quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Fraude Fiscal e Comércio Eletrónico






Breve enquadramento histórico
Com a revolução industrial surgiu um fenómeno designado por êxodo rural, o qual consistia na saída das populações dos campos para as cidades, o que acabaria por acentuar as diferenças socioeconómicas entre os diversos grupos económicos.

Historicamente, podemos enunciar dois tipos de sistemas económicos distinto: (i) o sistema capitalista e (ii) o sistema socialista.

(i)   O primeiro, caracterizado pela propriedade privada dos fatores de produção, rege-se pelas forças de mercado, apresentando-se estruturado, no século XIX, com por industriais e banqueiros.
A crise de 1929, e os problemas económicos e sociais por ela provocados, levaram a que o economista John KEYNES colocasse em causa, nos anos 30, a tese de que o sistema capitalista se podia autorregular. O autor defendia o intervencionismo estatal, devendo o estado intervir na economia, regulamentando a relação entre o consumo e o investimento, de maneira a minorar os efeitos das crises cíclicas e a resolver o problema do desemprego. No sistema capitalista as crises são frequentes, provocando falências, aumento do desemprego e inflação. Desta forma, a crescente intervenção do Estado na economia permitiu uma amenização dos efeitos destas crises.

(ii)  Em relação ao segundo sistema (socialista ou economia centralizada), as questões são resolvidos por um órgão central de planeamento, predominando a propriedade pública dos fatores de produção, englobando os bens de capital, terra, prédios, bancos, etc.

No capitalismo, o planeamento e a centralização decorrem da ação do Estado e dos monopólios, enquanto do lado socialista se acentua a tendência de recorrer a determinados mecanismos, próprios da economia de mercado, possibilitando a concorrência entre as empresas de propriedade estatal.

Na primeira metade do século XIX, os liberais defendiam a economia de mercado de comércio internacional e a redução do Estado à sua expressão mínima, limitando-se este a assegurar as condições para o desenvolvimento da economia privada. Já na segunda metade do século, eles passaram a exigir que o Estado garantisse a proteção do mercado interno, face à concorrência internacional.

O século passado conduziu as sociedades europeias liberais para a guerra. A crise de 1929 abalou a confiança no mercado e, como reação aos excessos do liberalismo, emergiram regimes totalitários em nome da defesa dos interesses coletivos. No final dos anos 70 o liberalismo volta a ganhar força, apelando-se à liberdade de comércio internacional, em nome da globalização, com o objetivo de tornar mais atrativos os países para investidores nacionais e estrangeiros.

Atualmente, podemos afirmar, ainda que com alguma trivialidade, que a maior parte dos países contemporâneos são estados fiscais.

Num Estado fiscal, “as necessidades financeiras são, essencialmente, cobertas por impostos, facilmente se compreendendo que este tipo de estado tem sido (e é) a regra do estado moderno”[1]. Contudo, a realidade económica atual consubstancia necessariamente um estado financeiro, cujas necessidades materiais são colmatadas pelos pagamentos obtidos, que ele administra e aplica.

Segundo SCHUMPETER, “não se deve identificar o estado fiscal como um estado liberal, uma vez que aquele, no entendimento que temos, conheceu duas modalidades ou dois tipos ao longo da sua evolução”[2].

Neste contexto, podemos distinguir entre o estado fiscal liberal, centrado na preocupação de neutralidade económica e social, e o estado social, socialmente conformador. Enquanto o primeiro assenta na tributação necessária para satisfazer as despesas estritamente decorrentes do funcionamento da máquina administrativa do estado, o segundo, movido por preocupações de funcionamento global da sociedade e da economia, tem por base uma tributação alargada.

No entendimento de NABAIS, “a estadualidade fiscal significa uma separação fundamental entre o estado e economia, com a sua consequente sustentação financeira, através da sua participação nas receitas da economia produtiva pela via do imposto. Só esta separação permite que o estado e a economia atuem segundo critérios próprios ou autónomos”[3].

A fraude fiscal
Conceito
A fraude fiscal é revestida por um comportamento desviante dos indivíduos que fazem parte de uma sociedade, estando contemplada no art. 103º do RGIT. Trata-se de um ato fraudulento, praticado com o intuito de lesar uma terceira entidade e não obter assunção de obrigações tributárias.

PICKETT caracteriza a fraude fiscal como “um comportamento com o qual um indivíduo tenta obter uma vantagem desonesta em relação a outro”.

Segundo PEREIRA “fraude fiscal é a violação direta da lei fiscal, permitindo ao contribuinte escapar, total ou parcialmente, à liquidação ou ao pagamento do imposto, ao controlo fiscal, ou à entrega de uma prestação tributária cobrada a terceiros ou ainda obter indevidamente benefícios fiscais, reembolsos ou qualquer outra vantagem patrimonial”.[4]

Este comportamento ilícito tem como objetivo ocultar informação à Administração Tributária, a qual tem como competências, no âmbito das suas funções, a fiscalização, controlo e avaliação da matéria coletável.

Relativamente aos atos jurídicos praticados por meios fraudulentos, de acordo com a cláusula geral anti abuso[5], os mesmos são ineficazes no âmbito tributário. Todavia, desde que tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes, a ineficácia desses negócios jurídicos não impede que eles sejam tributados.

Podemos dividir o tipo subjetivo do crime de fraude fiscal em dois elementos: (i) dolo, que consiste no conhecimento e vontade de praticar o facto típico descrito no tipo objetivo e (ii) um elemento subjetivo específico da ilicitude.

No âmbito do crime de fraude fiscal, só podemos considerar a unidade de resolução criminosa quando o meio de cometer o crime,. e as pessoas com as quais o crime é cometido, sejam os mesmos. Caso contrário temos um concurso de crimes, pois há modos de execução perfeitamente autónomos.[6]

A fraude fiscal foi configurado como um crime de perigo, tendo o legislador optado por privilegiar o desvalor da ação, do que resulta que o crime consuma-se mesmo que nenhum enriquecimento venha a ter lugar, nem ocorra o resultado lesivo para o património fiscal.

Este tipo de ilícito encontra-se previsto no artigo 103º do RGIT que, na redação inicial, estatuía que:
1- Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tribuária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
2- A fraude fiscal pode ter lugar por:
a)   Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável;
b)   Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c)   Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
3- Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a €7.500.
4- Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

Com a nova redação dada ao nº2 do artigo 103º do RGIT, pela Lei nº60-A/2005, de 30 de Dezembro, que entrou em vigor em 01-01-2006, o referido nº 2 passou a dispor: os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a €15.000.

Por sua vez o artigo 104º do RGIT, relativo à “fraude qualificada” dispõe que:
1- Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
(…)
2- A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.

Quando à moldura aplicável para as pessoas singulares, a pena prevista é de 1 a 5 anos. Contrariamente, tratando-se de pessoa coletiva, é aplicável a pena de multa de 240 a 1200 dias, sempre dentro dos limites do art. 15º, nº1, isto é, entre €5 e €5.000.

No tipo de ilícito em causa, como em todas as ações ou omissões destinadas a impedir, reduzir ou retardar o pagamento de uma obrigação tributária, o agente é o contribuinte (singular ou coletivo) e o lesado/vítima, o Estado-Administração Fiscal.

A fraude fiscal consiste, assim, quer na ocultação ou alteração de factos ou valores declarados ou que deviam ser declarados (porque sujeitos a tributação), quer na celebração de negócio simulado, quanto ao valor e/ou quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

Não se configura como elemento do tipo a existência de efetivo prejuízo do Estado, bastando que as condutas descritas no tipo visem a obtenção de vantagens fiscais, suscetíveis de causar diminuição das receitas tributárias.

Do mesmo modo, e porque necessariamente interligadas, também não é necessário que o agente obtenha efetivamente a vantagem patrimonial ilegítima que pretendia, uma vez que, tal como foi referido, o crime foi configurado como um crime de perigo, pelo que se consuma mesmo que nenhum enriquecimento venha a ter lugar, nem ocorra um resultado lesivo para o património fiscal.

De igual forma, o dano no crime de fraude fiscal não é elemento do tipo e só aparece como referência expressa da intenção do agente, pelo que o ilícito em causa verifica-se, quando, independentemente de qualquer prejuízo efetivo na esfera patrimonial do Fisco, ou de qualquer enriquecimento do agente, este, com intenção de lesar patrimonialmente o Fisco, atente contra a verdade e transparência exigidos na relação Fisco-contribuinte, através de qualquer das modalidades previstas no art. 103º do RGIT.

Os valores imediatamente tutelados pela proibição são os da transparência e da verdade, não sendo, em primeira linha, o erário público, a repartição igualitária da riqueza e dos rendimentos, a diminuição das desigualdades e necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social do sistema fiscal, ou mesmo a verdade, onde se protege o dever de veracidade nas relações entre o contribuinte e o fisco, sendo que o legislador estatui que as declarações efetuadas pelo contribuinte se presumem de boa fé.


A origem e formação da fraude no contexto social
Contexto socioeconómico
No século XIX começaram a verificar-se infrações fiscais aduaneiras e não aduaneiras de natureza administrativa e criminal, estando previsto no próprio código Penal de 1886 crimes aduaneiros (o descaminho, contrabando de mercadorias, atos fraudulentos destinados a evitar o pagamento de impostos alfandegários, falsificação de cunhos e selos, etc.).

Segundo LACERDA, o contribuinte considera que “a aplicabilidade do imposto sobre si é injusta e desproporcionada”, cedendo à tentação de praticar ações de fraude, obtendo benefícios económicos com tal prática.

A conjuntura económica de um país é outro fator que condiciona e fomenta a prática desta situação, verificando-se um sentimento quase unânime e socialmente penalizador de admiração dos cidadãos, quando tem conhecimento que um colega conseguiu “iludir” a Administração Fiscal, sentimento este que se encontra enraizado no espírito dos cidadãos.

Na opinião de PEREIRA, é evidente que “o contribuinte pode reagir através da fuga a impostos que lhe suscitam uma reação psicológica especialmente adversa, designadamente por serem percecionados como especialmente injustos”.

O sentimento de incumprimento por parte dos contribuintes deve-se ao despesismo dos gastos públicos sem rigor e mal utilizados, o que incute um espírito de não pagamento de impostos, na medida em que sentem que a Administração Pública é uma máquina nem sempre justa e com falhas a vários níveis.

Tipos de fraude fiscal
Os vários tipos de crimes fiscais encontram-se regulados nos artigos 103º e seguintes do RGIT. O novo Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pelo artigo 1º da Lei nº 15/2001 de 5 de Junho, introduziu novos tipos de crimes e contraordenações, e,  com a reformulação da organização judiciária tributária, tentou atingir uma maior simplificação processual e o reforço das garantias contribuintes.

O crime de fraude surge, segundo o RGIT, como o primeiro dos crimes fiscais, seguindo-se a fraude qualificada e o abuso de confiança (artigos 104º e 105º, respetivamente).

