra, às
transações ocasionais e com valor monetário pouco significativo, devendo
constituir grande tónica para os envolvidos neste tipo de comércio eletrónico a
personalização e a diferenciação. Trata-se de um tipo de comércio eletrónico
que começa a assumir um lugar de destaque no quotidiano dos consumidores,
esperando-se um crescimento exponencial com o decorrer do tempo, em que as
novas tecnologias, os seus benefícios, assim como a adaptação a esta nova
realidade, intensificam a sua interiorização no espaço comercial do consumidor
individual.
De igual modo, na
esfera do (iii) comércio eletrónico realizado entre privados, existe aquele que
se processa entre consumidores: o Consumer-to-Consumer
(C2C). Este abrange as transações eletrónicas efetuadas entre consumidores, e
depende, em grande medida, de os agentes económicos empresariais oferecerem o
espaço eletrónico para que as transações entre consumidores possam acontecer. Neste
contexto, uns dos exemplos mais conhecidos que podemos apontar são os leilões
virtuais e espaços virtuais semelhantes, como o eBay ou o NetLeilao onde,
além de haver o típico comércio eletrónico B2C, a troca e venda de bens entre
consumidores é extremamente facilitada, criando no mundo virtual espaços semelhantes
aos “classificados” nos meios de comunicação. Além das relações enunciadas,
surgem ainda as relações comerciais com entidades publicas, ou seja, o comércio
eletrónico ocorrido entre as empresas e a Administração Pública – Business-to-Administration (B2A). Trata-se
de um tipo de comércio que começa a ocupar um lugar de destaque no plano
governativo. [23]
Critério
sistemático – o tipo de aplicação utilizado
Quando nos
referimos ao tipo de aplicação utilizado, podemos distinguir entre comércio
tradicional e comércio eletrónico via Internet. No primeiro, o comércio virtual
realiza-se através da utilização de outras aplicações que não a Internet, a
qual está reservada ao segundo tipo. Esta distinção encontra-se bem patente no
relatório de 2005 do Grupo de Trabalho sobre Indicadores para a Sociedade de
Informação da OCDE.
Contrariamente ao
que se pensa, na evolução do comércio eletrónico, a Internet não foi o primeiro
“veículo” dinamizador do comércio eletrónico, pois outras aplicações existiram
e continuam a existir, capazes de desenvolver e projetar esta forma de
comerciar.
Critério
formal – comércio eletrónico online e
offline
O comércio
eletrónico direto ou online
caracteriza-se pelas transações comerciais eletrónicas baseadas na transmissão
da informação (bem ou serviço) pela via digital. Além do compromisso negocial
ser efetuado por via eletrónica, a entrega/distribuição é, também ela, feita
pelos canais de distribuição virtuais, uma vez que os bens ou os serviços podem
assumir a forma eletrónica (digitalização).
Com esta forma de
comércio eletrónico abdica-se de um suporte físico, na medida em que o espaço
para adquirir, transmitir e receber os bens ou serviços transacionados é feita
através de comunicação eletrónica. Assim, e sendo a forma do bem ou do serviço
eletrónica, não se recorre, no seio da troca comercial, a qualquer elemento
físico para a sua concretização. Os bens transacionados terão sempre um suporte
digital (por exemplo, a aquisição de software ou de música com descarga
automática para o computador do comprador), assim como os serviços prestados
(veja-se o exemplo de serviços bancários prestados pelos canais seguros da
rede). Neste sentido, o comércio eletrónico online representa um novo canal
para os bens e serviços transmitidos dos produtores para os consumidores.[24]
Ao contrário do
comércio eletrónico direto, que não requer a forma física tradicional de
comércio, o comercio eletrónico indireto ou offline
caracteriza-se por contornos mistos, pois utiliza as novas tecnologias para
facilitar a procura e aquisição de bens e serviços, os quais são posteriormente
entregues ou prestados pelos canais comerciais tradicionais. Temos, então, uma
utilização dos meios tradicionais de entrega, embora com recurso às novas
tecnologias para efeitos de apresentação publicitária e formulação dos pedidos,
podendo assemelhar-se, à primeira vista, à venda por catálogo de bens móveis
corpóreos.
Na medida em que
utiliza os meios clássicos de distribuição, podia-se pensar que não divergiria
muito do comércio tradicional, pois não se enquadra no conceito de comércio
eletrónico. Todavia, tal não é aceitável, pois o comércio eletrónico indireto
constitui um tipo de comércio eletrónico autónomo, não devendo ser afastado
apenas porque se socorre dos meios tradicionais para entregar os bens ou
prestar os serviços, que resultaram do compromisso eletronicamente firmado. Mesmo
que os canais de distribuição sejam os tradicionais, não podemos negar a sua
inclusão nesta nova forma de comerciar, pois somente a finalização da transação
ocorre através dos mesmos canais que o comércio tradicional, sendo que o
restante processo se encontra imiscuído na virtualidade. Aliás, a definição do
Eurostat, apresentada pela ANACOM, suporta este entendimento, segundo a qual
não releva para a qualificação de uma operação, como uma operação de comércio
eletrónico, o facto de o método de distribuição do bem ou serviço ser o canal
de distribuição do comércio tradicional, mas antes, como conclui a entidade
reguladora portuguesa, releva o facto de o compromisso negocial ser feito por
via eletrónica. Assim, resulta inequívoca a sua inclusão no conceito de
comércio eletrónico.
Comparação
com o comércio tradicional
O comércio, como
parte da vida em sociedade, tem vindo a experimentar modificações, que geraram
novidades na forma de efetuar trocas de bens e bens e serviços.
Atualmente, o
nível de sofisticação na forma de comerciar é muitíssimo elevado e a chegada
das novas tecnologias, em especial da Internet e de todo o universo envolvente,
trouxe o surgimento de um novo tipo de comércio: o comércio eletrónico. Este
afasta-se das bases tradicionais do comércio que se conhecia, estabelecendo
novos parâmetros na forma de comerciar.
Como
características nucleares do comércio eletrónico podemos apontar (1) a
desmaterialização, (2) desintermediação, (3) o anonimato e (4) a extrema
mobilidade.
(1) Desmaterialização
Trata-se de uma
consequência natural da digitalização e intangibilidade do comércio eletrónico,
bem como da reduzida necessidade de um suporte físico.
A digitalização proporciona
a possibilidade de efetuar uma transmissão integrada da informação por via
eletrónica, permitindo a ocorrência das transações eletrónicas. Para além
disso, proporciona o caráter intangível do comércio eletrónico, uma vez que
tudo se passa no universo tecnológico, em nada semelhante ao mundo físico e
palpável.
Com a utilização
da Internet e do próprio mercado de comércio eletrónico, os elementos
geográficos assumem uma crescente irrelevância. Não existe a preocupação com a
localização dos intervenientes (em regra, desconhecida), na medida em que tal é
irrelevante para a efetivação da transação eletrónica. As novas tecnologias,
que envolvem o comércio eletrónico, proporcionam uma desnecessidade de
deslocamento físico do negócio para se efetivar a transação comercial. Esta
afirmação surge ainda mais reforçada quando estamos perante uma transação de
bens e serviços digitalizados, pois, neste caso, a transmissão do bem ou a
prestação do serviço é feita de forma totalmente intangível, de modo
incorpóreo, não sendo necessário recorrer aos circuitos tradicionais de
distribuição e prestação.
