quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Os Benefícios Fiscais das Profissões de Grande Desgaste e Alto Risco





Conceito de Imposto
Impostos
Considera-se tributo “a prestação patrimonial definitiva, estabelecida por lei, latu sensu, a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, para satisfação de fins públicos, que não constituam sanção de actos ilícitos nem dependam de vículos anteriores”[1]. Nos termos do artigo 4º LGT, inserem-se no conceito de tributo os impostos, taxas e contribuições especiais, que têm como principal característica a sua vinculação inter partes, o que permite afastar desta categoria, por exemplo, as prestações tidas como sancionatórias (multa ou coima) e empréstimos públicos forçados.

Embora estas características tenham assumido um perfil quase consensual na doutrina, ainda podemos encontrar excepções, como é o caso dos impostos sobre o pecado[2], em que se pretender retrair um comportamento através de impostos (o mesmo no caso dos impostos ambientais – têm em vista uma redução de comportamentos hostis para com o ambiente – ou dos impostos de saída – que visam a redução de certos comportamentos, como a transferência de sociedades para outros países)[3].

O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
Entrada em vigor do CIRS
Introduzido em 1 de Janeiro de 1989[4], o CIRS constitui o núcleo essencial da normatividade do imposto. A sua entrada em vigor foi acompanhada pela introdução do Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC) e do Código da Contribuição Autárquica (CAA; entretanto revogado).

Aquela reforma pretendia constituir um marco na modernização do país, tendo em vista a promoção do aumento da eficiência económica e da realização da justiça social, procurando substituir o modelo da tributação cedular pelo modelo da tributação unitária, composto por um imposto único sobre os rendimentos[5]. A este respeito, é possível considerar aceções distintas e alternativas de rendimento, infra enunciadas[6]

Características do IRS
Numa primeira linha, o IRS configura-se como um imposto sobre o rendimento, por oposição aos impostos sobre o património (como o IMI ou o IMT) ou sobre o consumo (como o IVA ou os impostos especiais). Contudo, é possível identificar na sua estrutura um momento desviante no qual se tributa verdadeiramente a despesa[7].

Em segundo lugar, o IRS é um imposto que incide sobre o rendimento das pessoas singulares (entendidas como pessoas biológicas ou físicas, por oposição às pessoas jurídicas/coletivas). Assim, qualquer pessoa singular que aufira uma das espécies de rendimentos previstos na lei estará sujeita a este imposto, existindo, contudo, desvios a esta regra da singularidade[8].

De seguida, o IRS apresenta-se como um imposto único, embora não unitário. Tal significa que no ordenamento jurídico-fiscal português apenas existe um imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, rejeitando-se o já aludido modelo de tributação separada. Contudo, não se trata de um imposto unitário, na medida em que as regras de determinação de cada uma das espécies de rendimentos são distintas, tal como distintos são os modelos de tributação.

Em quarto lugar, importa referir que o IRS é um imposto estadual, no sentido em que o sujeito ativo da relação jurídica que se estabelece com o contribuinte é o Estado, e não outra pessoa ou entidade.

Outra característica do IRS consiste na sua pessoalidade, na medida em que se está na presença de um imposto pessoal, no sentido em que na sua configuração se atende à situação económica, social e familiar dos respetivos sujeitos passivos. Na verdade, trata-se de dar seguimento a uma imposição constitucional: a da proteção da família em matéria de impostos[9]. Afirmando-se como um imposto pessoal, importa relevar os respetivos fatores de pessoalização: (i) isenção do mínimo de existência – art. 70º CIRS; (ii) possibilidade de dedução de encargos familiares – arts. 78ºss CIRS; (iii) existência de mecanismos de fracionamento dos rendimentos – quociente conjugar; art. 69º CIRS - e (iv) existência de taxas progressivas – art. 68º CIRS.

Se tivermos em atenção as taxas aplicáveis ao rendimento coletável, o IRS afirma-se como um imposto tendencialmente progressivo, isto é, a taxa aumenta à medida que aumenta a matéria coletável. Porém, o imposto não é absolutamente progressivo, na medida em que se prevê igualmente a existência de taxas proporcionais, como nos casos de aplicação de taxas liberatórias.

No que toca ao modo de efetivação da liquidação, estamos na presença de um imposto hétero-liquidável, no sentido em que a liquidação respetiva é efetuada por entidade diferente do sujeito passivo (sem prejuízo da posterior confirmação dos respetivos dados).