No âmbito da fraude fiscal podemos identificar, desde logo, três tipos de modalidades: (1) fraude por ocultação ou dissimulação da matéria coletável; (2) fraude por omissão ou ação e (3) fraude artesanal e industriais.

Ao contrário do atual RGIT, o anterior regime (RJIFNA) não procedia a qualquer distinção entre crimes tributários comuns. Com a entrada daquele, consagrou-se a divisão dos tipos de crimes tributários em dois. Assim, o RGIT reúne ao nível substantivo:
i)      Crimes tributários comuns: Burla tributária, frustração de créditos, associação criminosa, violação de segredo (arts. 87º a 91º RGIT);
ii)    Crimes aduaneiros: contrabando, contrabando de circulação e de mercadorias de circulação condicionada em embarcações (arts. 92º a 102º do RGIT);
iii)   Crimes Fiscais: Fraude, fraude qualificada e abuso de confiança (arts. 106º e 107º RGIT);
iv)  Crimes contra a segurança social: Fraude e abuso de confiança contra a segurança social (arts. 106º e 107º RGIT)
v)   Contraordenações aduaneiros: Recusa de entra, exibição ou apresentação de documentos e mercadorias, violação do dever de cooperação e aquisição de mercadorias objeto de infração aduaneira (arts. 108º a 112º RGIT); e
vi)  Contraordenações fiscais: Falta de entrega da prestação tributária, violação do segredo profissional e falta/atraso de apresentação de declarações (arts. 113º a 127º do RGIT).

A infração tributária considera-se praticada no lugar e no momento em que o agente atuou ou devia ter atuado, ou ainda naquele em que o resultado típico se tiver produzido.[7]

Nos termos do art. 103º, nº2 do RGIT, a qualificação de determinada conduta como crime de fraude fiscal verifica-se apenas quando estamos perante uma vantagem patrimonial ilegítima por parte do infrator, superior a quinze mil euros. Nos restantes casos, ou seja, cujo valor seja inferior àquele limite, estamos perante uma mera contraordenação fiscal.

O crime de fraude fiscal permite a divisão em crime de fraude, regulado no artigo 103º do RGIT e em crime de fraude qualificada, regulado no artigo 104º do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001 de 5 de junho.

“Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais (…)”.

De acordo com Nuno POMBO, a suscetibilidade referida pela lei parece remeter-nos, em termos de mera classificação, para um crime que não o de dano, uma vez que essa simples suscetibilidade de diminuição de receitas tributárias, mesmo que tal diminuição não venha efetivamente a ter lugar, parece ser penalmente relevante.

No caso de fraude simples passou-se a incluir, face à legislação anterior, “(…) a conduta visando obtenção de reembolso indevido, desde que este não implique um enriquecimento efetivo – caso que passa a integrar o âmbito da burla –, mas uma mera redução da receita tributária a pagar”[8].

Segundo Figueiredo DIAS e Costa ANDRADE, o crime de fraude fiscal é um crime de resultado cortado, na medida em que a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo, sendo suficiente que as condutas visem ou sejam preordenadas tendo em vista a obtenção de determinada vantagem[9].

Assim, os factos supracitados são suscetíveis de punição, caso a vantagem patrimonial ilegítima, que conduziu à redução da receita tributária, for superior a quinze mil euros. A fixação em termos quantitativos de um patamar mínimo de relevância fiscal, de sete mil e quinhentos euros, permite que os montantes inferiores a esse valor sejam tipificados como sendo de contraordenação.

A fraude fiscal qualificada
Trata-se de uma das infrações fiscais introduzidas com a entrada em vigor do RGIT, enquadrando-se no art. 104º do diploma, com o objetivo de proteger o património do Estado, na sua vertente fiscal, contra ataques especialmente gravosos.

Nos termos do referido preceito, “os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas quando se verifiquem a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias (…)”. Com isto, facilmente se compreende que este tipo de crime pressupõe uma maior sofisticação por parte dos infratores (e consequente maior ilicitude) e a acumulação das condutas praticadas com as seguintes circunstâncias:
a)   O agente tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b)   O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c)   O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d)   O agente falsificar ou viciar, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos, sendo tais factos punidos autonomamente quando tenham por fim a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária; e
e)   Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e ai submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável.

Ao contrário do que estava previsto no RJIFNA, a qualificação do crime de fraude fiscal não depende de um valor mais elevado da vantagem patrimonial ilegítima (distinguindo-se, neste aspeto, dos crimes de burla tributária e de abuso de confiança). Todavia, ao nível da fraude qualificada, coloca-se a problemática de determinar a punição a aplicar. Tal como sucede na fraude simples, é necessário verificar-se uma vantagem patrimonial ilegítima de valor pelo menos igual a quinze mil euros. A solução resulta da inexpressão do artigo 104º RGIT, que pressupõe valer para a fraude qualificada a exigência do valor mínimo de vantagem patrimonial ilegítima. [10]

O Orçamento do Estado para 2012 criou uma circunstância qualificante autónoma, que se funda na mera vantagem patrimonial de valor superior a cinquenta mil euros. Desta forma, a distinção entre fraude fiscal simples e a qualificada já se encontrava prevista no RJIFNA, correspondendo a fraude fiscal qualificada aos casos em que a fraude fiscal era punível com pena de prisão entre um e cinco anos, nos casos de ocultação ou alteração de factos ou valores ou na simulação, caso se verificasse a acumulação de mais de uma das circunstâncias referidas no artigo 23º, nº3, alíneas c) a f).

O legislador, para as situações cuja vantagem patrimonial seja superior a duzentos mil euros, agravou este crime com base em critérios quantitativos, fixando a pena de prisão de dois a oito anos para pessoas singulares e multa de 480 a 1920 dias para as pessoas coletivas.[11]

Comércio eletrónico
Antes de atendermos à atratividade fiscal do comércio eletrónico, e ao vasto leque de possibilidades de fraude e evasão fiscais, devemos proceder a um breve enquadramento do comércio eletrónico e as características que o revestem.

Princípios orientadores
O Conselho Europeu adotou três princípios fundamentais, em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, nas transações eletrónicas em linha, como medida dirigida a evitar situações de dupla tributação ou de não tributação involuntária e assegurar a segurança técnica e certeza jurídica por parte das empresas e dos consumidores.

Ora, em primeiro lugar, o princípio da mera adaptação ou da suficiência das figuras tributárias existentes estatui que não devem ser previstos impostos novos ou suplementares ao comércio eletrónico, mas antes adaptar os regimes existentes por forma a serem aplicados a esta nova forma de comercialização.

Um segundo, designado por princípio da recondução das entregas de produtos por via eletrónica à categoria de prestações de serviços, afasta a criação da categoria de bens virtuais, qualificando estas transações como entregas de bens para efeitos de imposto sobre o consumo[12].

Finalmente, o Conselho Europeu adotou o princípio da tributação no local de consumo, consagrando que apenas as prestações de serviços consumidas na Europa deverão ali ser tributadas

Conceito de comércio eletrónico
Na busca da construção de uma definição para comércio eletrónico, a OCDE[13]  identifica as diferenças entre as várias definições, as quais surgem da diferente integração e medida da integração de três elementos tecnológicos: (1) atividades/transações, (2) aplicações e (3) rede de comunicações eletrónicas (communication network). Na aplicação destes três elementos, conforme os interesses que estiverem em causa, a extensão da sua integração e a articulação entre eles varia, alterando o alcance da definição de comércio eletrónico.

No relatório do referido grupo de trabalho podemos encontrar a ideia de que uma definição de comércio eletrónico é algo necessariamente dinâmico e ajustável aos objetivos de medição desta realidade, ou seja, faz-se coincidir a definição de comércio eletrónico com a necessidade de o medir estatisticamente. Em conformidade, a OCDE defende que, para identificar as definições de comércio eletrónico, devemos , primeiramente, responder ar três perguntas:
- O que se quer medir?
- Porque se quer medir?
- O que pode ser medido?

Em 2005, num relatório daquele grupo de trabalho, o conceito de comércio eletrónico implementa o conceito de transações eletrónicas, fazendo-se referência a uma definição mais restrita ou lata, conforme estejamos perante operações eletrónicas desenvolvidas na Internet ou através de outros meios eletrónicos para lá da Internet, respetivamente.

Um primeiro tipo de aproximação, que poderemos considerar como a que contém o conceito mais extenso, engloba no comércio eletrónico qualquer transação comercial feita por via eletrónica. Podemos apontar como exemplo desta tomada de posição a definição apresentada por Alexandre PEREIRA, onde o comércio eletrónico surge como a “negociação realizada por via eletrónica, isto é, através do processamento e transmissão eletrónicos de dados, incluindo texto, som e imagem” [14], capaz de abranger toda uma panóplia extensa de atividades, desde o comércio de bens e serviços, às transferências financeiras eletrónicas, leilões comerciais, contratos públicos e serviços de pós-venda.

Em termos de documentação oficial portuguesa, podemos aqui enquadrar a definição apresentada no Documento Orientador da Iniciativa Nacional para o Comércio Eletrónico[15]. Segundo este, o comércio eletrónico é entendido “como todas as formas de transações comerciais que envolvam quer organizações, quer indivíduos e que são baseadas no processamento e transmissão de dados por via eletrónica, incluindo texto, som e imagem”. Esta primeira via de aproximação poderá ser tomada como ponto de partida, delimitando as operações em questão, distinguindo-as do comércio tradicional.

Por outro lado, estudos australianos[16] focaram a análise do conceito do comércio eletrónico na ideia de que estamos perante comércio eletrónico caso exista um contrato de compra e venda de bens e serviços pela Internet. Trata-se de uma segunda visão possível, geradora, contudo, de um conceito excessivamente restritivo, já que apenas apela ao contrato de compra e venda, olvidando que o comércio eletrónico poderá existir para lá da Internet, além de não se aproximar nem revelar as restantes etapas envolvidas numa transação eletrónica. De acordo com os elementos apresentados pela OCDE, esta opção limitaria a extensão de atividades/transações tidas em consideração, pois apenas o comércio a retalho (atividade empresarial que consiste na venda de bens e serviços aos consumidores para  uso pessoal e familiar) estaria admitido, assim como teria somente a Internet como a aplicação envolvida.