Com exceção do comércio
eletrónico indireto, que ainda reveste alguma “fisicalidade” e tangibilidade no
processo – pois utiliza os canais tradicionais de transmissão de bens e
serviços para os fazer chegar aos consumidores –, o comércio eletrónico direto
surge com um espectro comercial, essencialmente intangível, não sendo possível
observar, avaliar e controlar com a mesma exatidão que na malha comercial
tradicional.
(2) Desintermediação
Configurando-se
como uma forma de comerciar desmaterializada, onde a intangibilidade é pilar
fundamental e a presença física surge como elemento irrelevante para a
concretização da operação, compreende-se o aparecimento de um processo de
desintermediação dos intermediários tradicionais no comércio eletrónico.
O comercio
eletrónico, ao contrário da generalidade do comércio tradicional, permite um
contacto direto entre a fonte dos bens/serviços e o seu recetor, o que potencia
o desaparecimento dos múltiplos intermediários existentes (e necessário) na
cadeia comercial tradicional.
Neste contexto,
podemos apontar como possível resultado o afastamento de intermediários com
papel relevante no comércio tradicional, provocado pelo facto de as novas
tecnologias permitirem ao produtor/vendedor agregar, nas suas funções, aquelas
que são normalmente deixadas para os intermediários, o que oferece vantagens
competitivas essenciais aos negócios digitais.[25]
Todavia, mesmo que
este processo de desintermediação dos intermediários tradicionais seja uma
característica potenciada, geralmente associada a esta nova realidade
tecnológica, não podemos olvidar o facto de o comércio eletrónico, pela sua
natureza tecnológica e forma de funcionamento, gerar um novo fenómeno: a
reformulação do papel de alguns intermediários tradicionais e o aparecimento de
novos intermediários – os intermediários tecnológicos ou cybermediaries.
Pelas próprias
características do comércio eletrónico e das tecnologias a ele associadas, aos
intermediários passar a estar adstrito um importante papel de confiança e
atuação no mercado. Não obstante, defende-se igualmente a necessidade de
reformular a sua atuação, conferindo-lhe dinamismo e adaptabilidade às novas tecnologias
e necessidades digitais. Ainda assim, esta reformulação comporta vantagens que
assentam no facto de as funções dos intermediários trazerem benefícios para os
produtores, como a criação e disseminação de informação do produto e serviço, a
capacidade de influenciar as compras, a promoção de informação para o cliente, a
criação de espaço de destaque para o produto ou serviço, a redução do risco de
exposição do produtor e do consumidor, bem como a redução dos custos de
distribuição através de economias de escala. Ao intermediário caberia, ainda, a
possibilidade de atuar como apaziguador dos interesses conflituantes entre o
consumidor e o produtor.
Um dos casos de
reformulação dos intermediários tradicionais, surge com as instituições
financeiras, responsáveis pelos sistemas de pagamento que sustentam o comércio
eletrónico. Estas entidades financeiras, que medeiam as transferências
financeiras nas transações eletrónicas, surgem com um papel reforçado, na
medida em que a facilidade e a segurança dos sistemas de pagamentos eletrónicos
assume-se como pilar fundamental no desenvolvimento do comercio eletrónico. As
instituições financeiras tradicionais renovam-se e criam espaço para a
proliferação de novas entidades, sectorialmente especializadas, aumentando a
oferta de serviços disponíveis e a garantia de segurança e confidencialidade
dos dados financeiros envolvidos na transação do comércio eletrónico. Neste
contexto devemos ainda relevar que, a par da renovada importância das instituições
financeiras e a necessidade de utilizar canais de distribuição físicos (no comércio
eletrónico indireto), foi criado um novo espaço para os negócios do transporte.
(3) Anonimato
Da
desmaterialização, no sentido supra indicado,
e da ausência de presença física no local da transação, resulta o não
conhecimento da identidade das partes envolvidas. Se não é necessário que as
partes se encontrem fisicamente para que haja a transação, os intermediários
tradicionais, entre produtor e consumidor final, podem não existir e, mesmo que
continuem a existir, reformulam a sua presença ao ponto de, também eles, não
conhecerem quem é quem, explicando-se assim o anonimato.
O anonimato surge,
ainda, como consequência da impossibilidade de controlar a globalidade da
Internet, bem como se auxilia no processo de encriptação, dado esta técnica de
codificação de dados permitir apenas a quem disponha de chave eletrónica,
especificamente criada para o caso, o conhecimento da identidade e do conteúdo
transmitido.
(4) Extrema mobilidade
Como meio de
comercialização imediato, ilimitado no tempo e no espaço e acessível a qualquer
pessoa, não releva o ponto do globo em que se tenha a possibilidade de utilizar
os mecanismos de acesso à rede: as possibilidades de vender e comprar, tudo e
em qualquer parte do mundo, são infinitas. O comercio eletrónico permite a
deslocalização das atividades, dos intervenientes e dos bens e serviços e,
porque se caracteriza por uma extrema mobilidade, o comercio eletrónico acelera
e difunde as mudanças já em curso, assumindo um exponencial efeito de
propagação, aumentando a interatividade da economia, bem como gera uma nova
temporalidade, onde o tempo é reajustado, o que permite um aumento da
velocidade dos ciclos de produção e a satisfação das necessidades dos
consumidores.
As características
do comercio eletrónico, tal como foram apresentadas, encontram-se em profunda
relação com os atributos da Internet, e em oposição com as características do
comercio tradicional.
De uma forma
genérica, podemos afirmar que a Internet é a rede das redes, caracterizada por
ser aberta a todos aqueles que possuam equipamento tecnológico preparado para
lhe aceder. Apresenta-se com uma grande dimensão, variedade e multiplicidade, o
que torna impossível criar mecanismos de controlo absoluto. A Internet comporta
uma ausência de “fisicalidade generalizada”, com exceção do hardware que envolve a sua construção e
acesso. Aquela, surge como um novo meio de armazenamento, distribuição e troca
de informação, mas também como uma nova rota comercial, tão inovadora quanto o
foi a rota da seda da China no século II A.C. A sua vitalidade económica e
social advém da capacidade de interconexão, no imediato, dos agentes
económicos. A Internet “aumenta a força e o espaço ocupado pela economia
intangível, tal como garante o aumento substancial da prática do comércio à
distância”.[26]
Pelo contrário, o
comércio tradicional apresenta-se como um tipo de comércio onde a fisicalidade
é o traço dominante, relevando a localização geográfica, bem como a dependência
extrema de intermediários, o que conduz ao conhecimento dos intervenientes das
transações. Assente na presença física e geograficamente determinada, a
atividade desenvolvida pelo comércio tradicional é tangível e de conhecimento
facilitado.
Em oposição às
características do comércio tradicional, as características do comércio
eletrónico apontam para uma metodologia distinta. Contudo, a atual realidade
comercial já não é tão líquida. Apesar de o comércio tradicional e o comércio
eletrónico apresentarem um modus operandi
diferenciados, centrados nas características especificas de cada um, uma das
tendências que tem surgido no universo comercial passa pela incorporação de
algumas tecnologias utilizadas pelo comércio eletrónico no comércio
tradicional. Este modo tradicional de comerciar apreendeu as potencialidades do
comércio pela via digital e compreendeu que, para aumentar a conveniência da
atividade para o consumidor, de forma a aumentar o sucesso do negócio, teria de
se modernizar e socorrer das tecnologias que potenciam o comércio eletrónico. Daqui
resulta a conclusão da tendencial preocupação do comércio a retalho em se
aproximar do comércio eletrónico, relativamente aos benefícios oferecidos ao
consumidor através das novas tecnologias.