Por fim, IRS configura-se como um imposto de cobrança composta, sendo possível identificar dois tipos: por um lado, a denominada cobrança direta e, por outro lado, a cobrança indireta.

A pessoalidade do IRS
Como já foi referido, a CRP determina que o IRS deve ter conta “as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”.

A relevância fiscal dada às necessidades do agregado familiar é um importante elemento de pessoalidade deste imposto. Neste sentido, o IRS é o único imposto pessoal do sistema fiscal português, em que a tributação varia, não apenas em função do montante do rendimento, mas também em função de aspetos e despesas relativos aos indivíduos integrados no agregado familiar (v.g. grau de deficiência e montantes de despesas com saúde, habitação, educação, etc.). Além disso, a tributação depende ainda da composição do seu agregado (v.g. existência ou não de casamento, número de dependentes, etc.).

O legislador optou pelo favorecimento da tributação conjunta dos cônjuges e dos restantes elementos do agregado familiar, consagrando o agregado familiar, enquanto unidade tributária[10].

Apesar de não existir entre nós a possibilidade de livre opção pela tributação separada, o princípio da tributação conjunta cede perante a tributação separada, como é o caso da tributação separada em caso de separação de facto de casados (art. 59º, nº2 CIRS) e da possibilidade de opção pela tributação separada concedida aos dependentes (art. 13º, nº5) CIRS).

Também o conceito de agregado familiar não faz relevar apenas a existência de casamento, uma vez que abrange também as famílias compostas por solteiros e divorciados, com dependentes (art. 13º, nº3, alínea b., c., e d. do CIRS).

Um dos aspetos cuja constitucionalidade tem sido colocada em causa é a insuficiente consideração fiscal das despesas ou encargos. A dedução de algumas dessas despesas ou encargos tem valores limitados (v.g. arts. 82º a 86º CIRS). Todavia, outras despesas não são dedutíveis em qualquer montante (v.g. despesas com a prática de atividades artísticas, culturais ou desportivas, não incluídas nas despesas com a saúde ou com a educação). Neste caso, devemos atender à natureza programática do artigo 104ºCRP: apenas haverá inconstitucionalidade se as atuais deduções, desde que relativas às necessidades eventuais[11] dos indivíduos, forem eliminadas ou substituída por outras de valor substancialmente inferior. Aqui já poderia estar ultrapassado o limite negativo daquela norma programática e haver lugar a inconstitucionalidade.

Conceito de Rendimento
Noção de Rendimento
O Princípio da Capacidade Contributiva está relacionado com a tributação de acordo com a capacidade do sujeito passivo, a qual se afere através do rendimento. Na economia e no direito há inúmeras definições do conceito de rendimento, consoante o número de autores que se debruçam sobre o seu estudo. Ainda assim, o legislador português optou por omitir uma definição legal. As definições de rendimento apresentam, em comum, a sua relação com o sistema fiscal e a realidade concreta em que se inserem. Para obtermos a definição de rendimento usada em Portugal, devemos atender às doutrinas económicas, jurídicas e às suas principais caraterísticas.

 

Teoria do Rendimento Fonte

Considera-se rendimento “o fluxo de bens suscetíveis de avaliação pecuniária que advém de fonte produtiva durável[12]. As fundações desta axiomática devem-se a Biersack e Rocher. No entanto, Quarta foi um dos primeiro a densificá-la, entendendo que o rendimento se consubstanciava numa riqueza nova, periódica e cuja fonte se preservava, isto é, “consequência de uma força produtiva com possibilidade de futura e sucessiva produção de riqueza similar a partir da mesma fonte[13]. Seligman, influenciado por decisões do Supremo Tribunal Norte-americano, entende o rendimento como um “fluxo de riqueza que ocorre num determinado período de tempo e que está à disposição do proprietário para consumo sem que isso afete o capital[14], ou seja, o rendimento era caraterizado como periódico e sua fonte preservada. Porém, excluía-se do mesmo heranças e outros acréscimos de capital. Por sua vez, Battistella considerava que o rendimento era “o produto líquido de todos os custos incorridos para a sua produção, ou seja, a soma dos bens que um indivíduo pode consumir sem destruir a sua riqueza[15]. Nesta conceção, o autor acrescenta ao conceito de rendimento, ganhos de capital e acidentais. O rendimento será “a súmula dos valores que, em troca de serviços produtivos flui durante um certo período de tempo no património de um indivíduo, podendo estes valores ser realizados ou transferidos desde que a sua fonte não se deteriore[16]. O seu entendimento contradiz-se, uma vez que ao adicionar os rendimentos de capital e acidentais afasta a regularidade do rendimento.