Deste modo, exige-se uma terceira via, que aposte numa maior focagem à realidade. Dale PINTO defende a integração, no conceito de comércio eletrónico, da venda e entrega de bens e serviços que envolvam a produção e distribuição, realizados através de redes abertas como a Internet[17]. Esta terceira abordagem ao conceito do comércio eletrónico parece ser a mais realista e completa, contudo, afigura-se necessário desenvolvê-la de modo a não a tornar demasiado rígida. A aplicação desta terceira via deve ser feita com recurso ao quadro  apresentado pela Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM). Aquela entidade reguladora defende uma definição de comércio eletrónico o mais clara e exaustiva possível, sendo que, para tal, recorre aos dados fornecidos pela International Data Coportation e pelo Eurostat. Segundo a primeira entidade, o comércio eletrónico é “todo o processo pelo qual uma encomenda é colocada ou aceite através da Internet, ou qualquer outro meio eletrónico, representando, consequentemente, um compromisso de futura transferência de fundos em troca de produtos ou serviços”. Em relação à configuração dada pelo Eurostat, o comércio eletrónico assume-se como “a transação de bens e serviços entre computadores mediados por redes informáticas, onde o pagamento ou entrega dos produtos transacionados não terá de ser, necessariamente, feito através dessas redes”[18]. Das definições apresentadas pela ANACOM, ressalta uma conclusão fundamental que permite a aproximação ao núcleo do conceito de comércio eletrónico: o traço distintivo deste tipo de comércio assenta no facto de o compromisso comercial ser efetuado por via eletrónica.

Do ponto de vista do consumidor, e observando as várias etapas do comércio comercial envolvido, podemos identificar-se seis fases:
1-       Recolha de informação;
2-       Contacto;
3-       Negociação;
4-       Compromisso;
5-       Pagamento;
6-       Entrega.

Por um lado, caso não haja a utilização de meios eletrónicos, estamos perante o tradicional modo de comerciar, onde o consumidor normalmente se desloca fisicamente ao local, de modo a adquirir o bem ou o serviço pretendido.

Todavia, caso exista recurso a meios eletrónicos, seja em maior ou menor grau, em qualquer uma das três primeiras fases do processo comercial, estaremos perante aquilo a que podemos designar de comércio assistido eletronicamente, onde as novas tecnologias são utilizadas como impulsionadoras do processo comercial, o que acaba por aproximar o vendedor do consumidor, maximizando as potencialidades do mercado.
Finalmente, se além das 3 primeiras fases, o compromisso negocial for igualmente assumido por via eletrónica, então estaremos perante o comércio eletrónico.

Podemos apontar, como grande fator de distinção entre o comércio eletrónico e o comércio assistido eletronicamente, a forma como a informação é trocada e processada pelos intervenientes, uma vez que é utilizada uma rede digital ou um qualquer outro canal eletrónico. Releva, ainda, que o pagamento eletrónico e a entrega eletrónica não são requisitos essenciais para se estar perante o comércio eletrónico.

Apesar de as transações operadas por mecanismos eletrónicos comporem uma cadeia de produção (tal como no comércio tradicional), apresentam, todavia, a especificidade da virtualidade, da comunicação intangível e, em muitos casos, da não necessidade em recorrer a canais físicos de distribuição.

Uma vez que o comércio internacional se baseia, cada vez mais, em transações envolvendo bens e serviços intangíveis, incorpóreos, que não necessitam dos canais de distribuição tradicionais para chegarem ao seu destino, as transações eletrónicas têm assumido uma crescente importância no quadro mundial. Neste contexto, as transações realizadas num sistema de novas tecnologias envolvem uma rede própria, construída de forma a ser utilizada livremente, rompendo as barreiras de espaço, anteriormente tidas como obstáculos para as operações comerciais tradicionais. Ao recorrer ao comércio eletrónico estamos a recorrer a uma nova forma de comerciar, assente na liberdade dos sistemas, na intangibilidade, na ausência de “fisicalidade”, na digitalização e na virtualidade. Assim, o comércio eletrónico deve ser definido como uma nova forma de transacionar, comerciando com base em redes virtuais de oferta e procura. No que toca à transmissão de bens e serviços, de igual modo, essa transmissão pode estar associada à rede virtual, porém, tal não deverá ser assumido como elemento essencial para se determinar se estamos perante comércio eletrónico[19].

Elementos estruturantes da transação
Algumas indústrias e áreas de atividade, como os serviços financeiros ou das telecomunicações, requerem regras específicas. O mesmo sucede no fenómeno das transações eletrónicas, que implicam um enorme esforço de reflexão, atento os diversos interesses em causa, e o facto de não se tratar de uma área específica da vida económica, mas sim de um novo meio de comercialização que abrange conteúdos díspares.

Neste sentido, alguns elementos marcam sempre presença em qualquer transação comercial, seja qual for o meio através do qual ele se efetua – algo a que poderíamos designar por elementos estruturantes da transação, como são o (a) espaço, (b) objeto, (c) sujeitos e (d) tempo. No comércio eletrónico, estes conceitos sofrem alterações significativas no conteúdo que tradicionalmente lhes está associado.

a)   Espaço
O espaço, como localização geográfica, tem sido entendido como uma barreira para a entrada nos mercados internacionais. Na realidade, uma empresa que, antes, procurasse clientes num outro país tinha de despender esforços e recursos mais avultados, a que acresciam os custos exorbitantes derivados da própria transação.
No campo do comércio eletrónico em linha, assume particular relevância a noção de estabelecimento estável, uma vez que, se toda a atividade é efetuada por meios virtuais, teremos de averiguar se e quais atividades são necessárias para se verificar a sua existência.

De acordo com a Jurisprudência do TJUE[20], o conceito de estabelecimento é indissociável da prossecução efetiva de uma atividade económica. Através de um estabelecimento fixo por um período indefinido, quando num dado territórios apenas existam máquinas ou equipamentos ligados a uma atividade, não podemos afirmar a existência de um estabelecimento estável. Isto, porque o termo em causa implica a presença de meios técnicos e humanos, determinando-se a localização do estabelecimento a partir destes.
Assim, parece não poder considerar-se a presença e manutenção de um servidor (ou conjunto de servidores) como um estabelecimento estável, enquanto não forem suficientes para assegurar um completo ciclo negocial.

b)   Objeto
A natureza global desta nova forma de comercialização repercute-se ainda no leque de potenciais objetos, passíveis de serem transacionados eletronicamente. Na verdade, estas transações podem ter por objeto serviços (v.g. de informação, financeiros, jurídicos), produtos (v.g. bens de consumo), atividades tradicionais (v.g. cuidados de saúde, educação) ou novas atividades (v.g. áreas comerciais virtuais).

Neste contexto, a União Europeia nunca aceitou a autonomização do conceito de bens virtuais, antes considerando a transmissão eletrónica de bens como uma prestação de serviços, já que, embora os bens corpóreos e os virtuais possam ter a mesma utilidade económica, não são bens idênticos e, por isso, não beneficiam de um tratamento fiscal idênticos.[21]

c)   Sujeitos
Numa transação eletrónica, não existe qualquer contacto ou conhecimento personalizado entre os sujeitos participantes.

Este anonimato entre as partes acarreta dois tipos de perigos. Por um lado, a troca de informações entre os operadores económicos e os clientes é de uma complexidade tal que dificulta, não só a determinação do lugar de tributação, como também o cumprimento das obrigações fiscais, nomeadamente quanto aos documentos que devem ser elaborados e apresentados pelo sujeito passivo do imposto (faturas e declarações fiscais). Por outro lado, alguns operadores económicos poderão utilizar o anonimato dos consumidores e o pagamento por meios digitais, como forma de iludir o cumprimento das suas obrigações fiscais, resultando na erosão das matérias coletáveis nos Estados-Membros em causa.

d)   Tempo
Ao contrário do que acontece no comércio tradicional, através da Internet, o tempo de conclusão do ato negocial é mais reduzido. Consequentemente, a necessidade de informação tem um caráter mais urgente e, caso não se assegurem os mecanismos de troca de informações em tempo útil, toda a previsão e regulamentação legal se afigura inútil.

Modalidades de comércio eletrónico
Critério subjetivo – o tipo de intervenientes envolvidos nas operações eletrónicas
Segundo este critério, o comércio eletrónico classifica-se segundo os intervenientes envolvidos na transação eletrónica. Neste contexto, podemos apontar o comércio eletrónico (i) entre  empresas, (ii) entre empresas e consumidores, (iii) entre consumidores e (iv) entre empresas e a Administração Púbica.[22]

 Em primeiro lugar, (i) o comércio eletrónico entre empresas, apelidado de Business-to-Business (B2B) é aquele que, tal o próprio nome indica, decorre entre empresas, correspondendo, pelos dados fornecidos pela ANACOM, a 90% do comércio eletrónico português, concentrando-se em áreas como o e-marketplaces (mercados digitais), o e-procurements (plataformas de suporte ao aprovisionamento) e a distribuição eletrónica (e-distributions).

Podemos associar a este tipo de comércio eletrónico relações preestabelecidas, formais e duradouras, que envolvem quantidades avultadas de capital.

No que refere ao (ii) comércio eletrónico entre as empresas e os consumidores – Business to Consumers (B2C) –, podemos afirmar que este se insere na secção de venda a retalho do comércio eletrónico, sendo que, em comparação com o comércio tradicional, temos a maior informação, conforto, personalização e rapidez como os elementos base determinantes do seu crescimento e implementação no mercado comercial global. Está associado, em regra, às transações ocasionais e com valor monetário pouco significativo, devendo constituir grande tónica para os envolvidos neste tipo de comércio eletrónico a personalização e a diferenciação. Trata-se de um tipo de comércio eletrónico que começa a assumir um lugar de destaque no quotidiano dos consumidores, esperando-se um crescimento exponencial com o decorrer do tempo, em que as novas tecnologias, os seus benefícios, assim como a adaptação a esta nova realidade, intensificam a sua interiorização no espaço comercial do consumidor individual.

De igual modo, na esfera do (iii) comércio eletrónico realizado entre privados, existe aquele que se processa entre consumidores: o Consumer-to-Consumer (C2C). Este abrange as transações eletrónicas efetuadas entre consumidores, e depende, em grande medida, de os agentes económicos empresariais oferecerem o espaço eletrónico para que as transações entre consumidores possam acontecer. Neste contexto, uns dos exemplos mais conhecidos que podemos apontar são os leilões virtuais e espaços virtuais semelhantes, como o eBay ou o NetLeilao onde, além de haver o típico comércio eletrónico B2C, a troca e venda de bens entre consumidores é extremamente facilitada, criando no mundo virtual espaços semelhantes aos “classificados” nos meios de comunicação. Além das relações enunciadas, surgem ainda as relações comerciais com entidades publicas, ou seja, o comércio eletrónico ocorrido entre as empresas e a Administração Pública – Business-to-Administration (B2A). Trata-se de um tipo de comércio que começa a ocupar um lugar de destaque no plano governativo. [23]
  
Critério sistemático – o tipo de aplicação utilizado
Quando nos referimos ao tipo de aplicação utilizado, podemos distinguir entre comércio tradicional e comércio eletrónico via Internet. No primeiro, o comércio virtual realiza-se através da utilização de outras aplicações que não a Internet, a qual está reservada ao segundo tipo. Esta distinção encontra-se bem patente no relatório de 2005 do Grupo de Trabalho sobre Indicadores para a Sociedade de Informação da OCDE.

Contrariamente ao que se pensa, na evolução do comércio eletrónico, a Internet não foi o primeiro “veículo” dinamizador do comércio eletrónico, pois outras aplicações existiram e continuam a existir, capazes de desenvolver e projetar esta forma de comerciar.