A
facilidade de planeamento, a evasão e fraude fiscais
Os contribuintes,
aproveitando as características flexíveis e dinâmicas do comércio eletrónico,
procuram tirar vantagens das oportunidades fiscais que decorrem das
características tecnológicas, técnicas e económicas, acabadas de referir.
De um ponto de
vista fiscal, o comércio eletrónico facilita o acesso aos paraísos fiscais e
zonas de tributação privilegiada, possibilitando o deslocamento de capitais e
de atividades para zonas de tributação privilegiada.[27] Este acesso mais
facilitado acontece tanto para as empresas, em especial para as instituições
financeiras, como para as pessoas singulares.
Com o caminho
aberto para os centros offshore, a
evasão e a fraude fiscais surgem como um meio ainda mais apetecível para o contribuinte.
Ao garantir o anonimato e uma extrema mobilidade, o comércio eletrónico alicia
a fuga ao imposto, pois, para além de facilitar o acesso aos paraísos fiscais e
zonas de tributação privilegiada, tranquiliza o infrator em relação à
possibilidade de a sua identidade ser revelada. Mais, o acesso facilitado aos
paraísos fiscais e zonas de tributação privilegiada gera novas oportunidades
para o planeamento fiscal.[28]
No plano das
atividades fiscais, com o objetivo de reduzir o imposto a suportar, o planeamento
fiscal, quando ligado à utilização do comércio eletrónico, surge como a grande
oportunidade para os contribuintes que desejam cumprir a lei, mas, ainda assim,
otimizar o nível de tributação.
O objetivo da
utilização do comercio eletrónico para o planeamento fiscal é, tal como em
outros domínios, a diminuição do nível de tributação, otimizando o resultado
fiscal. Esta finalidade está associada ao desejo de aumento do lucro após a
tributação, de forma a obter melhores resultados e, consequentemente, uma maior
rentabilidade do capital. O planeamento fiscal faz-se, não só através da
diminuição do rendimento a tributar, mas também pela diminuição da taxa do
imposto aplicada ou pelo aumento das deduções à coleta, e, ainda, pelo
diferimento do pagamento do imposto e diminuição da taxa do imposto aplicada ou
pelo aumento das deduções à coleta. O planeamento fiscal surge como uma
verdadeira estratégia fiscal e o comércio eletrónico fomenta essa estratégia.
A partir do comércio
eletrónico, o planeamento fiscal pode ser construído de duas formas: uma,
através da escolha da jurisdição fiscal competente, aliada à consequente
deslocalização geográfica dos fator produtivos, e/ou através da reorganização
dos resultados (proveitos menores e custos maiores), em função da minimização
da tributação.
A
escolha de jurisdição e consequente deslocalização geográfica
Devido à sua
extrema mobilidade e proteção da identidade dos intervenientes, o comércio
eletrónico permite o aproveitamento das lacunas produzidas pela legislação fiscal
internacional ou criadas para o efeito. Os elementos de conexão podem ser
manipulados, de modo a situar a residência e a fonte no espaço geográfico
fiscal mais apropriado. Recorrendo ao comércio eletrónico, o contribuinte
assume um espaço decisório quanto à sujeição ao imposto e à quantia a ser
tributada.[29]
A residência do
contribuinte pode ser relocalizada, ou até mesmo ser o próprio a criar entraves
ao conhecimento da sua verdadeira localização. Atualmente, as sociedades já não
necessitam de apresentar uma verdadeira estrutura hierárquica, nem a sua
administração carece, necessariamente, de reuniões presenciais entre os vários
administradores. Estas podem ocorrer alternadamente em variados locais do
planeta, o que permite uma múltipla polarização das sociedades, não existindo,
à partida, um local específico para a respetiva residência ou direção efetiva.
Deste modo, as regras tradicionais para a
determinação da residência são ultrapassadas, sendo que o impacto das novas
formas de gestão empresarial e dos novos modelos de negócios para a organização
da empresa, permitem que o contribuinte não se envolva nas teias das regras
sobre a residência. Como consequência da possibilidade de separação das várias
funções empresariais em múltiplas parcelas, com poderes de autoadministração,
localizadas em diferentes jurisdições fiscais, permite-se, igualmente, que as
regras clássicas de determinação da residência não sejam aplicadas[30].
O contribuinte,
não se enquadrando nos ditames para a determinação da residência, pode conseguir não ser efetivamente objeto de
tributação no Estado da sua residência habitual. Deixando-se envolver pelas
regras de determinação da residência, ele pode utilizar a sua mobilidade e as
técnicas da comunicação eletrónica, e, desse modo, mover a sua localização para
onde fiscalmente mais lhe convém.
Um outro fator,
sujeito a um aproveitamento por parte do contribuinte para reduzir o imposto a
suportar, será a utilização da figura do estabelecimento estável para
dificultar a tributação na fonte. Em regra, o Estado da fonte do lucro apenas
tem competência para tributar os rendimentos empresariais produzidos no seu
território por um não residente, se os mesmos foram imputáveis ao
estabelecimento estável. Todavia, se inexistir um estabelecimento estável, a
fonte não estará apta a tributar por se considerar inexistente. Através do
comércio eletrónico, o contribuinte tem a possibilidade de aproveitar o facto de as regras atuais não
fazerem frente à realidade digital, evitando, assim, o pressuposto da
tributação na fonte e a respetiva tributação. Neste contexto, podemos apontar
várias formas ao alcance do contribuinte para conseguir afastar-se da criação
de um estabelecimento estável, a saber:[31]
a)
Alteração
constante da localização do seu servidor e da sua webpage;
b)
Não
utilização de um servidor próprio, antes utilizando um servidor do ISP local
que é o anfitrião da webpage;
c)
Desempenho
no seu próprio servidor de funções que apenas permitem uma atribuição mínima de
lucros ao hipotético estabelecimento estável;
d)
Restringir-se
a atividades preparatórias ou/e funcionais no próprio servidor, deixando as
funções essenciais – como a aceitação da encomenda, o seu processamento e o
pagamento – para um mirror server,
situado num paraíso fiscal ou numa zona de tributação privilegiada.
A partir desta
visão, conseguimos compreender que o comércio eletrónico incentiva os
empresários a não recorrerem à criação de sociedades subsidiárias, antes
minimizando a sua presença no exterior que, mesmo que ocorra, camufla-se nos
subterfúgios oferecidos pelas regras do estabelecimento estável. Este facto
denota uma imediata distorção do princípio da neutralidade: a escolha dos meios
de organização empresariais.
O contribuinte,
além do aproveitamento das regras de tributação na residência e das regras de
tributação na fonte, e com o auxílio do comércio eletrónico, tenta aproveita-se
das oportunidades concedidas pelas intranets
para obstruir a aplicação das regras dos preços de transferência e, assim,
dificultar a atribuição de lucros, nomeadamente, pela integração que
possibilita ou facilita, criando produtos cujos preços não são suscetíveis de
comparação.
O conjunto destas
ações provoca a não sujeição a tributação ou, pelo menos, a diminuição do
imposto. Através do comércio eletrónico e das novas tecnologias a ele associadas,
o contribuinte, ao planear o custo fiscal (minimizando-o), consegue,
designadamente, melhorar os resultados pós-imposto e, portanto, a rentabilidade
empresarial.