No que concerne ao nosso ordenamento jurídico, inicialmente, foi acolhida a noção de William Pitt (1799), em que baseava a tributação do rendimento em impostos cedulares, ou seja, tributava-se o rendimento consoante a sua fonte ou cédulas[17]. No cerne desta teoria, define-se rendimento como “fluxo de bens imputável, regularmente e durante um certo período de tempo a uma fonte durável, designadamente ao trabalho, património, ou a uma combinação dos dois, mas sem a amputação da fonte produtora desse fluxo de bens[18]. Distingue-se da teoria do rendimento acréscimo uma vez que exclui a tributação das mais-valias.

Teoria do Rendimento Acréscimo (Modelo Schanz-Haig-Simons)
A teoria do rendimento acréscimo surgiu em França, em 1914, como “impôt sur le revenue”. Desta decorria a tributação do acréscimo dos rendimentos, com a exceção das mais-valias, isto é, dos acréscimos obtidos por alienação de bens ou direitos. A tributação das transações e detenção de ativos foi um instituto retirado da Constituição dos EUA, em 1913, que a considerava uma forma de receita federal, em que todas as formas de rendimento deveriam ser tributadas incluindo as das transações[19]. Em Portugal, surgiram nas Ordenações (“windfall gains”).

Schanz, Haig e Simons foram os principais impulsionadores. Segundo eles, o rendimento, para além do critério material e objetivo, era ainda composto pelo critério espacial e temporal. Assim sendo, o rendimento seria “Money value of the net acretation to one’s economic power between two points of time[20], isto é, o rendimento traduz-se no aumento do poder económico, abrangendo toda a atividade suscetível avaliação pecuniária, baseando-se na capacidade de uma pessoa satisfazer as suas necessidades,  num dado intervalo temporal.

Podemos depreender que rendimento consiste na “receita líquida expressa em termos monetários, acumulados ou consumida, periódica, transitória ou acidental, caráter oneroso, ou gratuito, que implique um incremento líquido do património de um indivíduo aferido num determinado período de tempo[21]. Podemos concluir que esta conceção se baseia no facto do rendimento ser “a diferença num determinado período, entre o património inicial e o final, compreendendo, pois, o rendimento não consumido ou poupado, os bens adquiridos a título gratuito ou aleatórios e as valorizações do ativo, depois de computado o rendimento consumido[22]. Esta tese apresenta algumas limitações que dizem respeito aos benefícios em espécie, benefícios derivados do uso de bens de consumo duradouros de bens e serviços diretamente produzidos pelo sujeito passivo, mais-valias, prestações de alimentos e benefícios da segurança social[23].

Apesar daquelas limitações, trata-se da noção de rendimento que reúne um maior consenso e a que se adequa aos princípios gerais. Nesta inclui-se consumo e os incrementos patrimoniais derivados de oscilações valorativas não realizadas. O rendimento é a “soma algébrica do valor dos direitos exercidos em consumo de uma pessoa e da variação do valor do mercado dos direitos exercidos em consumo de uma pessoa e da variação de valor do respetivo património entre o princípio e o fim do período em referência[24].

Teoria Rendimento Consumo (Fisher)

Surge aqui um conceito de rendimento em oposição ao conceito de rendimento na teoria acréscimo. Nesta, seria relevante não a aquisição mas o prazer retirado do uso, excluindo assim as oscilações de valor e poupança. Desta forma, há uma tributação exclusiva do consumo, ficando afastada uma dupla tributação da poupança. Numa conceção atual, esta teoria repercute-se no Imposto sobre Valor Acrescentado. No entanto, a doutrina considera maioritariamente que se trata de um imposto sobre o rendimento despendido no âmbito do consumo[25] no ano em que o obtém. Neste regime, há uma dedução total do rendimento investido e não há regime especial para os rendimentos que advém do investimento. Isto é, de acordo com esta tese o rendimento consumido é “a soma dos valores dos bens destinados a consumo num determinado período, com exclusão de todo o aumento de património”. A tese do rendimento consumido é afastada uma vez que apenas se tributa a despesa/consumo na Índia e Sri Lanka.

