quinta-feira, 6 de novembro de 2014

EIRL: Afastamento da Autonomia Patrimonial





A separação entre o património pessoal do empresário, e o património que está afecto à empresa, é desde há muito tempo uma espécie de utopia do empresário em nome individual, pois, caso o volume de negócios estivesse a percorrer uma má fase, que levasse à não subsistência do negócio por parte do titular, culminaria na insolvência da empresa e, consequentemente, o património familiar iria sofrer graves consequências.

 Era então necessário criar uma figura que limitasse a responsabilidade, até que em 25 de Agosto de 1986, o legislador decide adoptar a figura do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, tendo este como principal característica autonomia patrimonial.

 Ora, na esfera jurídica de cada pessoa, existe somente um património, contudo em determinados casos concluímos que, na titularidade do mesmo sujeito, existe mais do que um património, para além de um património geral existem relações que se submetem a um tratamento jurídico diferenciado, este será considerado como património autónomo.

 O património autónomo, neste caso, será aquele será responsabilizado pelas próprias dívidas, ou seja, só este é que vai responder pelas próprias dívidas mantendo o titular do estabelecimento, a “são e salvo”, o património familiar e pessoal.

 Daí, o interesse em conhecer melhor esta nova figura introduzida pelo legislador e tentar compreender os motivos pelos quais este não teve a adesão pretendida.

 Iremos, de seguida, fazer uma abordagem à noção, natureza jurídica, referência às disposições gerais e tentar perceber melhor autonomia patrimonial do”inovador” Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada.

Noção, Origem e Natureza
O Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada (EIRL), criado pelo Decreto-Lei nº 248/86, tem subjacente a ideia de um património autónomo ou de afectação especial ao estabelecimento de uma pessoa singular, através do qual se pode desenvolver uma actividade comercial beneficiando de uma limitação da sua responsabilidade pelas dívidas emergentes do respectivo exercício; tal regime veio a ser posteriormente alterado pelo DL nº343/98.

 Relativamente à sua origem, surgiu através da vontade dos pequenos empresários, que há muito reivindicavam uma limitação da sua responsabilidade patrimonial pelas dívidas da sua actividade empresarial.

Tal ideia já vinha a ser proposta pelo jurista austríaco Oskar Pisco, encontrando tal solução sempre varias críticas, quer positivas quer negativas, nunca esquecendo o principio geral patente no artigo 601º do nosso Código Civil, no qual se refere que, pelo cumprimento de uma obrigação respondem todos os bens do devedor que são susceptíveis de penhora.

Com o exposto deste artigo, corre o empresário um risco de deterioração de todo o seu património, pois este encontra-se completamente exposto ao cumprimento de obrigações contraídas no exercício da actividade, sendo que, num caso de a má fase do negócio colocar em perigo todos os bens, abrangeria bens da respectiva empresa, e ainda, pessoais ou familiares ( art. 1691º, nº1 d) do CCivil, art. 15º C Comercial).

As limitações dos empresários, levou a ”soluções” fraudulentas como a criação de sociedades completamente fictícias, que eram criadas e geridas por um só empresário ao qual se associavam outros indivíduos (também chamados de “testas de ferro”, “homens de palha” ou “sócios pintados”) que permitiram cumprir o formalismo para poder beneficiar da limitação da responsabilidade empresarial.

Tal como argumenta FERRER CORREIA:
 “São bem conhecidos os termos do problema. O exercício profissional da actividade mercantil implica pesados riscos: é a álea inerente ao comércio. Para alcançar benefícios, importa correr o risco de suportar graves prejuízos. Prejuízo que no limite pode acarretar a ruína da empresa, sendo certo que, no quadro do direito vigente, é muito difícil que a ruína da empresa não arraste consigo a do próprio empresário (individual) e virtualmente a sua família: de facto, é princípio colhido na generalidade dos sistemas jurídicos o de que o devedor responde com todo o seu património pelas obrigações validamente assumidas. Por outro lado, a argumentação a que o nosso direito sujeita as dívidas comerciais dos devedores casados com regime de comunhão (vide C.Civil, art 1691º, nº1,d) e C.Com., arts. 15º e 10º), associados à realidade sociológica portuguesa (são poucos entre nós os casamentos em que vigora o regime de separação de bens), tornam pouco provável que a falência do comerciante não consuma o melhor do património familiar”.

Contudo uma ideia de limitação de responsabilidade, levou à preocupação de possíveis credores, todavia, tal solução não implica um prejuízo objectivo destes face ao devedor. Certo é que o credor deixa de ter ao alcance os bens pessoais e familiares do devedor para a [1]satisfação de créditos; por outro lado, os bens que este afectou ao estabelecimento passam a garantir exclusivamente as dívidas contraídas na exploração deste, permitindo aos respectivos credores ver os seus interesses satisfeitos à custa dos bens referidos, com preferência dos restantes credores.

De referir que, para certos autores, tais argumentos eram considerados insuficientes na medida em que o principio geral (“ubi commoda ibi incomomoda”) refere que quem colhe frutos de uma determinada actividade deve suportar  com o riscos inerentes a este, argumentando também que, a instrumentalização da limitação pelo empresário, iria defraudar  os credores pessoais e empresariais através de transferências de bens entre o património geral e o património empresarial. A limitação da responsabilidade do comerciante em nome individual iria colocar todos os credores em sérios problemas. Pois, valendo-se da fácil disponibilidade de bens, o comerciante poderia transferir o seu património geral para o estabelecimento (e vice-versa) consoante os credores, colocando-os numa certa impossibilidade de receberem os seus créditos - apesar de o comerciante ter bens suficientes para cumprir a obrigação, o credor muito dificilmente ia ter acesso a estes.