Este aproveitamento
das regras tradicionais, por parte dos contribuintes, e com o auxílio do
comércio eletrónico, foi igualmente identificada pela OCDE, assumindo-a como
uma zona de receio por parte dos Estados, demonstrando o forte potencial do
comércio eletrónico para auxiliar o planeamento, ou mesmo a evasão e a fraude fiscais.
Os ADT (Android Development Tools) apresentam-se,
também eles, como arena profícua na conquista de espaço para a fuga ao imposto,
associada ao comércio eletrónico. Por terem extrema mobilidade, os contribuintes
acentuam a prática do treaty shopping,
optando pelas jurisdições fiscais mais favoráveis. As diferenças, por vezes
significativas, no conteúdo de ADT em alguns Estados, ou a ausência de ADT em
determinados países, abrem portas à estratégia fiscal. Com o comércio
eletrónico, o contribuinte, beneficiando da configuração atual da fiscalidade
internacional, diminui efetivamente o nível de tributação ou, até mesmo,
conseguindo evitá-la.
A
reorganização dos custos em função da minimização da tributação
Podemos apontar, como outra
forma de alcançar a redução da tributação, e numa primeira fase, o conhecimento
profundo dos novos métodos de gestão empresarial e dos novos modelos de
negócios, de modo a identificar onde são gerados os custos, em função das
recentes tecnologias e da utilização do comércio eletrónico. Se forem
devidamente conhecidas as realidades de organização e gestão empresarial
modernas, alcança-se uma reorganização dos custos.
Como consequência
da prática de comércio eletrónico, vários são os custos que, tal como vimos,
são reduzidos ou até mesmo eliminados. Essa redução ou eliminação permite o
aumento do rendimento tributável, implicando que, para lhe fazer face – e aqui
já estamos na segunda fase –, a estratégia empresarial, auxiliando-se das novas
tecnologias e do comércio eletrónico, possa compensar esse aumento. O comércio
eletrónico apresenta, deste modo, duas faces: por um lado, diminui os custos
empresariais, garantindo maior economia, eficiência e eficácia; por outro lado,
essa redução de custos aumenta a matéria tributável. Todavia, ainda que este
efeito perverso, na ótica do contribuinte, seja uma consequência, não pode
deixar de relevar que o comércio eletrónico, e as novas tecnologias a este
associadas, permite a capacidade de contrariar esse aumento da matéria sujeita
a tributação. Uma das possibilidades será a deslocalização de funções para
paraísos fiscais e zonas privilegiadas de tributação, bem como a divisão das funções
por várias jurisdições, sem as características anteriores, mas com regimes de
tributação favoráveis. Outra hipótese que se pode apontar, passará pela criação
de novos custos capazes de atenuar a tributação, como, por exemplo, o recurso a
outsourcing para funções não
principais. Combinando estas duas vias conseguimos maximizar o resultado
pós-imposto.
Benefícios
fiscais por conta da utilização do comércio eletrónico e das novas tecnologias
A defesa e
existência de benefícios fiscais, pela utilização do comércio eletrónico e das
novas tecnologias, não prejudica a defesa da tese de que os rendimentos gerados
através do comércio eletrónico não devam ser tributados. É imperioso que fique
desde já assente, que o comércio eletrónico necessita de ser efetivamente
tributado, não havendo espaço para a não tributação desta forma de comerciar.
Mesmo defendendo-se a sujeição, poderia cair-se na tentação de exigir um
tratamento fiscal privilegiado, através de isenções fiscais, somente pelo facto
de estarmos perante rendimentos originados no seio do comércio eletrónico. A
menção aos benefícios fiscais pretende, sim, alertar para a necessidade de a
fiscalidade contribuir, dentro dos possíveis, para a criação de um espaço
tecnológico adequado ao funcionamento, crescimento e desenvolvimento do
comércio eletrónico.
Se temos, por um
lado, o facto de a Internet surgir como um meio adequado, cada vez mais
importante para a promoção e alcance de melhores performances económicas e
sociais, por outro, o comércio eletrónico só funciona caso exista um contexto
tecnológico evoluído e alargado. É neste âmbito de favorecimento da criação,
manutenção e desenvolvimento de um contexto tecnológico, do qual depende o bom
funcionamento do comércio eletrónico, que o Estado pode e deve intervir. Por
esta razão, a temática da regulação do espaço digital é tão nuclear, cabendo ao
Estado o seu impulso e construção, mesmo que isso implique a defesa da
autorregulação em certos domínios.
No âmbito do
Direito Fiscal, aquilo que se pode efetivamente fazer, como contributo para
assegurar um espaço tecnológico vital, passará por atuar através de benefícios
fiscais, em zonas que contribuam diretamente para esse objetivo. O Estado pode
atuar fiscalmente, através de benefícios fiscais, garantindo e facilitando a
construção técnica de um universo digital operacional, disponível para a
maioria dos consumidores e empresários. Que benefícios fiscais podemos, então,
apontar? Do prisma dos consumidores, temos o exemplo flagrante do favorecimento
da aquisição de computadores e outros equipamentos informáticos, necessários
para assegurar a ligação em rede e a utilização do comércio eletrónico. Do
ponto de vista dos empresários, poder-se-ia manter aquele benefício fiscal,
acrescentando-se um forte sistema de incentivos fiscais à investigação e ao
desenvolvimento (I&D). Privilegiando-se o I&D, para além de se
dinamizar os sectores industrial e comercial, também se irá permitir a criação
de um espaço imprescindível ao comércio eletrónico. Por um lado, as empresas
tecnológicas ganham incentivos para o seu percurso de inovação e de avanço
tecnológico, o que certamente iria beneficiar a forma como o comércio
eletrónico se desenvolverá. Por outro, as empresas produtoras de bens e
serviços, presentes no comércio eletrónico, podem aumentar o seu espaço para a
pessoalização do produto e do serviço, o que teria um profundo impacto positivo
no universo comercial digital.
Fraquezas
e ameaças os agentes económicos
Como primeiro exemplo
de um risco para os agentes económicos, podemos apontar a possibilidade de
dupla tributação. Quando o contribuinte se aproveita do enquadramento legal de
tributação internacional na residência, dificultando a sua localização, pode surgir
uma dupla residência possa ser gerada. No caso de os Estados envolvidos tomarem
decisões unilaterais, quanto às regras de preferência (tie-breaker rules) e não terem ADT com os países em causa, pode o
contribuinte ficar preso num emaranhado de jurisdições fiscalmente competentes.
Neste caso, o contribuinte pode, eventualmente, ser prejudicado e, para obter a
vantagem desejada, alguns riscos podem ter de ser assumidos.
A possível transformação ou consideração das
ações de planeamento fiscal em causas de evasão fiscal, configura outro caso de
risco para o contribuinte. Partindo de uma análise dos conceitos de planeamento
e evasão fiscais verificamos que, nalguns casos, resulta ser muito ténue a
diferença entre o planeamento e a evasão, dando azo, por isso, a uma separação turva
das ações correspondentes a cada uma delas, o que vem agora agravado com a figura
do planeamento fiscal agressivo. Se a fraude fiscal se diferencia
intrinsecamente das outras duas figuras, por se tratar de uma violação
ostensiva da lei, já que, na esfera do contribuinte, o pressuposto de
tributação é criado, sendo, todavia, ocultado quanto à diferença entre a evasão
e o planeamento fiscais, a questão é complexa. Em comum têm o facto de evitarem
o pressuposto da tributação, mas a diferença assenta na existência ou não de um
contorno à lei: caso a resposta seja afirmativa, estamos perante uma atividade
de evasão fiscal; caso a resposta seja negativa, configura-se uma situação de
planeamento fiscal. Não obstante, na prática, a questão de saber se estamos
perante evasão ou planeamento pode ser assaz difícil. No quadro do comércio
eletrónico e das novas tecnologias, aquilo que, à partida, pode surgir como
atividade lícita de planeamento, pode configurar-se, efetivamente, em evasão
fiscal, com as consequências a ela inerentes.