           

Ordenamento Jurídico Português
Em Portugal não há realce legal a qualquer uma destas teorias, sendo visíveis manifestações de todas elas, tanto no CIRS, no CIRC e no CIVA[26]. Embora o legislador pareça ter adotado a teoria do rendimento acréscimo de acordo com o nº5 do Relatório do DL 442/A/88 de 30/11, há várias exceções ao longo da legislação fiscal, de forma a excluir tributação de certas categorias ou a conceder um regime mais favorável.
Ainda assim, podemos afirmar que foi adotada a teoria rendimento acréscimo[27], se analisarmos a possibilidade de pagar impostos, capacidade contributiva e a exigência de tributação justa.

Princípio da igualdade tributária
Gonzalez e Lejeune[28] entendem que a igualdade tributária é um dos vários princípios que se reconduzem à ideia de justiça na repartição da carga tributária.

A igualdade tributária é um conceito relacional que atende ao sacrifício patrimonial resultante do imposto e à respetiva capacidade contributiva dos particulares. Evidentemente, este princípio comporta o corolário da proibição da discriminação, consagrado, em sede de direitos e deveres fundamentais, no artigo 13º CRP. Este proíbe a discriminação positiva ou negativa dos particulares “…em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. Todavia, o princípio da igualdade tributária comporta ainda outras consequências.
O sistema fiscal, nos termos do artigo 103º, nº1 da CRP, deve efetuar “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”. Embora este conceito apena vincule o legislador ordinário a agir no sentido da sua realização, podemos retirar duas conclusões. Primeiramente, os impostos devem operar uma redistribuição da riqueza e tal não seria possível num sistema em que todos, apesar das diferenças de riqueza, pagassem o mesmo valor de imposto. E, em seguida, podemos concluir que aquela repartição justa só pode ser a que resulte da regra de que as pessoas devem pagar impostos de acordo com a sua capacidade contributiva (ability to pay).

Igualdade horizontal e igualdade vertical
Existe igualdade horizontal quando pessoas nas mesmas condições pagam o mesmo imposto. Há igualdade vertical, quando pessoas em condições diferentes pagam diferentes impostos, na medida da diferença. Por pessoas nas mesmas condições deve entender-se, contudo, as duas vertentes de tal condição. Por um lado, a vertente pessoal, que se traduz na mesma composição do agregado familiar e no mesmo montante de despesas dedutíveis, tratando-se de impostos sobre as famílias. Por outro lado, a vertente real, a qual respeita à mesma matéria tributável.

No caso do IRS, a expressão “mesmas condições” não significa apenas o mesmo valor da realidade tributável (neste caso, rendimento). O imperativo de pessoalidade do IRS transporta o âmbito da igualdade tributária, para além da simples comparação dos rendimentos auferidos pela unidade fiscalmente relevante (o sujeito passivo isolado ou o agregado familiar). Atendendo a algumas despesas suportadas na satisfação das suas necessidades (art. 104º, nº1 da CRP), a igualdade horizontal em IRS determina que a unidades tributárias iguais, com iguais rendimentos e iguais despesas relevantes, deve corresponder imposto igual.

Benefícios Fiscais
Conceito de benefício fiscal
O artigo 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Julho, define os benefícios fiscais como “medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.

Assim, são considerados benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxa, as deduções à matéria coletável e à coleta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais, que, do ponto de vista orçamental, se traduzem em despesa fiscal. Contudo, a doutrina optou por fazer uma distinção entre benefícios fiscais tout court e incentivos fiscais, prosseguindo uns e outros funções e objetivos distintos, embora em ambos se verifique o efeito impeditivo da produção do facto tributário e da consequente tributação.

Na opinião de Nuno de Sá Gomes, os benefícios fiscais têm um carácter estático e destinam-se a proteger situações já consumadas, por razoes políticas, sociais, religiosas, etc. enquanto os incentivos fiscais (medidas de fomento fiscal), de carácter mais dinâmico, consubstanciam-se em incentivos financeiros à atividade dos sujeitos passivos a quem essas medidas se dirigem. Ainda segundo o mesmo Autor, os benefícios fiscais, seja qual for a sua natureza, traduzem-se sempre numa derrogação aos princípios da generalidade e da igualdade na tributação, consagrados nos artigo 12º e 13º da Constituição da República Portuguesa, respetivamente, pelo que um benefício fiscal tem de se fundar num interesse público superior à prossecução da justa repartição de encargos públicos, sob pena de violação daqueles princípios.