Critério formal – comércio eletrónico online e offline
O comércio eletrónico direto ou online caracteriza-se pelas transações comerciais eletrónicas baseadas na transmissão da informação (bem ou serviço) pela via digital. Além do compromisso negocial ser efetuado por via eletrónica, a entrega/distribuição é, também ela, feita pelos canais de distribuição virtuais, uma vez que os bens ou os serviços podem assumir a forma eletrónica (digitalização).

Com esta forma de comércio eletrónico abdica-se de um suporte físico, na medida em que o espaço para adquirir, transmitir e receber os bens ou serviços transacionados é feita através de comunicação eletrónica. Assim, e sendo a forma do bem ou do serviço eletrónica, não se recorre, no seio da troca comercial, a qualquer elemento físico para a sua concretização. Os bens transacionados terão sempre um suporte digital (por exemplo, a aquisição de software ou de música com descarga automática para o computador do comprador), assim como os serviços prestados (veja-se o exemplo de serviços bancários prestados pelos canais seguros da rede). Neste sentido, o comércio eletrónico online representa um novo canal para os bens e serviços transmitidos dos produtores para os consumidores.[24]

Ao contrário do comércio eletrónico direto, que não requer a forma física tradicional de comércio, o comercio eletrónico indireto ou offline caracteriza-se por contornos mistos, pois utiliza as novas tecnologias para facilitar a procura e aquisição de bens e serviços, os quais são posteriormente entregues ou prestados pelos canais comerciais tradicionais. Temos, então, uma utilização dos meios tradicionais de entrega, embora com recurso às novas tecnologias para efeitos de apresentação publicitária e formulação dos pedidos, podendo assemelhar-se, à primeira vista, à venda por catálogo de bens móveis corpóreos.

Na medida em que utiliza os meios clássicos de distribuição, podia-se pensar que não divergiria muito do comércio tradicional, pois não se enquadra no conceito de comércio eletrónico. Todavia, tal não é aceitável, pois o comércio eletrónico indireto constitui um tipo de comércio eletrónico autónomo, não devendo ser afastado apenas porque se socorre dos meios tradicionais para entregar os bens ou prestar os serviços, que resultaram do compromisso eletronicamente firmado. Mesmo que os canais de distribuição sejam os tradicionais, não podemos negar a sua inclusão nesta nova forma de comerciar, pois somente a finalização da transação ocorre através dos mesmos canais que o comércio tradicional, sendo que o restante processo se encontra imiscuído na virtualidade. Aliás, a definição do Eurostat, apresentada pela ANACOM, suporta este entendimento, segundo a qual não releva para a qualificação de uma operação, como uma operação de comércio eletrónico, o facto de o método de distribuição do bem ou serviço ser o canal de distribuição do comércio tradicional, mas antes, como conclui a entidade reguladora portuguesa, releva o facto de o compromisso negocial ser feito por via eletrónica. Assim, resulta inequívoca a sua inclusão no conceito de comércio eletrónico.

Comparação com o comércio tradicional
O comércio, como parte da vida em sociedade, tem vindo a experimentar modificações, que geraram novidades na forma de efetuar trocas de bens e bens e serviços.

Atualmente, o nível de sofisticação na forma de comerciar é muitíssimo elevado e a chegada das novas tecnologias, em especial da Internet e de todo o universo envolvente, trouxe o surgimento de um novo tipo de comércio: o comércio eletrónico. Este afasta-se das bases tradicionais do comércio que se conhecia, estabelecendo novos parâmetros na forma de comerciar.

Como características nucleares do comércio eletrónico podemos apontar (1) a desmaterialização, (2) desintermediação, (3) o anonimato e (4) a extrema mobilidade.

(1)  Desmaterialização
Trata-se de uma consequência natural da digitalização e intangibilidade do comércio eletrónico, bem como da reduzida necessidade de um suporte físico.

A digitalização proporciona a possibilidade de efetuar uma transmissão integrada da informação por via eletrónica, permitindo a ocorrência das transações eletrónicas. Para além disso, proporciona o caráter intangível do comércio eletrónico, uma vez que tudo se passa no universo tecnológico, em nada semelhante ao mundo físico e palpável.

Com a utilização da Internet e do próprio mercado de comércio eletrónico, os elementos geográficos assumem uma crescente irrelevância. Não existe a preocupação com a localização dos intervenientes (em regra, desconhecida), na medida em que tal é irrelevante para a efetivação da transação eletrónica. As novas tecnologias, que envolvem o comércio eletrónico, proporcionam uma desnecessidade de deslocamento físico do negócio para se efetivar a transação comercial. Esta afirmação surge ainda mais reforçada quando estamos perante uma transação de bens e serviços digitalizados, pois, neste caso, a transmissão do bem ou a prestação do serviço é feita de forma totalmente intangível, de modo incorpóreo, não sendo necessário recorrer aos circuitos tradicionais de distribuição e prestação.

Com exceção do comércio eletrónico indireto, que ainda reveste alguma “fisicalidade” e tangibilidade no processo – pois utiliza os canais tradicionais de transmissão de bens e serviços para os fazer chegar aos consumidores –, o comércio eletrónico direto surge com um espectro comercial, essencialmente intangível, não sendo possível observar, avaliar e controlar com a mesma exatidão que na malha comercial tradicional.

(2)  Desintermediação
Configurando-se como uma forma de comerciar desmaterializada, onde a intangibilidade é pilar fundamental e a presença física surge como elemento irrelevante para a concretização da operação, compreende-se o aparecimento de um processo de desintermediação dos intermediários tradicionais no comércio eletrónico.

O comercio eletrónico, ao contrário da generalidade do comércio tradicional, permite um contacto direto entre a fonte dos bens/serviços e o seu recetor, o que potencia o desaparecimento dos múltiplos intermediários existentes (e necessário) na cadeia comercial tradicional.

Neste contexto, podemos apontar como possível resultado o afastamento de intermediários com papel relevante no comércio tradicional, provocado pelo facto de as novas tecnologias permitirem ao produtor/vendedor agregar, nas suas funções, aquelas que são normalmente deixadas para os intermediários, o que oferece vantagens competitivas essenciais aos negócios digitais.[25]

Todavia, mesmo que este processo de desintermediação dos intermediários tradicionais seja uma característica potenciada, geralmente associada a esta nova realidade tecnológica, não podemos olvidar o facto de o comércio eletrónico, pela sua natureza tecnológica e forma de funcionamento, gerar um novo fenómeno: a reformulação do papel de alguns intermediários tradicionais e o aparecimento de novos intermediários – os intermediários tecnológicos ou cybermediaries.

Pelas próprias características do comércio eletrónico e das tecnologias a ele associadas, aos intermediários passar a estar adstrito um importante papel de confiança e atuação no mercado. Não obstante, defende-se igualmente a necessidade de reformular a sua atuação, conferindo-lhe dinamismo e adaptabilidade às novas tecnologias e necessidades digitais. Ainda assim, esta reformulação comporta vantagens que assentam no facto de as funções dos intermediários trazerem benefícios para os produtores, como a criação e disseminação de informação do produto e serviço, a capacidade de influenciar as compras, a promoção de informação para o cliente, a criação de espaço de destaque para o produto ou serviço, a redução do risco de exposição do produtor e do consumidor, bem como a redução dos custos de distribuição através de economias de escala. Ao intermediário caberia, ainda, a possibilidade de atuar como apaziguador dos interesses conflituantes entre o consumidor e o produtor.

Um dos casos de reformulação dos intermediários tradicionais, surge com as instituições financeiras, responsáveis pelos sistemas de pagamento que sustentam o comércio eletrónico. Estas entidades financeiras, que medeiam as transferências financeiras nas transações eletrónicas, surgem com um papel reforçado, na medida em que a facilidade e a segurança dos sistemas de pagamentos eletrónicos assume-se como pilar fundamental no desenvolvimento do comercio eletrónico. As instituições financeiras tradicionais renovam-se e criam espaço para a proliferação de novas entidades, sectorialmente especializadas, aumentando a oferta de serviços disponíveis e a garantia de segurança e confidencialidade dos dados financeiros envolvidos na transação do comércio eletrónico. Neste contexto devemos ainda relevar que, a par da renovada importância das instituições financeiras e a necessidade de utilizar canais de distribuição físicos (no comércio eletrónico indireto), foi criado um novo espaço para os negócios do transporte.

(3)  Anonimato
Da desmaterialização, no sentido supra indicado, e da ausência de presença física no local da transação, resulta o não conhecimento da identidade das partes envolvidas. Se não é necessário que as partes se encontrem fisicamente para que haja a transação, os intermediários tradicionais, entre produtor e consumidor final, podem não existir e, mesmo que continuem a existir, reformulam a sua presença ao ponto de, também eles, não conhecerem quem é quem, explicando-se assim o anonimato.

O anonimato surge, ainda, como consequência da impossibilidade de controlar a globalidade da Internet, bem como se auxilia no processo de encriptação, dado esta técnica de codificação de dados permitir apenas a quem disponha de chave eletrónica, especificamente criada para o caso, o conhecimento da identidade e do conteúdo transmitido.

(4)  Extrema mobilidade
Como meio de comercialização imediato, ilimitado no tempo e no espaço e acessível a qualquer pessoa, não releva o ponto do globo em que se tenha a possibilidade de utilizar os mecanismos de acesso à rede: as possibilidades de vender e comprar, tudo e em qualquer parte do mundo, são infinitas. O comercio eletrónico permite a deslocalização das atividades, dos intervenientes e dos bens e serviços e, porque se caracteriza por uma extrema mobilidade, o comercio eletrónico acelera e difunde as mudanças já em curso, assumindo um exponencial efeito de propagação, aumentando a interatividade da economia, bem como gera uma nova temporalidade, onde o tempo é reajustado, o que permite um aumento da velocidade dos ciclos de produção e a satisfação das necessidades dos consumidores.

As características do comercio eletrónico, tal como foram apresentadas, encontram-se em profunda relação com os atributos da Internet, e em oposição com as características do comercio tradicional.

De uma forma genérica, podemos afirmar que a Internet é a rede das redes, caracterizada por ser aberta a todos aqueles que possuam equipamento tecnológico preparado para lhe aceder. Apresenta-se com uma grande dimensão, variedade e multiplicidade, o que torna impossível criar mecanismos de controlo absoluto. A Internet comporta uma ausência de “fisicalidade generalizada”, com exceção do hardware que envolve a sua construção e acesso. Aquela, surge como um novo meio de armazenamento, distribuição e troca de informação, mas também como uma nova rota comercial, tão inovadora quanto o foi a rota da seda da China no século II A.C. A sua vitalidade económica e social advém da capacidade de interconexão, no imediato, dos agentes económicos. A Internet “aumenta a força e o espaço ocupado pela economia intangível, tal como garante o aumento substancial da prática do comércio à distância”.[26]

Pelo contrário, o comércio tradicional apresenta-se como um tipo de comércio onde a fisicalidade é o traço dominante, relevando a localização geográfica, bem como a dependência extrema de intermediários, o que conduz ao conhecimento dos intervenientes das transações. Assente na presença física e geograficamente determinada, a atividade desenvolvida pelo comércio tradicional é tangível e de conhecimento facilitado.