Finalmente,
podemos mencionar um terceiro risco. No
caso de (des)localização das atividades de comércio eletrónico para os paraísos
fiscais, as eventuais insuficiências não podem ser descuradas. Apesar de serem
fiscalmente atrativos, os paraísos fiscais, atendendo às exigências
tecnológicas do comércio eletrónico, podem apresentar obstáculos pouco
dinamizadores. Um grande problema prende-se com a qualidade e a segurança dos
sistemas de pagamento oferecidos pelos bancos locais, pois nem sempre é garantido
que os bancos e instituições financeiras dos paraísos fiscais ofereçam toda a
gama de serviços financeiros necessários, com a qualidade e segurança exigidas,
quer pelo vendedor quer, e cada vez mais, pelo comprador. Se essa qualidade e
segurança não se verificarem, não pode deixar de se notar que o recurso a
outras jurisdições, contribuindo para o funcionamento dos sistemas de
pagamento, pode permitir a existência de ligações favoráveis à criação de
pressupostos de tributação, os quais se pretenderam evitar.
A
particularidade do jogo online
Os jogos online comportam uma atividade ainda não
regulamentada em Portugal, apesar de, nos termos da Lei do Jogo[32], o direito de
exploração de jogos de fortuna ou azar ser exclusivo do Estado, apenas podendo
ser exercido através de uma concessão (mediante contrato administrativo).
Assim, por não
existir qualquer previsão legal, que acautele a tributação das apostas online, estamos a ignorar uma realidade
que tem vindo a ganhar grandes dimensões nos últimos anos.
No que diz
respeito às apostas online, em
Portugal, a sua promoção é reservada à Santa Casa da Misericórdia , “incluindo o espaço radioelétrico, o
espectro hertziano terrestre analógico e digital, a Internet, bem como
quaisquer outras redes públicas de telecomunicações, nos termos dos diplomas
que regulam cada um dos jogos e o Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto”[33].
O principal
problema do universo das apostas online
prende-se com a dificuldade em identificar o apostador que retire rendimentos
provenientes das apostas efetuadas, pois, pese embora a obrigatoriedade de
registo por parte do apostador, a Administração Tributária poderá ter
dificuldades de acesso a essa informação. Para mais, seria necessário que as
casas de apostas, muitas vezes sediadas em paraísos fiscais, prestassem aquelas
informações à Administração Tributária.Neste contexto, uma outra problemática
que podemos apontar, prende-se com o facto de não poder afirmar-se que um sítio da Internet se possa inserir no
conceito de estabelecimento estável. Deste modo, as empresas de jogo online que não possuam sede, direção
efetiva ou estabelecimento estável não estão sujeitos, por exemplo, a IRC. Além
disso, em sede de IRS, as declarações não estão formatadas para este tipo de
rendimentos e, mesmo que estivessem, o sujeito passivo poderia nem os declarar,
pois a Administração Tributária não consegue aceder às informações acima
referenciadas de modo direto (sem prejuízo, por exemplo, de um procedimento de
avaliação indireta, com fundamento em verificação de manifestações de fortuna).
Por estas razões, a ausência de concretização de mecanismos necessários para
que a tributação se efetive, e as dificuldades de fiscalização inerentes à
natureza da atividade, torna praticamente impossível a tributação do jogo online em sede de IRS.
O TJUE concluiu
que, as restrições dos Estados Membros às atividades de jogo não são contrárias
às liberdades económicas fundamentais, desde que tenham por objetivo restringir
o jogo de forma constante e sistemática para fins de proteção ao consumidor, de
prevenção de fraude ou de criminalidade, de questões de saúde pública, e outros
que possam integrar o conceito de ordem pública.
A
fiscalidade e o impacto da globalização
A
inadequação e desajustamento dos sistemas fiscais
Podemos apontar
cinco elementos caracterizadores da globalização que influenciam o Direito
Fiscal, quer nacional quer internacional, no mundo global:
i)
A
tecnologia:
Os
novos atores do poder nacional e internacional;
i A
mobilidade;
i A
interdependência; e
v O
enfraquecimento do poder público.
Através destes
elementos, intensificados pelo movimento da globalização, as estruturas dos sistemas
fiscais, bem como a organização do próprio tributo e da relação entre o Fisco e
contribuinte, transformam-se. [34]
Como consequência
da mobilidade e novas tecnologias, a base territorial do tributo é fortemente afetada.
A mundialização dos mercados financeiros, bem como as novas tecnologias e as regras
de organização, sugerem a interdependência entre os vários campos de atuação
humana, incluindo o fiscal, sendo que a incapacidade da estrutura fiscal, face às novas formas de produção e gestão de
riqueza, transmite a ideia de que o poder público não atua isoladamente nos
círculos do poder, sendo antes um dos vários poderes existentes, convivendo com
esses novos tipos de influência, que assumem, de igual forma, as rédeas das
atuações e do impacto destas.
Contudo, os
elementos apontados apenas expõem que a mobilidade, a tecnologia, a
interdependência, o enfraquecimento do poder publico e os novos atores do poder
nacional e internacional, são elementos efetivamente decorrentes da
globalização, mas não manifestam o verdadeiro resultado do impacto da
globalização na fiscalidade.
Combate
à fraude e à evasão fiscais
Uma das grandes
preocupações das discussões sobre fiscalidade internacional é o combate à
fraude e à evasão fiscal, pois estas conduzem à erosão das bases de tributação
ou ao diferimento do pagamento do imposto devido. A transparência fiscal surge,
assim, como corolário fundamental dessa preocupação.
No centro da luta
contra a concorrência fiscal prejudicial, o combate aos paraísos fiscais e aos
regimes fiscais preferenciais surgem como pontos de extrema importância. Porém,
este não se trata do único plano de luta, pois associam-se a ele as regras para
tributação das sociedades, nomeadamente, as referentes aos preços de
transferências, à subcapitalização, às sociedades estrangeiras controladas (controlled foreign companies – CFC’s) e
às operações fictícias ou em termos anormais, de modo a serem criados custos
inexistentes ou superiores aos suportados.
Este tipo de
preocupações e medidas denunciam os cuidados internacionais com a evasão e
mesmo com o planeamento fiscal, atividade ilícita que, todavia, cada vez mais
começa a ser difícil de diferenciar da evasão fiscal, dado que, designadamente,
a lei ou os tratados evidenciam, como tal, casos que originariamente eram
planeamento.
Intervenção
do estado na luta antifraude
A evasão e a
fraude fiscal são fenómenos que colocam em causa a confiança dos cidadãos no
sistema fiscal, ou até mesmo no próprio Estado, na medida em que cidadãos com a
mesma capacidade contributiva, ao defraudarem o Estado, provocam uma situação
de clara injustiça social, comparativamente ao cidadão cumpridor,
desequilibrando a balança da repartição de encargos públicos.