De entre as tarefas fundamentais do Estado, estabelecidas pelo artigo 9º da Constituição, contam-se, nomeadamente, as de promover a igualdade real entre os portugueses, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais, que poderão ser prosseguidas através do sistema fiscal, dado o duplo fim que este, nos termos do artigo 103º nº1 da Constituição visa atingir: a arrecadação da receita tributária necessária À cobertura das despesas públicas, mas, também, a justa repartição dos rendimentos e da riqueza (fim estritamente fiscal e fim extrafiscal, respetivamente).

Os fins extrafiscais podem ser alcançados através da adoção de medidas de carácter económico ou social, não ficando afastada a possibilidade de se verificarem ambas, no caso de, por exemplo, estar em causa a realização de um objetivo macro-económico de poupanças (podendo o sujeito passivo reclamar para fazer valer o direito de proteção aos cidadãos da terceira idade).

Convém ainda recordar dois aspetos de Direito tributário substantivo. Em primeiro lugar, que os benefícios fiscais podem ser classificados em automáticos ou dependentes de reconhecimento. Os primeiros “resultam direta e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento”[29].

Concedido o benefício fiscal, o interessado passa a estar sujeito ao ónus de facultar à Administração Tributária todos os elementos necessários ao controlo dos pressupostos dessa atribuição, sob pena de ele ficar sem efeito[30]. Aqui, a Administração nada tem a fazer, bastando apenas constar o incumprimento do ónus da prova[31].

A Isenção
A isenção, apesar de não representar nenhum momento da obrigação de imposto, devemos atender à sua natureza e distingui-la das situações de não sujeição ou não incidência.

A isenção é um benefício fiscal que pode ser concedido a um (i) facto compreendido na incidência do imposto – isenção real ou objetiva – ou (ii) a uma pessoa – isenção pessoal ou subjetiva – destinado a neutralizar a obrigação de imposto que, entretanto, se constituiu. Nesta medida, podemos afirmar que só pode estar isento um facto que está sujeito, apesar de não estando esse facto sujeito não seria necessário criar a norma que concede o respetivo favorecimento fiscal.

Quando, por exemplo, o artigo 39º do EBF concede uma isenção de IRS aos rendimentos auferidos por pessoas deslocadas no estrangeiro, significa que, embora não tributados, tais rendimentos estão compreendidos no universo da incidência deste imposto. Aqui, por força do artigo 2º, nº1, alínea a) ou do artigo 3º, nº1, alínea b), ambos do CIRS, conforme se trate de trabalho dependente ou trabalho independente, respetivamente.

“Os factos que se encontram fora da incidência do imposto são um nada jurídico-fiscal[32], diferentemente do que sucede relativamente aos factos isentos: se atendermos às isenções com o englobamento (o já referido artigo 39º EBF), apesar de os rendimentos isentos não são tributados, o seu valor é adicionado ao restante rendimento para efeitos de apuramento da taxa a que ficaram sujeitos os rendimentos não isentos[33].

Em suma, como todos os benefícios fiscais, as isenções são medidas de carácter excecional[34] e, tendencialmente, temporárias (art. 14º LGT), contrariamente ao que acontece com as delimitações negativas expressas da incidência.

Profissões de grande desgaste e alto risco
Regime Geral
Não são dedutíveis à coleta de IRS os prémios de Seguros de Acidentes Pessoais e as importâncias aplicadas em Seguros de Vida, relativos ao sujeito passivo ou dependentes, salvo no caso de seguros de vida de deficientes e seguros de vida efetuados no âmbito de profissões de desgaste rápido, desde que cumpridos determinados requisitos.

Para efeitos fiscais, consideram-se profissões de desgaste rápido as exercidas por desportistas profissionais, mineiros e pescadores.

Além das despesas genéricas que todos os contribuintes podem deduzir no IRS[35], estes profissionais são os únicos que têm direito, atualmente, a deduzir os prémios de seguro de vida. Na dedução também se incluem os seguros de doença, de acidentes pessoais, os que garantam pensões de reforma, de invalidez ou de sobrevivência. No caso dos seguros de vida, o seu capital não pode ser resgatado ou adiantado em vida antes de decorridos cinco anos após a contratação da apólice.