Em oposição às características do comércio tradicional, as características do comércio eletrónico apontam para uma metodologia distinta. Contudo, a atual realidade comercial já não é tão líquida. Apesar de o comércio tradicional e o comércio eletrónico apresentarem um modus operandi diferenciados, centrados nas características especificas de cada um, uma das tendências que tem surgido no universo comercial passa pela incorporação de algumas tecnologias utilizadas pelo comércio eletrónico no comércio tradicional. Este modo tradicional de comerciar apreendeu as potencialidades do comércio pela via digital e compreendeu que, para aumentar a conveniência da atividade para o consumidor, de forma a aumentar o sucesso do negócio, teria de se modernizar e socorrer das tecnologias que potenciam o comércio eletrónico. Daqui resulta a conclusão da tendencial preocupação do comércio a retalho em se aproximar do comércio eletrónico, relativamente aos benefícios oferecidos ao consumidor através das novas tecnologias.

A facilidade de planeamento, a evasão e fraude fiscais
Os contribuintes, aproveitando as características flexíveis e dinâmicas do comércio eletrónico, procuram tirar vantagens das oportunidades fiscais que decorrem das características tecnológicas, técnicas e económicas, acabadas de referir.

De um ponto de vista fiscal, o comércio eletrónico facilita o acesso aos paraísos fiscais e zonas de tributação privilegiada, possibilitando o deslocamento de capitais e de atividades para zonas de tributação privilegiada.[27] Este acesso mais facilitado acontece tanto para as empresas, em especial para as instituições financeiras, como para as pessoas singulares.

Com o caminho aberto para os centros offshore, a evasão e a fraude fiscais surgem como um meio ainda mais apetecível para o contribuinte. Ao garantir o anonimato e uma extrema mobilidade, o comércio eletrónico alicia a fuga ao imposto, pois, para além de facilitar o acesso aos paraísos fiscais e zonas de tributação privilegiada, tranquiliza o infrator em relação à possibilidade de a sua identidade ser revelada. Mais, o acesso facilitado aos paraísos fiscais e zonas de tributação privilegiada gera novas oportunidades para o planeamento fiscal.[28]

No plano das atividades fiscais, com o objetivo de reduzir o imposto a suportar, o planeamento fiscal, quando ligado à utilização do comércio eletrónico, surge como a grande oportunidade para os contribuintes que desejam cumprir a lei, mas, ainda assim, otimizar o nível de tributação.

O objetivo da utilização do comercio eletrónico para o planeamento fiscal é, tal como em outros domínios, a diminuição do nível de tributação, otimizando o resultado fiscal. Esta finalidade está associada ao desejo de aumento do lucro após a tributação, de forma a obter melhores resultados e, consequentemente, uma maior rentabilidade do capital. O planeamento fiscal faz-se, não só através da diminuição do rendimento a tributar, mas também pela diminuição da taxa do imposto aplicada ou pelo aumento das deduções à coleta, e, ainda, pelo diferimento do pagamento do imposto e diminuição da taxa do imposto aplicada ou pelo aumento das deduções à coleta. O planeamento fiscal surge como uma verdadeira estratégia fiscal e o comércio eletrónico fomenta essa estratégia.

A partir do comércio eletrónico, o planeamento fiscal pode ser construído de duas formas: uma, através da escolha da jurisdição fiscal competente, aliada à consequente deslocalização geográfica dos fator produtivos, e/ou através da reorganização dos resultados (proveitos menores e custos maiores), em função da minimização da tributação.

A escolha de jurisdição e consequente deslocalização geográfica
Devido à sua extrema mobilidade e proteção da identidade dos intervenientes, o comércio eletrónico permite o aproveitamento das lacunas produzidas pela legislação fiscal internacional ou criadas para o efeito. Os elementos de conexão podem ser manipulados, de modo a situar a residência e a fonte no espaço geográfico fiscal mais apropriado. Recorrendo ao comércio eletrónico, o contribuinte assume um espaço decisório quanto à sujeição ao imposto e à quantia a ser tributada.[29]

A residência do contribuinte pode ser relocalizada, ou até mesmo ser o próprio a criar entraves ao conhecimento da sua verdadeira localização. Atualmente, as sociedades já não necessitam de apresentar uma verdadeira estrutura hierárquica, nem a sua administração carece, necessariamente, de reuniões presenciais entre os vários administradores. Estas podem ocorrer alternadamente em variados locais do planeta, o que permite uma múltipla polarização das sociedades, não existindo, à partida, um local específico para a respetiva residência ou direção efetiva. Deste modo, as regras tradicionais para a determinação da residência são ultrapassadas, sendo que o impacto das novas formas de gestão empresarial e dos novos modelos de negócios para a organização da empresa, permitem que o contribuinte não se envolva nas teias das regras sobre a residência. Como consequência da possibilidade de separação das várias funções empresariais em múltiplas parcelas, com poderes de autoadministração, localizadas em diferentes jurisdições fiscais, permite-se, igualmente, que as regras clássicas de determinação da residência não sejam aplicadas[30].

O contribuinte, não se enquadrando nos ditames para a determinação da residência,  pode conseguir não ser efetivamente objeto de tributação no Estado da sua residência habitual. Deixando-se envolver pelas regras de determinação da residência, ele pode utilizar a sua mobilidade e as técnicas da comunicação eletrónica, e, desse modo, mover a sua localização para onde fiscalmente mais lhe convém.

Um outro fator, sujeito a um aproveitamento por parte do contribuinte para reduzir o imposto a suportar, será a utilização da figura do estabelecimento estável para dificultar a tributação na fonte. Em regra, o Estado da fonte do lucro apenas tem competência para tributar os rendimentos empresariais produzidos no seu território por um não residente, se os mesmos foram imputáveis ao estabelecimento estável. Todavia, se inexistir um estabelecimento estável, a fonte não estará apta a tributar por se considerar inexistente. Através do comércio eletrónico, o contribuinte tem a possibilidade de  aproveitar o facto de as regras atuais não fazerem frente à realidade digital, evitando, assim, o pressuposto da tributação na fonte e a respetiva tributação. Neste contexto, podemos apontar várias formas ao alcance do contribuinte para conseguir afastar-se da criação de um estabelecimento estável, a saber:[31]
a)   Alteração constante da localização do seu servidor e da sua webpage;
b)   Não utilização de um servidor próprio, antes utilizando um servidor do ISP local que é o anfitrião da webpage;
c)   Desempenho no seu próprio servidor de funções que apenas permitem uma atribuição mínima de lucros ao hipotético estabelecimento estável;
d)   Restringir-se a atividades preparatórias ou/e funcionais no próprio servidor, deixando as funções essenciais – como a aceitação da encomenda, o seu processamento e o pagamento – para um mirror server, situado num paraíso fiscal ou numa zona de tributação privilegiada.

A partir desta visão, conseguimos compreender que o comércio eletrónico incentiva os empresários a não recorrerem à criação de sociedades subsidiárias, antes minimizando a sua presença no exterior que, mesmo que ocorra, camufla-se nos subterfúgios oferecidos pelas regras do estabelecimento estável. Este facto denota uma imediata distorção do princípio da neutralidade: a escolha dos meios de organização empresariais.

O contribuinte, além do aproveitamento das regras de tributação na residência e das regras de tributação na fonte, e com o auxílio do comércio eletrónico, tenta aproveita-se das oportunidades concedidas pelas intranets para obstruir a aplicação das regras dos preços de transferência e, assim, dificultar a atribuição de lucros, nomeadamente, pela integração que possibilita ou facilita, criando produtos cujos preços não são suscetíveis de comparação.

O conjunto destas ações provoca a não sujeição a tributação ou, pelo menos, a diminuição do imposto. Através do comércio eletrónico e das novas tecnologias a ele associadas, o contribuinte, ao planear o custo fiscal (minimizando-o), consegue, designadamente, melhorar os resultados pós-imposto e, portanto, a rentabilidade empresarial.

Este aproveitamento das regras tradicionais, por parte dos contribuintes, e com o auxílio do comércio eletrónico, foi igualmente identificada pela OCDE, assumindo-a como uma zona de receio por parte dos Estados, demonstrando o forte potencial do comércio eletrónico para auxiliar o planeamento, ou mesmo a evasão e a fraude fiscais.

Os ADT (Android Development Tools) apresentam-se, também eles, como arena profícua na conquista de espaço para a fuga ao imposto, associada ao comércio eletrónico. Por terem extrema mobilidade, os contribuintes acentuam a prática do treaty shopping, optando pelas jurisdições fiscais mais favoráveis. As diferenças, por vezes significativas, no conteúdo de ADT em alguns Estados, ou a ausência de ADT em determinados países, abrem portas à estratégia fiscal. Com o comércio eletrónico, o contribuinte, beneficiando da configuração atual da fiscalidade internacional, diminui efetivamente o nível de tributação ou, até mesmo, conseguindo evitá-la.

 A reorganização dos custos em função da minimização da tributação
Podemos apontar, como outra forma de alcançar a redução da tributação, e numa primeira fase, o conhecimento profundo dos novos métodos de gestão empresarial e dos novos modelos de negócios, de modo a identificar onde são gerados os custos, em função das recentes tecnologias e da utilização do comércio eletrónico. Se forem devidamente conhecidas as realidades de organização e gestão empresarial modernas, alcança-se uma reorganização dos custos.

Como consequência da prática de comércio eletrónico, vários são os custos que, tal como vimos, são reduzidos ou até mesmo eliminados. Essa redução ou eliminação permite o aumento do rendimento tributável, implicando que, para lhe fazer face – e aqui já estamos na segunda fase –, a estratégia empresarial, auxiliando-se das novas tecnologias e do comércio eletrónico, possa compensar esse aumento. O comércio eletrónico apresenta, deste modo, duas faces: por um lado, diminui os custos empresariais, garantindo maior economia, eficiência e eficácia; por outro lado, essa redução de custos aumenta a matéria tributável. Todavia, ainda que este efeito perverso, na ótica do contribuinte, seja uma consequência, não pode deixar de relevar que o comércio eletrónico, e as novas tecnologias a este associadas, permite a capacidade de contrariar esse aumento da matéria sujeita a tributação. Uma das possibilidades será a deslocalização de funções para paraísos fiscais e zonas privilegiadas de tributação, bem como a divisão das funções por várias jurisdições, sem as características anteriores, mas com regimes de tributação favoráveis. Outra hipótese que se pode apontar, passará pela criação de novos custos capazes de atenuar a tributação, como, por exemplo, o recurso a outsourcing para funções não principais. Combinando estas duas vias conseguimos maximizar o resultado pós-imposto.