A fraude fiscal,
sem prejuízo da sonegação de impostos e redução das receitas do próprio estado,
provoca a subtração de recursos financeiros destinados à construção de
infraestruturas e serviços públicos, o que acaba por reduzir a qualidade de
vida dos cidadãos.
Assim, num
contexto de injustiça social, a luta contra a fraude fiscal deve
intensificar-se, apelando aos poderes legislativos, executivo e judicial, bem
como proceder-se a alterações culturais, sendo competência dos Estados membros.
A União Europeia
disponibiliza mecanismos de cooperação administrativa entre Estados membros, de
modo a cooperarem mutuamente no combate à fraude fiscal. Todavia, os
instrumentos utilizados devem ser aperfeiçoados, pois só assim se assegura uma
abordagem global e europeizada no combate à fraude fiscal, com um intercâmbio
rápido e bem direcionado, apoiando os Estados membros no combate aos operadores
fraudulentos.
A Comissão
Europeia reconhece que o princípio da liberdade de circulação de capitais
potenciou a criação de um ciberespaço financeiro, muito difícil de tributar e
controlar por cada um dos Estados-membros de forma isolada. Esta dificuldade é
passível de suprimento com o aumento da cooperação no quadro europeu e da
própria OCDE.
Os
problemas para as Administrações Fiscais
Neste âmbito, são
três os problemas do comércio eletrónico na esfera das Administrações Fiscais:
1-
Risco
de erosão da base de tributação, com a consequente diminuição das receitas
fiscais arrecadadas;
2-
Dificuldade
em determinar a jurisdição fiscal para realização da tributação; e
3-
Dificuldades
em assegurar o cumprimento tributário.
Em relação ao primeiro
problema – risco de erosão da base de tributação com a consequente diminuição
das receitas fiscais –, ele explicita a preocupação das várias Administrações
Fiscais com o comércio eletrónico, justificando o respetivo interesse por esta
inovadora forma de comerciar. A diminuição das receitas fiscais arrecadadas tem
graves consequências orçamentais e económicas, numa conjuntura onde o
investimento público e o suporte de uma série de infraestruturas do Estado
Social cabem ao Estado, que se encontra numa árdua tarefa de as assegurar, colocando
a equidade fiscal na ordem do dia das sociedades.
Já no que refere
ao segundo problema, a dificuldade em determinar a jurisdição fiscal com o
poder de tributação, consiste em verificar “onde” o comércio eletrónico deve ser
tributado. A sua presença acentua o risco de erosão das bases de tributação,
podendo ter como consequência uma série de respostas agressivas e unilaterais,
por parte das Administrações Fiscais, para poder compensar a perda de receitas
e maximizar os elementos de conexão com a sua jurisdição, o que, naturalmente,
levaria ao caos internacional e a uma guerra aberta de práticas fiscais
agressivas e prejudiciais.
Finalmente, o
terceiro problema, ou seja, a dificuldade em assegurar o cumprimento
tributário, revela a necessidade de explorar os meios disponíveis para o
comércio eletrónico ser efetivamente tributado.
Do aqui exposto, podemos
agrupar as questões a tratar em duas: saber se deve existir essa tributação e,
em caso afirmativo, “onde” deve ser tributado o comércio eletrónico com a
exploração dos elementos que possibilitam tal tributação. Para prosseguir este
objetivo, devemos atender ao impacto devastador que o risco de erosão da base
de tributação, com a consequente diminuição das receitas arrecadadas, pode ter
nos comportamentos isolados da Administração Fiscal, no caos que tal cenário
provocaria na fiscalidade internacional e na economia mundial, bem como na
neutralidade exigida à fiscalidade internacional, especificamente devida em
face da tributação do comércio tradicional.
Aos três problemas
apontados podemos realçar um outro: a questão da qualificação dos rendimentos
gerados pelo comércio eletrónico. Realmente, o comércio eletrónico provocou um
enevoamento das categorias legais, no que refere à caracterização das operações
e fluxos de rendimentos. A discussão sobre se os rendimentos gerados, ou alguns
deles, no comércio eletrónico são royalties
ou lucros, configura uma das questões resultantes da análise do impacto do comércio
eletrónico na fiscalidade internacional. Esta problemática compreende outras
categorias de rendimento, conforme o Relatório adotado, em Novembro de 2002, pelo
Comité dos Assuntos Fiscais.[35].
Não obstante, e
tendo presente um escopo realista, completo e objetivo, não há aqui espaço para
a sua abordagem, nem tão pouco para analisar o aspeto quantitativo mencionado.
Aliás, as duas questões apenas poderão surgir caso se encontre uma resposta
efetiva para as duas propostas de resolução – se deve ser tributado e onde se
deve tributar o comércio eletrónico. Caso essa básica e mais complexa tarefa
esteja conseguida, segue-se, então, a tentativa de qualificação dos rendimentos
gerados com o comércio eletrónico, com a aplicação ao solucionado da resposta
encontrada.
A assistência internacional no quadro do
Direito Internacional Fiscal
Com os
desenvolvimentos tecnológicos dos últimos anos e do movimento de globalização
dos elementos tributáveis, compreendeu-se ser imperioso recorrer à
intercomunicação entre as entidades fiscais nacionais. Se analisarmos através
de uma perspetiva afastada, a Administração Fiscal nacional já não possui plena
capacidade para fazer face à multiplicidade de fenómenos plurilocalizados, com
implicações na tributação efetiva. A importância da assistência fiscal, em
especial na troca de informações, encontra a sua razão de ser precisamente na
incapacidade de as Administrações Fiscais, de forma autónoma, fazerem face ao
impacto da globalização e das consequentes transações internacionais. Estas suscitam
desafios difíceis para a Administração Fiscal, sobretudo por três razões
fundamentais. A primeira, porque a informação necessária pode estar
efetivamente localizada em outra jurisdição, que não a nacional; depois, porque,
com as novas tecnologias, existe uma facilidade crescente de a informação
necessária ser ocultada pelos contribuintes, criando-se um espaço favorável à
evasão e fraude fiscais; e, finamente, porque tal evasão, não só delapida as
receitas do Estado, como enfraquece a posição monetária internacional de tal
país. Perante isto, facilmente se percebe a importância da troca de informações
entre as Administrações Fiscais, como forma de garantir o seu eficaz
funcionamento, permitindo a tributação das realidades que a lei afirma deverem
ser tributadas.
Apesar de levantar
dúvidas, esta assistência técnica e administrativa entre Administrações
Tributárias foi erigida como um dos princípios básicos do Direito Internacional
Fiscal, a par de outros princípios desse Direito, como “(1) a demarcação da soberania fiscal em
termos de aplicabilidade territorial de regulações fiscais; (2) a não
discriminação, como estabelecido no artigo 24º do Modelo de Convenção da OCDE;
(3) a reciprocidade internacional e (4) a cortesia internacional”. O facto é
que, uma vez estabelecida a solução quanto à repartição do poder de tributar, torna-se
necessário encontrar as regras que proporcionam a troca de informações
necessárias para a boa aplicação dessa solução, torna-se necessário. E aqui
podemos considerar vários aspetos importantes: por um lado, “propósitos,
velocidade de reação e práticas da sua (do Estado) própria administração”, bem
como a natureza das disposições, devendo ter-se em atenção as já referidas dificuldades,
que podem ser aumentadas pela unilateralidade dos fluxos de investimento.