Ao contrário dos restantes cidadãos, os sujeitos passivos que desenvolvem profissões de desgaste rápido – praticantes desportivos definidos em diploma regulamentar, mineiros e pescadores – podem deduzir a totalidade dos prémios do seguro de vida.

Para tal, o seguro deve preencher os seguintes requisitos:
i) Garanta exclusivamente os riscos de morte, invalidez ou reforma por velhice e, no último caso (a não ser que o benefício seja garantido após os 55 anos de idade e 5 anos de duração do seguro);
ii) Abranja tanto o contribuinte como os seus dependentes;
iii) Não tenha sido objeto de dedução específica em nenhuma categoria de rendimentos.

Este regime não se aplica aos participantes desportivos que tiverem optado pelo regime fiscal estabelecido no art. 3º-A do DOL nº 442-A/88, de 30 de Novembro.

A tributação
Em caso de falecimento da pessoa segurada, os créditos provenientes dos seguros de vida (por morte ou invalidez do segurado), a receber pelos beneficiários, não estão sujeitos a imposto de Selo nem a tributação em sede de IRS (art. 12º CIRS).

Os montantes totais, em caso de Resgate total ou parcial (inclusive aqueles pagos por morte ou invalidez) e Vencimento na forma de capital, estão sujeitos à seguinte tributação:

Rendimentos (Categoria A) – Prémios
a) Sem incidência de IRS, se pagos pelo próprio;
b) Sem incidência do IRS, se pagos pela entidade patronal e já tributados pela Categoria A, caso contrário:

Tributados pela Categoria A de acordo com o art. 2º, nº3, alínea b) do CIRS, como remuneração não fixa (art. 100ºCIRS) conforme consta da seguinte tabela:

Escalões de Remunerações Anuais (Euros)
Taxas (%)
Até 5.269
0
De 5.269 até 6.222
2
De 6.222 até 7.381
4
De 7.381 até 9.168
6
De 9.168 até 11.098
8
De 11.098 até 12.826
10
De 12.826 até 14.692
12
De 14.692 até 18.416
15
De 18.416 até 23.935
18
De 23.935 até 30.302
21
De 30.302 até 41.415
24
De 41.415 até 54.705
27
De 54.705 até 91.176
30
De 91.176 até 136.792
33
De 136.792 até 228.034
36
De 228.034 até 506.343
38
Superior a 506.343
40


Rendimentos de Capital (Categoria E)
Os rendimentos de capital são definidos através da diferença entre o valor recebido e os respetivos prémios pagos ou importâncias investidas[36].

a) Apólices iniciadas até 31 de Dezembro de 1990
Os rendimentos de capitais, neste caso, são excluídos de tributação.

b) Apólices iniciadas entre 01/01/1991 e 31/12/1994
Nos casos em que o contrato vigore por um período não superior a cinco anos, (i) caso a percentagem de prémios pagos na 1ª metade do contrato, em relação ao total dos prémios, seja inferior a 35%, será aplicável uma taxa de 28% ao rendimento; (ii) mesmo que aquela percentagem seja igual ou superior a 35%, será aplicada, de igual modo, uma percentagem de 28% aos rendimentos.

Por outro lado, se o contrato vigorar entre seis e sete anos, (i) caso a percentagem de prémios pagos na 1ª metade seja inferior a 35%, aos rendimentos será aplicada uma taxa de 28%; (ii) caso seja superior ou igual a 35%, a taxa a aplicar será mais reduzida (14%).

Finalmente, caso o contrato de seguro já vigore há mais de sete anos, (i) se a percentagem de prémios paga na 1ª metade for inferior a 35%, mantém-se a aplicação da taxa de 28%; (ii) todavia, caso os prémios pagos na 1ª metade sejam superiores ou iguais a 35%, aos rendimentos de capital não será aplicada qualquer taxa (0%).

c) Apólices iniciadas entre 01/01/1995 e 31/12/2000
Nos casos em que o contrato vigore por um período não superior a cinco anos, (i) caso a percentagem de prémios pagos na 1ª metade do contrato, em relação ao total dos prémios, seja inferior a 35%, será aplicável uma taxa de 28% ao rendimento; (ii) mesmo que aquela percentagem seja igual ou superior a 35%, será aplicada, de igual modo, uma percentagem de 28% aos rendimentos.