Benefícios fiscais por conta da utilização do comércio eletrónico e das novas tecnologias
A defesa e existência de benefícios fiscais, pela utilização do comércio eletrónico e das novas tecnologias, não prejudica a defesa da tese de que os rendimentos gerados através do comércio eletrónico não devam ser tributados. É imperioso que fique desde já assente, que o comércio eletrónico necessita de ser efetivamente tributado, não havendo espaço para a não tributação desta forma de comerciar. Mesmo defendendo-se a sujeição, poderia cair-se na tentação de exigir um tratamento fiscal privilegiado, através de isenções fiscais, somente pelo facto de estarmos perante rendimentos originados no seio do comércio eletrónico. A menção aos benefícios fiscais pretende, sim, alertar para a necessidade de a fiscalidade contribuir, dentro dos possíveis, para a criação de um espaço tecnológico adequado ao funcionamento, crescimento e desenvolvimento do comércio eletrónico.

Se temos, por um lado, o facto de a Internet surgir como um meio adequado, cada vez mais importante para a promoção e alcance de melhores performances económicas e sociais, por outro, o comércio eletrónico só funciona caso exista um contexto tecnológico evoluído e alargado. É neste âmbito de favorecimento da criação, manutenção e desenvolvimento de um contexto tecnológico, do qual depende o bom funcionamento do comércio eletrónico, que o Estado pode e deve intervir. Por esta razão, a temática da regulação do espaço digital é tão nuclear, cabendo ao Estado o seu impulso e construção, mesmo que isso implique a defesa da autorregulação em certos domínios.

No âmbito do Direito Fiscal, aquilo que se pode efetivamente fazer, como contributo para assegurar um espaço tecnológico vital, passará por atuar através de benefícios fiscais, em zonas que contribuam diretamente para esse objetivo. O Estado pode atuar fiscalmente, através de benefícios fiscais, garantindo e facilitando a construção técnica de um universo digital operacional, disponível para a maioria dos consumidores e empresários. Que benefícios fiscais podemos, então, apontar? Do prisma dos consumidores, temos o exemplo flagrante do favorecimento da aquisição de computadores e outros equipamentos informáticos, necessários para assegurar a ligação em rede e a utilização do comércio eletrónico. Do ponto de vista dos empresários, poder-se-ia manter aquele benefício fiscal, acrescentando-se um forte sistema de incentivos fiscais à investigação e ao desenvolvimento (I&D). Privilegiando-se o I&D, para além de se dinamizar os sectores industrial e comercial, também se irá permitir a criação de um espaço imprescindível ao comércio eletrónico. Por um lado, as empresas tecnológicas ganham incentivos para o seu percurso de inovação e de avanço tecnológico, o que certamente iria beneficiar a forma como o comércio eletrónico se desenvolverá. Por outro, as empresas produtoras de bens e serviços, presentes no comércio eletrónico, podem aumentar o seu espaço para a pessoalização do produto e do serviço, o que teria um profundo impacto positivo no universo comercial digital.

Fraquezas e ameaças os agentes económicos
Como primeiro exemplo de um risco para os agentes económicos, podemos apontar a possibilidade de dupla tributação. Quando o contribuinte se aproveita do enquadramento legal de tributação internacional na residência, dificultando a sua localização, pode surgir uma dupla residência possa ser gerada. No caso de os Estados envolvidos tomarem decisões unilaterais, quanto às regras de preferência (tie-breaker rules) e não terem ADT com os países em causa, pode o contribuinte ficar preso num emaranhado de jurisdições fiscalmente competentes. Neste caso, o contribuinte pode, eventualmente, ser prejudicado e, para obter a vantagem desejada, alguns riscos podem ter de ser assumidos.

A  possível transformação ou consideração das ações de planeamento fiscal em causas de evasão fiscal, configura outro caso de risco para o contribuinte. Partindo de uma análise dos conceitos de planeamento e evasão fiscais verificamos que, nalguns casos, resulta ser muito ténue a diferença entre o planeamento e a evasão, dando azo, por isso, a uma separação turva das ações correspondentes a cada uma delas, o que vem agora agravado com a figura do planeamento fiscal agressivo. Se a fraude fiscal se diferencia intrinsecamente das outras duas figuras, por se tratar de uma violação ostensiva da lei, já que, na esfera do contribuinte, o pressuposto de tributação é criado, sendo, todavia, ocultado quanto à diferença entre a evasão e o planeamento fiscais, a questão é complexa. Em comum têm o facto de evitarem o pressuposto da tributação, mas a diferença assenta na existência ou não de um contorno à lei: caso a resposta seja afirmativa, estamos perante uma atividade de evasão fiscal; caso a resposta seja negativa, configura-se uma situação de planeamento fiscal. Não obstante, na prática, a questão de saber se estamos perante evasão ou planeamento pode ser assaz difícil. No quadro do comércio eletrónico e das novas tecnologias, aquilo que, à partida, pode surgir como atividade lícita de planeamento, pode configurar-se, efetivamente, em evasão fiscal, com as consequências a ela inerentes.

Finalmente, podemos mencionar um terceiro risco.  No caso de (des)localização das atividades de comércio eletrónico para os paraísos fiscais, as eventuais insuficiências não podem ser descuradas. Apesar de serem fiscalmente atrativos, os paraísos fiscais, atendendo às exigências tecnológicas do comércio eletrónico, podem apresentar obstáculos pouco dinamizadores. Um grande problema prende-se com a qualidade e a segurança dos sistemas de pagamento oferecidos pelos bancos locais, pois nem sempre é garantido que os bancos e instituições financeiras dos paraísos fiscais ofereçam toda a gama de serviços financeiros necessários, com a qualidade e segurança exigidas, quer pelo vendedor quer, e cada vez mais, pelo comprador. Se essa qualidade e segurança não se verificarem, não pode deixar de se notar que o recurso a outras jurisdições, contribuindo para o funcionamento dos sistemas de pagamento, pode permitir a existência de ligações favoráveis à criação de pressupostos de tributação, os quais se pretenderam evitar.

A particularidade do jogo online
Os jogos online comportam uma atividade ainda não regulamentada em Portugal, apesar de, nos termos da Lei do Jogo[32], o direito de exploração de jogos de fortuna ou azar ser exclusivo do Estado, apenas podendo ser exercido através de uma concessão (mediante contrato administrativo).

Assim, por não existir qualquer previsão legal, que acautele a tributação das apostas online, estamos a ignorar uma realidade que tem vindo a ganhar grandes dimensões nos últimos anos.

No que diz respeito às apostas online, em Portugal, a sua promoção é reservada à Santa Casa da Misericórdia , “incluindo o espaço radioelétrico, o espectro hertziano terrestre analógico e digital, a Internet, bem como quaisquer outras redes públicas de telecomunicações, nos termos dos diplomas que regulam cada um dos jogos e o Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto”[33].

O principal problema do universo das apostas online prende-se com a dificuldade em identificar o apostador que retire rendimentos provenientes das apostas efetuadas, pois, pese embora a obrigatoriedade de registo por parte do apostador, a Administração Tributária poderá ter dificuldades de acesso a essa informação. Para mais, seria necessário que as casas de apostas, muitas vezes sediadas em paraísos fiscais, prestassem aquelas informações à Administração Tributária.Neste contexto, uma outra problemática que podemos apontar, prende-se com o facto de não poder afirmar-se que um sítio da Internet se possa inserir no conceito de estabelecimento estável. Deste modo, as empresas de jogo online que não possuam sede, direção efetiva ou estabelecimento estável não estão sujeitos, por exemplo, a IRC. Além disso, em sede de IRS, as declarações não estão formatadas para este tipo de rendimentos e, mesmo que estivessem, o sujeito passivo poderia nem os declarar, pois a Administração Tributária não consegue aceder às informações acima referenciadas de modo direto (sem prejuízo, por exemplo, de um procedimento de avaliação indireta, com fundamento em verificação de manifestações de fortuna). Por estas razões, a ausência de concretização de mecanismos necessários para que a tributação se efetive, e as dificuldades de fiscalização inerentes à natureza da atividade, torna praticamente impossível a tributação do jogo online em sede de IRS.

O TJUE concluiu que, as restrições dos Estados Membros às atividades de jogo não são contrárias às liberdades económicas fundamentais, desde que tenham por objetivo restringir o jogo de forma constante e sistemática para fins de proteção ao consumidor, de prevenção de fraude ou de criminalidade, de questões de saúde pública, e outros que possam integrar o conceito de ordem pública.

A fiscalidade e o impacto da globalização
A inadequação e desajustamento dos sistemas fiscais
Podemos apontar cinco elementos caracterizadores da globalização que influenciam o Direito Fiscal, quer nacional quer internacional, no mundo global:
i)        A tecnologia:
       Os novos atores do poder nacional e internacional;
i      A mobilidade;
i      A interdependência; e
v    O enfraquecimento do poder público.

Através destes elementos, intensificados pelo movimento da globalização, as estruturas dos sistemas fiscais, bem como a organização do próprio tributo e da relação entre o Fisco e contribuinte, transformam-se. [34]

Como consequência da mobilidade e novas tecnologias, a base territorial do tributo é fortemente afetada. A mundialização dos mercados financeiros, bem como as novas tecnologias e as regras de organização, sugerem a interdependência entre os vários campos de atuação humana, incluindo o fiscal, sendo que a incapacidade da estrutura fiscal,  face às novas formas de produção e gestão de riqueza, transmite a ideia de que o poder público não atua isoladamente nos círculos do poder, sendo antes um dos vários poderes existentes, convivendo com esses novos tipos de influência, que assumem, de igual forma, as rédeas das atuações e do impacto destas.

Contudo, os elementos apontados apenas expõem que a mobilidade, a tecnologia, a interdependência, o enfraquecimento do poder publico e os novos atores do poder nacional e internacional, são elementos efetivamente decorrentes da globalização, mas não manifestam o verdadeiro resultado do impacto da globalização na fiscalidade.

Combate à fraude e à evasão fiscais
Uma das grandes preocupações das discussões sobre fiscalidade internacional é o combate à fraude e à evasão fiscal, pois estas conduzem à erosão das bases de tributação ou ao diferimento do pagamento do imposto devido. A transparência fiscal surge, assim, como corolário fundamental dessa preocupação.

No centro da luta contra a concorrência fiscal prejudicial, o combate aos paraísos fiscais e aos regimes fiscais preferenciais surgem como pontos de extrema importância. Porém, este não se trata do único plano de luta, pois associam-se a ele as regras para tributação das sociedades, nomeadamente, as referentes aos preços de transferências, à subcapitalização, às sociedades estrangeiras controladas (controlled foreign companies – CFC’s) e às operações fictícias ou em termos anormais, de modo a serem criados custos inexistentes ou superiores aos suportados.

Este tipo de preocupações e medidas denunciam os cuidados internacionais com a evasão e mesmo com o planeamento fiscal, atividade ilícita que, todavia, cada vez mais começa a ser difícil de diferenciar da evasão fiscal, dado que, designadamente, a lei ou os tratados evidenciam, como tal, casos que originariamente eram planeamento.