Perante este cenário, a Administração Fiscal pode ter uma de quatro posições: ou
opta frontalmente pela não tributação, negando qualquer ação de resposta às
mudanças operadas nos rendimentos a tributar; ou não considera os problemas,
evitando qualquer tipo de compromisso ou ligação a outras Administrações
Fiscais; ou se decide por uma ação unilateral, agindo isoladamente e suportando
toda a problemática da soberania do Estado, onde se insere a ação do Estado
atualmente, assumindo os resultados dessa atuação desconcertada do resto das
jurisdições fiscais; ou, por último, aposta na cooperação com as suas
congéneres, promovendo o diálogo e a entreajuda entre as jurisdições fiscais.[36]
A assistência tem
como fim imediato a prevenção ou repressão da fraude e evasões fiscais,
procurando proporcionar os elementos necessários ao lançamento e cobrança dos
impostos. O âmbito da assistência tanto poderá ser a tentativa de alcançar a
liquidação do imposto, normalmente chamada de assistência ao lançamento[37], como não
surpreende que se fale também da assistência como forma de efetivar a cobrança.
Para além desta troca de informações, principal instrumento da assistência ao
lançamento, podemos ainda apontar a assistência à cobrança.
Importa ainda
realçar que a prossecução deste objetivo torna possível alcançar uma outra
finalidade: a justiça fiscal. Com a cooperação entre as Administrações Fiscais,
consegue determinar-se o quid e o quantum a tributar, garantindo-se importantes
passos em direção da equidade dos sistemas fiscais. Contudo, duas outras
perspetivas podem ainda ser equacionadas. Será que a assistência visa um
interesse internacional, para além do interesse dos Estados envolvidos? Resulta
a assistência num benefício, não apenas para os Estados envolvidos, mas também
para os próprios contribuintes? Ambas as questões poderão ser respondidas de
forma afirmativa. Por um lado, e no caso de se entender que existe um interesse
internacional, ainda que com assumido caráter difuso, integrado numa ordem
fiscal mundial justa, compreende-se facilmente os benefícios da assistência. Por
outro lado, mesmo que não se defenda a existência de um tal tipo de interesse,
sendo que as jurisdições fiscais nacionais não são jurisdições isoladas, antes
dependendo umas das outras, face ao fenómeno da globalização, se a assistência
promove a interação das realidades fiscais, dotando as Administrações Fiscais
de informações necessárias à efetiva liquidação e cobrança do imposto, então
faz todo o sentido afirmar o caráter benéfico da assistência internacional
fiscal na promoção de um “bem-estar” fiscal generalizado. Relativamente aos
contribuintes, é óbvia a existência de um interesse dos contribuintes para que
todos paguem o devido, de modo a contornar o prejuízo causado para os
contribuintes cumpridores, pelo não pagamento dos impostos devidos pelos
contribuintes inadimplentes, quer porque poderão ter de pagar mais impostos em virtude
da fraude, quer porque as condições do exercício da sua atividade podem ser
prejudicadas (respeitando a exigência constitucional da justa repartição de
encargos públicos).
A troca de informações,
como a modalidade da assistência que aqui mais releva, pode revestir várias
modalidades. Com caráter mais limitado podemos apontar a troca de informações a
pedido, que, como a sua designação indica, é solicitada pela autoridade
competente. O mesmo não sucede com a espontânea, pois a autoridade competente,
por sua iniciativa, transmite à sua congénere uma informação que julga de interesse
para ela. Finalmente, temos a troca de informações automática, em que as
informações constantes de um acordo prévio são enviadas na ocasião[38].
Não obstante, só
aquela troca de informações, nas modalidades acima indicadas, proporciona
indicações quanto à matéria coletável, pois há ainda os exames fiscais
simultâneos nos diversos Estados envolvidos, quanto a um mesmo contribuinte ou
a terceiros relevantes para o efeito, trocando-se posteriormente as informações
obtidas.[39] Contudo, às
formas indicadas – que o Modelo da OCDE diz não serem exclusivas – pode
acrescentar-se a troca de informações tributáveis relativas, não já a um
simples contribuinte, mas a um inteiro setor económico (para além de troca de
informações sobre legislação dos Estados envolvidos).
Mesmo que se possa
invocar a solidariedade internacional, como base do intercâmbio das informações,
traduzindo-se na reciprocidade de deveres relativos à cooperação internacional,
para a generalidade de Estados está comummente enraizada a necessidade de
existência de convenção prévia que permita a ativação de tal mecanismo. Ainda
assim, a existência desta convenção prévia habilitadora, não afasta a possibilidade
de troca de informações por disposição unilateral.
No que refere aos
princípios orientadores da troca de informações, em geral, importa distinguir
entre princípios relativos ao ato de troca de informações e princípios que
envolvem a utilização das informações trocadas. Em relação ao primeiro caso, a
troca de informações deve obedecer (i) ao princípio da equivalência – presta-se
informação que o Estado requerente também pode prestar, mas não para além das
suas próprias normas administrativas – (ii) ao princípio da reciprocidade – o
Estado requerente pode obter a informação que, em situação idêntica, poderia
fornecer – (iii) ao princípio da subsidiariedade – pressupondo o esgotamento
das diligências do Estado requerido – que, para além de revestir caráter
potestativo, deve ser temperado pela razoabilidade ou proporcionalidade, e,
ainda, (iv) ao princípio da atuação por conta própria, na medida em que, aos
pedidos de informação, deve ser aplicado o procedimento empregado no domínio
interno – conduzindo à eliminação do domestic
tax interest[40], bem como (v) ao
princípio da não discriminação – deve ser recusada a informação, caso seja para
aplicar uma regra discriminatória contra nacionais do Estado requerido. Em
relação à utilização da informação, esta deve pautar-se pelo (a) princípio da especialidade
– utilização da informação para o fim solicitado – e pelo (b) princípio da
confidencialidade – a intransmissibilidade a terceiros ou autoridades que não
as indicadas no texto base do pedido.
Caso seja ativado
o mecanismo de pedido de assistência para troca de informações, será a
colaboração internacional (em particular a troca de informações) obrigatória? A
resposta tem sido negativa, exceto se existir um texto legal em que tal esteja
estabelecido. Estando prevista a assistência, Pietro ADONINNO[41] entende não ser
estabelecida a obrigatoriedade sobre o dever de prestação de assistência,
justificando tal no facto de as convenções apenas estabelecerem limites, ou
seja, aquilo relativamente ao qual não existe a obrigação. Assaz grave é a
carência de um sentimento de necessidade de efetivar a colaboração de modo
eficiente, e não apenas afirmar a respetiva necessidade. Os Estados sustentam e
tratam da sua efetivação, na medida em que realiza os seus interesses, não por
um sentimento de obrigação de realizar interesses comuns, o que bem demonstra a
diferença entre o ser e o dever-ser, sem prejuízo de reconhecer que a troca de
informações é um dos instrumentos da cooperação internacional, mas não um
princípio geral de cooperação.