Caso o contrato vigore entre seis e oito anos, (i) caso a percentagem de prémios pagos na 1ª metade seja inferior a 35%, aos rendimentos será aplicada uma taxa de 28%; (ii) caso seja superior ou igual a 35%, a taxa a aplicar será de 16,8%.

Por fim, caso o contrato de seguro já vigore há mais de oito anos, (i) se a percentagem de prémios paga na 1ª metade for inferior a 35%, mantém-se a aplicação da taxa de 28%; (ii) contudo, caso os prémios pagos na 1ª metade sejam superiores ou iguais a 35%, aos rendimentos de capital será aplicada uma taxa de 5,6%.

d) Apólices iniciadas a partir de 01/01/2001
Nos casos em que o contrato vigore por um período não superior a cinco anos, (i) caso a percentagem de prémios pagos na 1ª metade do contrato, em relação ao total dos prémios, seja inferior a 35%, será aplicável uma taxa de 28% ao rendimento; (ii) mesmo que aquela percentagem seja igual ou superior a 35%, será aplicada, de igual modo, uma percentagem de 28% aos rendimentos.

Por outro lado, se o contrato vigorar entre seis e oito anos, (i) caso a percentagem de prémios pagos na 1ª metade seja inferior a 35%, aos rendimentos será aplicada uma taxa de 28%; (ii) caso seja superior ou igual a 35%, a taxa a aplicar será um pouco mais reduzida (22,4%).

Finalmente, caso o contrato de seguro já vigore há mais de oito anos, (i) se a percentagem de prémios paga na 1ª metade for inferior a 35%, mantém-se a aplicação da taxa de 28%; (ii) todavia, caso os prémios pagos na 1ª metade sejam superiores ou iguais a 35%, aos rendimentos de capital será aplicada uma taxa de 11,2%.

Rendas Vitalícias (Categoria H)
Os benefícios de Seguros de Vida recebidos sob a forma de renda temporária ou vitalícia são abrangidos pela categoria H (rendimentos de pensões).

Tratando-se de apólices constituídas por contribuições próprias ou, que sendo efetuadas pela entidade patronal, no âmbito de um regime complementar à Segurança Social, tenham sido consideradas como rendimento de trabalho dependente[37], o valor tributável é calculável da seguinte forma: (a) ao valor da renda deduz-se a parte correspondente ao capital (prémio pago); (b) quando a parte correspondente ao capital não puder ser discriminada, ao valor da renda abate-se uma importância igual a 85%.

No caso das apólices constituídas em resultado das contribuições efetuadas pela entidade patrona, no âmbito do regime complementar à Segurança Social[38], o valor tributável corresponde ao valor da renda auferida.

Conclusões
Os benefícios fiscais são medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, superiores aos da tributação que impedem. Alguns, traduzem-se em incentivos ou estímulos à atividade dos sujeitos passivos a quem essas medidas se dirigem que, por iniciativa individual, participam dos objetivos prosseguidos pelas políticas públicas.

As deduções para efeitos fiscais, que o profissional de alto risco pode declarar, pelos encargos verificados na manutenção do seu seguro de vida/saúde, levam à indagação do objetivo que esteve na origem desta motivação por parte do legislador ordinário. De um ponto de vista económico, podemos afirmar que este regime visa o fomento da produtividade e maximização do rendimento do indivíduo, na medida em que grande parte das preocupações financeiras, provenientes do receio pela prática da sua atividade, estão afastadas pela possibilidade de deduzir aquelas despesas à matéria coletável. Por outro lado, dado o ciclo irregular das profissões de atleta de alta competição, mineiro e pescador, podemos ser levados a pensar que o legislador decidiu proteger, não só o profissional, mas, principalmente, o agregado familiar.

Tendo presente que a grande maioria das atividades profissionais apresentam, em certa medida, um determinado desgaste psicológico e físico, nas profissões de alto risco, aquele último é demasiado acentuado para ser descorado pelo nosso ordenamento jurídico e, como tal, o regime supra enunciado não representa qualquer inconstitucionalidade, pelo que não há, na sua enunciação, uma violação dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

A alteração à Lei de Bases da Segurança Social, que subiu a idade da reforma para os 66 anos, não se aplica aos trabalhadores de profissões de maior desgaste, o que deixa bem patente a ideia atual de proteção a esta atividade laboral.