Intervenção do estado na luta antifraude
A evasão e a fraude fiscal são fenómenos que colocam em causa a confiança dos cidadãos no sistema fiscal, ou até mesmo no próprio Estado, na medida em que cidadãos com a mesma capacidade contributiva, ao defraudarem o Estado, provocam uma situação de clara injustiça social, comparativamente ao cidadão cumpridor, desequilibrando a balança da repartição de encargos públicos.

A fraude fiscal, sem prejuízo da sonegação de impostos e redução das receitas do próprio estado, provoca a subtração de recursos financeiros destinados à construção de infraestruturas e serviços públicos, o que acaba por reduzir a qualidade de vida dos cidadãos.

Assim, num contexto de injustiça social, a luta contra a fraude fiscal deve intensificar-se, apelando aos poderes legislativos, executivo e judicial, bem como proceder-se a alterações culturais, sendo competência dos Estados membros.

A União Europeia disponibiliza mecanismos de cooperação administrativa entre Estados membros, de modo a cooperarem mutuamente no combate à fraude fiscal. Todavia, os instrumentos utilizados devem ser aperfeiçoados, pois só assim se assegura uma abordagem global e europeizada no combate à fraude fiscal, com um intercâmbio rápido e bem direcionado, apoiando os Estados membros no combate aos operadores fraudulentos.

A Comissão Europeia reconhece que o princípio da liberdade de circulação de capitais potenciou a criação de um ciberespaço financeiro, muito difícil de tributar e controlar por cada um dos Estados-membros de forma isolada. Esta dificuldade é passível de suprimento com o aumento da cooperação no quadro europeu e da própria OCDE.

Os problemas para as Administrações Fiscais
Neste âmbito, são três os problemas do comércio eletrónico na esfera das Administrações Fiscais:
1-    Risco de erosão da base de tributação, com a consequente diminuição das receitas fiscais arrecadadas;
2-    Dificuldade em determinar a jurisdição fiscal para realização da tributação; e
3-    Dificuldades em assegurar o cumprimento tributário.

Em relação ao primeiro problema – risco de erosão da base de tributação com a consequente diminuição das receitas fiscais –, ele explicita a preocupação das várias Administrações Fiscais com o comércio eletrónico, justificando o respetivo interesse por esta inovadora forma de comerciar. A diminuição das receitas fiscais arrecadadas tem graves consequências orçamentais e económicas, numa conjuntura onde o investimento público e o suporte de uma série de infraestruturas do Estado Social cabem ao Estado, que se encontra numa árdua tarefa de as assegurar, colocando a equidade fiscal na ordem do dia das sociedades.

Já no que refere ao segundo problema, a dificuldade em determinar a jurisdição fiscal com o poder de tributação, consiste em verificar “onde” o comércio eletrónico deve ser tributado. A sua presença acentua o risco de erosão das bases de tributação, podendo ter como consequência uma série de respostas agressivas e unilaterais, por parte das Administrações Fiscais, para poder compensar a perda de receitas e maximizar os elementos de conexão com a sua jurisdição, o que, naturalmente, levaria ao caos internacional e a uma guerra aberta de práticas fiscais agressivas e prejudiciais.

Finalmente, o terceiro problema, ou seja, a dificuldade em assegurar o cumprimento tributário, revela a necessidade de explorar os meios disponíveis para o comércio eletrónico ser efetivamente tributado.
Do aqui exposto, podemos agrupar as questões a tratar em duas: saber se deve existir essa tributação e, em caso afirmativo, “onde” deve ser tributado o comércio eletrónico com a exploração dos elementos que possibilitam tal tributação. Para prosseguir este objetivo, devemos atender ao impacto devastador que o risco de erosão da base de tributação, com a consequente diminuição das receitas arrecadadas, pode ter nos comportamentos isolados da Administração Fiscal, no caos que tal cenário provocaria na fiscalidade internacional e na economia mundial, bem como na neutralidade exigida à fiscalidade internacional, especificamente devida em face da tributação do comércio tradicional.

Aos três problemas apontados podemos realçar um outro: a questão da qualificação dos rendimentos gerados pelo comércio eletrónico. Realmente, o comércio eletrónico provocou um enevoamento das categorias legais, no que refere à caracterização das operações e fluxos de rendimentos. A discussão sobre se os rendimentos gerados, ou alguns deles, no comércio eletrónico são royalties ou lucros, configura uma das questões resultantes da análise do impacto do comércio eletrónico na fiscalidade internacional. Esta problemática compreende outras categorias de rendimento, conforme o Relatório adotado, em Novembro de 2002, pelo Comité dos Assuntos Fiscais.[35].

Não obstante, e tendo presente um escopo realista, completo e objetivo, não há aqui espaço para a sua abordagem, nem tão pouco para analisar o aspeto quantitativo mencionado. Aliás, as duas questões apenas poderão surgir caso se encontre uma resposta efetiva para as duas propostas de resolução – se deve ser tributado e onde se deve tributar o comércio eletrónico. Caso essa básica e mais complexa tarefa esteja conseguida, segue-se, então, a tentativa de qualificação dos rendimentos gerados com o comércio eletrónico, com a aplicação ao solucionado da resposta encontrada.

 A assistência internacional no quadro do Direito Internacional Fiscal
Com os desenvolvimentos tecnológicos dos últimos anos e do movimento de globalização dos elementos tributáveis, compreendeu-se ser imperioso recorrer à intercomunicação entre as entidades fiscais nacionais. Se analisarmos através de uma perspetiva afastada, a Administração Fiscal nacional já não possui plena capacidade para fazer face à multiplicidade de fenómenos plurilocalizados, com implicações na tributação efetiva. A importância da assistência fiscal, em especial na troca de informações, encontra a sua razão de ser precisamente na incapacidade de as Administrações Fiscais, de forma autónoma, fazerem face ao impacto da globalização e das consequentes transações internacionais. Estas suscitam desafios difíceis para a Administração Fiscal, sobretudo por três razões fundamentais. A primeira, porque a informação necessária pode estar efetivamente localizada em outra jurisdição, que não a nacional; depois, porque, com as novas tecnologias, existe uma facilidade crescente de a informação necessária ser ocultada pelos contribuintes, criando-se um espaço favorável à evasão e fraude fiscais; e, finamente, porque tal evasão, não só delapida as receitas do Estado, como enfraquece a posição monetária internacional de tal país. Perante isto, facilmente se percebe a importância da troca de informações entre as Administrações Fiscais, como forma de garantir o seu eficaz funcionamento, permitindo a tributação das realidades que a lei afirma deverem ser tributadas.

Apesar de levantar dúvidas, esta assistência técnica e administrativa entre Administrações Tributárias foi erigida como um dos princípios básicos do Direito Internacional Fiscal, a par de outros princípios desse Direito, como  “(1) a demarcação da soberania fiscal em termos de aplicabilidade territorial de regulações fiscais; (2) a não discriminação, como estabelecido no artigo 24º do Modelo de Convenção da OCDE; (3) a reciprocidade internacional e (4) a cortesia internacional”. O facto é que, uma vez estabelecida a solução quanto à repartição do poder de tributar, torna-se necessário encontrar as regras que proporcionam a troca de informações necessárias para a boa aplicação dessa solução, torna-se necessário. E aqui podemos considerar vários aspetos importantes: por um lado, “propósitos, velocidade de reação e práticas da sua (do Estado) própria administração”, bem como a natureza das disposições, devendo ter-se em atenção as já referidas dificuldades, que podem ser aumentadas pela unilateralidade dos fluxos de investimento. Perante este cenário, a Administração Fiscal pode ter uma de quatro posições: ou opta frontalmente pela não tributação, negando qualquer ação de resposta às mudanças operadas nos rendimentos a tributar; ou não considera os problemas, evitando qualquer tipo de compromisso ou ligação a outras Administrações Fiscais; ou se decide por uma ação unilateral, agindo isoladamente e suportando toda a problemática da soberania do Estado, onde se insere a ação do Estado atualmente, assumindo os resultados dessa atuação desconcertada do resto das jurisdições fiscais; ou, por último, aposta na cooperação com as suas congéneres, promovendo o diálogo e a entreajuda entre as jurisdições fiscais.[36]

A assistência tem como fim imediato a prevenção ou repressão da fraude e evasões fiscais, procurando proporcionar os elementos necessários ao lançamento e cobrança dos impostos. O âmbito da assistência tanto poderá ser a tentativa de alcançar a liquidação do imposto, normalmente chamada de assistência ao lançamento[37], como não surpreende que se fale também da assistência como forma de efetivar a cobrança. Para além desta troca de informações, principal instrumento da assistência ao lançamento, podemos ainda apontar a assistência à cobrança.

Importa ainda realçar que a prossecução deste objetivo torna possível alcançar uma outra finalidade: a justiça fiscal. Com a cooperação entre as Administrações Fiscais, consegue determinar-se o quid e o quantum a tributar, garantindo-se importantes passos em direção da equidade dos sistemas fiscais. Contudo, duas outras perspetivas podem ainda ser equacionadas. Será que a assistência visa um interesse internacional, para além do interesse dos Estados envolvidos? Resulta a assistência num benefício, não apenas para os Estados envolvidos, mas também para os próprios contribuintes? Ambas as questões poderão ser respondidas de forma afirmativa. Por um lado, e no caso de se entender que existe um interesse internacional, ainda que com assumido caráter difuso, integrado numa ordem fiscal mundial justa, compreende-se facilmente os benefícios da assistência. Por outro lado, mesmo que não se defenda a existência de um tal tipo de interesse, sendo que as jurisdições fiscais nacionais não são jurisdições isoladas, antes dependendo umas das outras, face ao fenómeno da globalização, se a assistência promove a interação das realidades fiscais, dotando as Administrações Fiscais de informações necessárias à efetiva liquidação e cobrança do imposto, então faz todo o sentido afirmar o caráter benéfico da assistência internacional fiscal na promoção de um “bem-estar” fiscal generalizado. Relativamente aos contribuintes, é óbvia a existência de um interesse dos contribuintes para que todos paguem o devido, de modo a contornar o prejuízo causado para os contribuintes cumpridores, pelo não pagamento dos impostos devidos pelos contribuintes inadimplentes, quer porque poderão ter de pagar mais impostos em virtude da fraude, quer porque as condições do exercício da sua atividade podem ser prejudicadas (respeitando a exigência constitucional da justa repartição de encargos públicos).

A troca de informações, como a modalidade da assistência que aqui mais releva, pode revestir várias modalidades. Com caráter mais limitado podemos apontar a troca de informações a pedido, que, como a sua designação indica, é solicitada pela autoridade competente. O mesmo não sucede com a espontânea, pois a autoridade competente, por sua iniciativa, transmite à sua congénere uma informação que julga de interesse para ela. Finalmente, temos a troca de informações automática, em que as informações constantes de um acordo prévio são enviadas na ocasião[38].