Para o efeito do
controlo, e desde que se atinja o resultado, é indiferente a natureza da
entidade que colabora, pois apenas é necessário que o procedimento aplicável
seja rápido e eficaz, ressalvando-se sempre, evidentemente, os direitos e
garantias dos contribuintes. A afirmação “os fins não justificam os meios” é verdadeira e, também aqui, aplicável. De igual
modo será indiferente a fonte da obrigação, embora na matéria, e atento o
caráter internacional e a restrição geográfica da medida supranacional, seja
preferível uma fonte internacional, pois tal permite abranger o maior número
possível de países, até porque países dominantes no comércio eletrónico, como
os Estados Unidos, não estão compreendidos numa organização supranacional como
a União Europeia (e, aqui, a troca de informações assenta fundamentalmente nas convenções bilaterais
destinadas a prevenir as duplas tributações). Em relação à pluralidade de
Estados com poder de tributar, as convenções multilaterais são as que melhor se
adequam, atentos os Estados envolvidos, permitindo-se a difusão da troca. A
multilateralidade apresenta vantagens, quando confrontada com a tendência de
serem criados blocos económicos, a forte internacionalização, a globalização e
a necessidade de ser assegurada a liberdade de circulação. No entanto,
compreende-se ser esta solução mais complexa, não só pela pluralidade de
interesses (muitas vezes divergentes), mas também no campo da interpretação e
aplicação.
Perante o não
fornecimento das informações pretendidas, qual a reação de um Estado face ao
incumprimento do outro em face do pedido? Não existindo obrigatoriedade, o
espaço deixado à discricionariedade é muito mais amplo e de difícil conciliação
entre os vários interesses, sem prejuízo da possibilidade de o princípio da
solidariedade funcionar de forma ativa entre as Administrações Fiscais.
Determinação
da residência e da fonte no comércio eletrónico
Na medida em que a
cooperação entre as Administrações Fiscais é um valor cada vez mais presente no
âmbito do Direito Internacional Fiscal, não é de estranhar que a sua necessidade
e a presença sejam essenciais no espaço da tributação do comercio eletrónico.
Pode suceder que
os dados remetam para a própria jurisdição, mas, na maioria dos casos tal não
acontece e, sendo assim, apenas se as Administrações Fiscais cooperarem entre
si, trocando os dados disponíveis e transmitindo-os para a jurisdição adequada,
se poderá alcançar o objetivo de tributação efetiva do comércio eletrónico
na(s) jurisdição(ões), onde se encontram os elementos que determinam onde deve
ser tributado o comércio eletrónico. Face a esta solução, a troca de
informações assume-se como imprescindível, mais ainda quando se atenta à
possibilidade de pluralidade de localizações com relevo fiscal.
Independentemente
da criação ou não de uma Organização Internacional Fiscal – a qual se afigura
complexa –, a cooperação internacional entre as Administrações Fiscais pode e
deve ser implementada, na medida em que somente através dela se poderá combater
eficazmente os problemas suscitados pela globalização, em especial o do comércio
eletrónico. Apesar de ser mais adequada a implementação de uma tal organização,
caso tal não aconteça, a cooperação deve ser alcançada, podendo atuar a OCDE
como a organização internacional impulsionadora desse desenvolvimento. Neste
âmbito, as autoridades fiscais de cada país poderão elaborar uma lista de
potenciais contribuintes, atendendo aos registos públicos dos negócios
eletrónicos dos respetivos países e até tendo em consideração o conteúdo de
listas telefónicas, lista de faxes, telemóveis e outros elementos relevantes. E
dentro destes elementos será o acesso aos seus registos, incluindo
informáticos, que se afigura como relevantes. Contudo, e como facilmente se
verifica, tal já iria levantar um problema de acesso à reserva da vida privada
e familiar de cada indivíduo, com a violação das regras constitucionais,
conhecidas por todos nós.
Por Diogo Afonso Pereira
Junho de 2014
[1] Casalta
Nabais, Direito Fiscal, 2012, p. 192
[2] Joseph
Schumpeter, Capitalismo, Socialismo e
Democracia, 1961, p.121
[3] Nabais,
2012, p. 196
[4]
Alexandre Pereira, Comércio eletrónico na
sociedade de informação: da segurança à técnica, p. 274
[5] Art.
38º, nº2 LGT
[6] Ac. TR
Porto de 19 de Fevereiro de 2014
[7] V.g.
art. 5º RGIT
[8] Marques,
Germano, Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009,
p. 9
[9] Cfr.
Jorge de Figueiredo Dias/ Manuel da Costa Andrade – “O crime de fraude fiscal
no novo Direito Penal Tributário Português”, p. 411
[10] Silva,
Germano Marques – Direito Penal
Português, Parte Geral II – Teoria do Crime, p. 118.
[11] V.g. art. 104º, nº3 RGIT
[12] V.g.
artigos 5º e 6º da Sexta Diretiva
[13] OECD Working Party on indicators for the information society, p. 9.
[14]
Alexandre Pereira, in Comércio eletrónico
na sociedade de informação: da segurança à técnica, p. 14.
[15]
Resolução do Conselho de Ministros, nº94/99 de 25 de Agosto.
[16] Australian Taxation Office, vol. 1, 1997, p. 2.
[17] Dale
Pinto, E-commerce, p. 2.
[18] ANACOM,
o comércio eletrónico, p. 15
[19] Ver
diferenciação entre comércio eletrónico direito e indireto, Ponto 4.4.3
[20] Caso
C-168/84, Berkholz, de 4 de Julho de
1985, p. 2251 a 2265.
[21] Como
refere Mário Alexandre, Aspetos Fiscais do IVA relacionados com o
Comércio Eletrónico on-line, in Boletim da APECA, nº 82/1998, p. 42
[22] Kenneth Laudon e Carol Traver, E-commerce, Business, Technology,
Society, p. 19
[23] Estão
aqui incluídas as transações eletrónicas online
que ocorram entre o setor empresarial e o setor público.
[24] Dale, PINTO, in E-Commerce
[25] Robert Benjamin, Eletronic Commerce
[26] Karl Frieden, in Cybertaxation
[27] Michael Bell, in Takin na E-Commerce Business Offshore;
Edsel Doran e Edwin van Schajik, in Taxation
of E-Commerce
[28] Julian Hickey, in Offshore Eletronic Commerce, Taxing
Dificulties and Planning Oportunities, p. 285; Peter Kloet, in Eletronic Commerce Transformation – An
unprecedent Tax planning opportunity, p. 282
[29] Julian Hickey, in The Fiscal Challenge of E-Commerce.
[30] Luc Hinnekens, in Internation Tax Planning and Electronic
Commerce, p. 7
[31] Luc
Hinnekens in (…), p. 1
[32]
Decreto-Lei 114/2011, de 30 de Novembro
[33] V.g. art. 2º do DL 282/2003
[34] Romano
José Enzweiler, Os desafios de tributar
na era da globalização, p. 116
[35] Treaty characterization issues arising from E-Commerce.
[36] John Surr, in Intertax: Intergovernamental Cooperation in taxation.
[37] Tulio
ROsembuj, in Intercambio Internacional de
Informacion Tributaria, pag. 14.
[38] Às
vezes comete-se o erro de distinguir troca de informações da assistência
administrativa. Com efeito, se aquela também pode constituir um elemento da
assistência à cobrança, que muitas vezes é ligada à assistência judiciária,
também é verdade que a troca de informações é um dos instrumentos da
assistência, a qual tem caráter administrativo, visto os respetivos sujeitos e
natureza da atividade a que respeita.
Mas, para além da troca de informações a assistência
administrativa compreende ainda outros meios, como a presença de funcionários
de um Estado em atos de fiscalização noutro Estado.
[39] OCDE Manual, On the Implementation of Exchange of information provisions for tax
purposes, Module 5
[40] Segundo
este, na ausência de interesse na averiguação, pode ser recusada a informação.
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