Por Diogo Afonso Pereira


Fevereiro de 2014



[1] Cfr. Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, volume I, 12ª edição com adenda, Lisboa, Editora Rei dos Livros, 2003, p. 59.
[2] Cfr. Sérgio Vasques, Impostos especiais sobre o consumo, Coimbra, Almedina, 2001.
[3] Ao contrário de Alberto Xavier, que designa estes impostos de parafiscais. Os impostos parafiscais não são, no seu entender, impostos, uma vez que o seu fim não é a angariação de receitas para cobrir os gastos públicos, nem para redistribuição de riqueza[3]. No entanto, se os tributos tiverem uma finalidade financeira e coativa, estes incluir-se-ão nos impostos (como veremos que poderá ser o caso dos impostos de saída). Não sendo esse o caso, serão excluídos.               
[4] V. art. 2º DL 442-A/88
[5] Ao contrário do que sucedia no sistema fiscal datado da década de 60 do século XX, o qual era fortemente caracterizado por uma estrutura dualista.
[6] V. ponto 2.1
[7] Cf. Art. 73º CIRS.
[8] V.g. Situações de agregado familiar ou transparência fiscal.
[9] Cf. Art. 67º, nº2, alínea f) da CRP
[10] Cf. Art. 13º, nº2 do CIRS
[11] São despesas com necessidades essenciais, as despesas de saúde e educação. Não o serão, designadamente, as despesas com aquisição de material informático ou com o patrocínio judiciário.
[12] João Sérgio Ribeiro, op. cit., p. 76.
[13] João Sérgio Ribeiro, Idem, pp. 74 e 75.
[14] João Sérgio Ribeiro, Idem, p. 76.
[15] João Sérgio Ribeiro, Idem, p. 77.
[16] João Sérgio Ribeiro, Idem, pp.77 e 78.
[17]Em 1989 foi instituído um novo modelo de tributação (Cfr. Preâmbulo do DL 198/2001 de 3.7 atualização do DL nº 442-A/88 de 30.11) que afastava a tradicional tributação através de impostos cedulares. Para um estudo mais aprofundado relativamente à teoria rendimento fonte, vide, J. Tiley e G. Loutzenhiser, Revenue Law, 2008, Oxford, apud, João Sérgio Ribeiro, Idem, p. 74.
[18] Cfr. Nuno Sá Gomes, op. cit., p. 139 e ss.
[19] Para um estudo mais aprofundado, vide, K. Holmes, The concept of income, a multidisciplinary analysis, Amesterdão, 2000, pp. 221 a 228, apud, João Sérgio Ribeiro, op. cit., p. 83 e 84, notas 253 e 254.
[20] Noção de Schanz, vide, João Sérgio Ribeiro, Ibidem.
[21] Cfr. João Sérgio Ribeiro, op. cit., pp. 86 e 87.
[22] Cfr. Nuno Sá Gomes, op. cit., pp. 139 e ss.
[23] Para um estudo aprofundado vide, João Sérgio Ribeiro, op. cit., pp. 88 a 93. A problemática não será desenvolvida no presente relatório devido a limites formais impostos.
[24] Manuel Pires, op. cit., p. 56.
[25] Designado método do cash flow.
[26] Bem como noutras legislações.
[27] Do ponto de vista societário, estas teorias são aplicáveis, embora com designações diferentes e adaptações do ponto de vista dos elementos do rendimento. Assim sendo, a teoria fonte também se designa por teoria das contas de exploração e a teoria rendimento acréscimo é a teoria do balanço.
[28] Derecho Tributario I, Plaza Universitária ediciones, Salamanca, 2003, pg. 50
[29] Art. 5º EBF
[30] Art. 65º nº5 CPPT
[31] Uma das consequências da violação do dever de cooperação por parte do sujeito passivo é a perda de benefícios fiscais – cfr. 14º nº2 LGT e art. 14º nº2 e 4 EBF.
[32] Américo Brás Carlos, Impostos Teoria Geral, 2ª Edição, pg. 82
[33] Apesar de este englobamento só relevar nos impostos progressivos, como o IRS, já que a taxa aumenta à medida que aumenta a matéria tributável.
[34] Cf. Art. 2º, nº1 EBF
[35] [35] Por ex. as entregas para planos de poupança-reforma (PPR) ou os encargos com habitação, saúde e educação
[36] Cf. Art. 5º nº3 e 71º nº1, alínea c) do CIRS
[37] Cf. Art. 11º e art. 54º do CIRS
[38] Cf. Art. 11º alínea b) do CIRS



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