Não obstante, só aquela troca de informações, nas modalidades acima indicadas, proporciona indicações quanto à matéria coletável, pois há ainda os exames fiscais simultâneos nos diversos Estados envolvidos, quanto a um mesmo contribuinte ou a terceiros relevantes para o efeito, trocando-se posteriormente as informações obtidas.[39] Contudo, às formas indicadas – que o Modelo da OCDE diz não serem exclusivas – pode acrescentar-se a troca de informações tributáveis relativas, não já a um simples contribuinte, mas a um inteiro setor económico (para além de troca de informações sobre legislação dos Estados envolvidos).

Mesmo que se possa invocar a solidariedade internacional, como base do intercâmbio das informações, traduzindo-se na reciprocidade de deveres relativos à cooperação internacional, para a generalidade de Estados está comummente enraizada a necessidade de existência de convenção prévia que permita a ativação de tal mecanismo. Ainda assim, a existência desta convenção prévia habilitadora, não afasta a possibilidade de troca de informações por disposição unilateral.

No que refere aos princípios orientadores da troca de informações, em geral, importa distinguir entre princípios relativos ao ato de troca de informações e princípios que envolvem a utilização das informações trocadas. Em relação ao primeiro caso, a troca de informações deve obedecer (i) ao princípio da equivalência – presta-se informação que o Estado requerente também pode prestar, mas não para além das suas próprias normas administrativas – (ii) ao princípio da reciprocidade – o Estado requerente pode obter a informação que, em situação idêntica, poderia fornecer – (iii) ao princípio da subsidiariedade – pressupondo o esgotamento das diligências do Estado requerido – que, para além de revestir caráter potestativo, deve ser temperado pela razoabilidade ou proporcionalidade, e, ainda, (iv) ao princípio da atuação por conta própria, na medida em que, aos pedidos de informação, deve ser aplicado o procedimento empregado no domínio interno – conduzindo à eliminação do domestic tax interest[40], bem como (v) ao princípio da não discriminação – deve ser recusada a informação, caso seja para aplicar uma regra discriminatória contra nacionais do Estado requerido. Em relação à utilização da informação, esta deve pautar-se pelo (a) princípio da especialidade – utilização da informação para o fim solicitado – e pelo (b) princípio da confidencialidade – a intransmissibilidade a terceiros ou autoridades que não as indicadas no texto base do pedido.

Caso seja ativado o mecanismo de pedido de assistência para troca de informações, será a colaboração internacional (em particular a troca de informações) obrigatória? A resposta tem sido negativa, exceto se existir um texto legal em que tal esteja estabelecido. Estando prevista a assistência, Pietro ADONINNO[41] entende não ser estabelecida a obrigatoriedade sobre o dever de prestação de assistência, justificando tal no facto de as convenções apenas estabelecerem limites, ou seja, aquilo relativamente ao qual não existe a obrigação. Assaz grave é a carência de um sentimento de necessidade de efetivar a colaboração de modo eficiente, e não apenas afirmar a respetiva necessidade. Os Estados sustentam e tratam da sua efetivação, na medida em que realiza os seus interesses, não por um sentimento de obrigação de realizar interesses comuns, o que bem demonstra a diferença entre o ser e o dever-ser, sem prejuízo de reconhecer que a troca de informações é um dos instrumentos da cooperação internacional, mas não um princípio geral de cooperação.

Para o efeito do controlo, e desde que se atinja o resultado, é indiferente a natureza da entidade que colabora, pois apenas é necessário que o procedimento aplicável seja rápido e eficaz, ressalvando-se sempre, evidentemente, os direitos e garantias dos contribuintes. A afirmação “os fins não justificam os meios”  é verdadeira e, também aqui, aplicável. De igual modo será indiferente a fonte da obrigação, embora na matéria, e atento o caráter internacional e a restrição geográfica da medida supranacional, seja preferível uma fonte internacional, pois tal permite abranger o maior número possível de países, até porque países dominantes no comércio eletrónico, como os Estados Unidos, não estão compreendidos numa organização supranacional como a União Europeia (e, aqui, a troca de informações assenta  fundamentalmente nas convenções bilaterais destinadas a prevenir as duplas tributações). Em relação à pluralidade de Estados com poder de tributar, as convenções multilaterais são as que melhor se adequam, atentos os Estados envolvidos, permitindo-se a difusão da troca. A multilateralidade apresenta vantagens, quando confrontada com a tendência de serem criados blocos económicos, a forte internacionalização, a globalização e a necessidade de ser assegurada a liberdade de circulação. No entanto, compreende-se ser esta solução mais complexa, não só pela pluralidade de interesses (muitas vezes divergentes), mas também no campo da interpretação e aplicação.

Perante o não fornecimento das informações pretendidas, qual a reação de um Estado face ao incumprimento do outro em face do pedido? Não existindo obrigatoriedade, o espaço deixado à discricionariedade é muito mais amplo e de difícil conciliação entre os vários interesses, sem prejuízo da possibilidade de o princípio da solidariedade funcionar de forma ativa entre as Administrações Fiscais.


Determinação da residência e da fonte no comércio eletrónico
Na medida em que a cooperação entre as Administrações Fiscais é um valor cada vez mais presente no âmbito do Direito Internacional Fiscal, não é de estranhar que a sua necessidade e a presença sejam essenciais no espaço da tributação do comercio eletrónico.

Pode suceder que os dados remetam para a própria jurisdição, mas, na maioria dos casos tal não acontece e, sendo assim, apenas se as Administrações Fiscais cooperarem entre si, trocando os dados disponíveis e transmitindo-os para a jurisdição adequada, se poderá alcançar o objetivo de tributação efetiva do comércio eletrónico na(s) jurisdição(ões), onde se encontram os elementos que determinam onde deve ser tributado o comércio eletrónico. Face a esta solução, a troca de informações assume-se como imprescindível, mais ainda quando se atenta à possibilidade de pluralidade de localizações com relevo fiscal.

Independentemente da criação ou não de uma Organização Internacional Fiscal – a qual se afigura complexa –, a cooperação internacional entre as Administrações Fiscais pode e deve ser implementada, na medida em que somente através dela se poderá combater eficazmente os problemas suscitados pela globalização, em especial o do comércio eletrónico. Apesar de ser mais adequada a implementação de uma tal organização, caso tal não aconteça, a cooperação deve ser alcançada, podendo atuar a OCDE como a organização internacional impulsionadora desse desenvolvimento. Neste âmbito, as autoridades fiscais de cada país poderão elaborar uma lista de potenciais contribuintes, atendendo aos registos públicos dos negócios eletrónicos dos respetivos países e até tendo em consideração o conteúdo de listas telefónicas, lista de faxes, telemóveis e outros elementos relevantes. E dentro destes elementos será o acesso aos seus registos, incluindo informáticos, que se afigura como relevantes. Contudo, e como facilmente se verifica, tal já iria levantar um problema de acesso à reserva da vida privada e familiar de cada indivíduo, com a violação das regras constitucionais, conhecidas por todos nós.



Por Diogo Afonso Pereira


Junho de 2014



[1] Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2012, p. 192
[2] Joseph Schumpeter, Capitalismo, Socialismo e Democracia, 1961, p.121
[3] Nabais, 2012, p. 196
[4] Alexandre Pereira, Comércio eletrónico na sociedade de informação: da segurança à técnica, p. 274
[5] Art. 38º, nº2 LGT
[6] Ac. TR Porto de 19 de Fevereiro de 2014
[7] V.g. art. 5º RGIT
[8] Marques, Germano, Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, p. 9
[9] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias/ Manuel da Costa Andrade – “O crime de fraude fiscal no novo Direito Penal Tributário Português”, p. 411
[10] Silva, Germano Marques – Direito Penal Português, Parte Geral II – Teoria do Crime, p. 118.
[11] V.g. art. 104º, nº3 RGIT
[12] V.g. artigos 5º e 6º da Sexta Diretiva
[13] OECD Working Party on indicators for the information society, p. 9.
[14] Alexandre Pereira, in Comércio eletrónico na sociedade de informação: da segurança à técnica, p. 14.
[15] Resolução do Conselho de Ministros, nº94/99 de 25 de Agosto.
[16] Australian Taxation Office, vol. 1, 1997, p. 2.
[17] Dale Pinto, E-commerce, p. 2.
[18] ANACOM, o comércio eletrónico, p. 15
[19] Ver diferenciação entre comércio eletrónico direito e indireto, Ponto 4.4.3
[20] Caso C-168/84, Berkholz, de 4 de Julho de 1985, p. 2251 a 2265.
[21] Como refere  Mário Alexandre, Aspetos Fiscais do IVA relacionados com o Comércio Eletrónico on-line, in Boletim da APECA, nº 82/1998, p. 42
[22] Kenneth Laudon e Carol Traver, E-commerce, Business, Technology, Society, p. 19
[23] Estão aqui incluídas as transações eletrónicas online que ocorram entre o setor empresarial e o setor público.
[24] Dale, PINTO, in E-Commerce
[25] Robert Benjamin, Eletronic Commerce
[26] Karl Frieden, in Cybertaxation
[27] Michael Bell, in Takin na E-Commerce Business Offshore; Edsel Doran e Edwin van Schajik, in Taxation of E-Commerce
[28] Julian Hickey, in Offshore Eletronic Commerce, Taxing Dificulties and Planning Oportunities, p. 285; Peter Kloet, in Eletronic Commerce Transformation – An unprecedent Tax planning opportunity, p. 282
[29] Julian Hickey, in The Fiscal Challenge of E-Commerce.
[30] Luc Hinnekens, in Internation Tax Planning and Electronic Commerce, p. 7
[31] Luc Hinnekens in (…), p. 1
[32] Decreto-Lei 114/2011, de 30 de Novembro
[33] V.g. art. 2º do DL 282/2003
[34] Romano José Enzweiler, Os desafios de tributar na era da globalização, p. 116
[35] Treaty characterization issues arising from E-Commerce.
[36] John Surr, in Intertax: Intergovernamental Cooperation in taxation.
[37] Tulio ROsembuj, in Intercambio Internacional de Informacion Tributaria, pag. 14.
[38] Às vezes comete-se o erro de distinguir troca de informações da assistência administrativa. Com efeito, se aquela também pode constituir um elemento da assistência à cobrança, que muitas vezes é ligada à assistência judiciária, também é verdade que a troca de informações é um dos instrumentos da assistência, a qual tem caráter administrativo, visto os respetivos sujeitos e natureza da atividade a que respeita.
Mas, para além da troca de informações a assistência administrativa compreende ainda outros meios, como a presença de funcionários de um Estado em atos de fiscalização noutro Estado.
[39] OCDE Manual, On the Implementation of Exchange of information provisions for tax purposes, Module 5
[40] Segundo este, na ausência de interesse na averiguação, pode ser recusada a informação.
[41] In Lo Scambio di informazioni, p. 907



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