O legislador português dispunha de dois modelos alternativos para permitir uma limitação de responsabilidade empresarial:
O modelo de cariz jussocietário adoptado pelos legisladores franceses e alemão que admitia a criação ab initio da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada e outro de cariz jusprivatista que consistia na figura do património autónomo.

     O primeiro modelo consiste na admissibilidade da constituição de uma sociedade comercial com responsabilidade limitada com um sócio.
 Porque será que o legislador alemão optou por este modelo?
- Primeiro de tudo, pela “Gesellsschaft mit beschrankter Haftung” unipessoal que já tinha sido admitida pela doutrina e jurisprudência alemã;

2.       Seria mais fácil delinear um regime jurídico para tal situação, pois a admissão da responsabilidade limitada de um único sócio ( Einmann- GmbH ) iria implicar uma adaptação de algumas normas do regime da GmbH, ao contrario das dificuldades que iria trazer a criação da empresa individual de responsabilidade limitada.

Pouco diferente foi o pensamento do legislador francês, que o levou a admitir a constituição da responsabilidade limitada com um único sócio, cuja lei se intitula “loi relative à l´entreprise unipersonnelle à responsabilité limitée”.
Por cá, o legislador lusitano optou pelo segundo modelo, recusando a introdução da sociedade unipessoal,por se entender que a sociedade é, e deveria continuar a ser um contrato plurilateral, constituindo a unipessoalidade um factor que a priori iria levar à dissolução da sociedade, admitido pelo DL n.º 248/86 o Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada como um património autónomo ou de afectação do empresário individual, sendo a sua autonomia patrimonial o seu “trunfo”. O artigo 10º n.1 do referido Decreto-Lei diz que o património do estabelecimento individual de responsabilidade limitada responde somente pelas dividas contraídas no exercício da empresa, sendo que pelas dividas que estivessem compreendidas no objecto do estabelecimento individual de responsabilidade limitada nos termos do seu artigo 11º n.1, respondem os bens a este afectados, e só aqueles bens.

Apesar do reconhecimento da sua natureza como património autónomo, a doutrina portuguesa sempre teve dúvidas sobre este constituir um verdadeiro estabelecimento comercial. Uma parte diz que não, justificando que estamos perante realidades distintas, pois o estabelecimento comercial constitui uma unidade funcional sem a figura da autonomia patrimonial.

Certo é que foi esta a escolha do legislador português: a da criação da figura do EIRL em território português.
 O DL n.º 248/86 veio então acolher um novo caso de separação de patrimónios, com o seu património autónomo, o EIRL configurou-se como uma unidade jurídica, pois é objecto de direito de propriedade e de relações jurídicas distintas das inerentes a cada um dos elementos que o componham.

Escolha esta que foi feita por uma figura não societária, com as acrescidas complexidades de regulamentação.

O EIRL- Disposições Gerais
O estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode ser constituído por qualquer pessoa (desde que singular) que pretenda o exercício de uma actividade comercial, sendo que cada pessoa só pode ser titular de um único EIRL ( art 1º n.º3)[2], não se compreendendo tal opção legislativa, pois uma vez posto em causa  o princípio da unidade patrimonial previsto no artigo 601º do CCivil, não se consegue perceber qual seria o problema de dividir o estabelecimento  em unidades que sejam autónomas.Com consequência da nulidade da aquisição entre vivos, pois se o adquirente do estabelecimento já for titular de outro da mesma natureza, seria então esta venda considerada nula pelo artigo 21 nº 4 do já referido diploma.

Na aquisição “mortis causa” do estabelecimento, se o adquirente já tiver um estabelecimento da mesma natureza em sua posse, deverá este liquidar ou alienar um destes, ou então transmitir a respectiva exploração segundo o artigo 23º n.4 do DL 248/86.

Relativamente à sua constituição, faz-se através de documento escrito, excepto nas situações que as entradas feitas pelo titular do estabelecimento consistam em bens em que seja necessário um requisito mais formal (art.2º, n.º1).

Este documento deve indicar um conjunto de menções que são obrigatórias, no qual se incluem o objecto, capital, firma, bem como outros elementos patentes no artigo 2º do diploma.

Relativamente à alteração do acto constitutivo, toda a alteração deve ser reduzida a escrito (art. 16º).

Parte que merece destaque é o capital. O seu mínimo de estabelecimento tem um valor de 5000 euros (artigo 3º n.º2), sendo que as entradas podem ser em dinheiro ou em coisas ou direitos, não podendo a parte em numerário ser inferior a dois terços de 5000 euros (artigo3º nº3) : de qualquer das formas, o capital deve ser liberado no momento do acto que constitui o estabelecimento (artigo 3º n.º4), caso a entrada tenha sido feita em dinheiro, deve haver um depósito prévio numa conta aberta (conta esta que será especial) e que só poderá ser movimentada após a inscrição no registo (art.3, nº4 “in fine”, e 5) ou então decorridos três meses a contar do depósito, sem que tenha sido pedida a inscrição (artigo 3º nº6).

Ainda assim, é obrigatória a constituição de uma reserva legal de 20% dos lucros anuais até ao momento em que esta atinja um montante equivalente a metade do capital que só poderá ser utilizada para a cobertura de prejuízos transitados ou a realização de aumentos de capital por incorporação (art. 15º).

Personalidade Judiciária do EIRL
 Por força da lei, não foi em vão que o legislador optou pela denominação de estabelecimento individual de responsabilidade limitada (ponto 10ºdo Preâmbulo do DL 248/86 de 25 de Agosto), não se justifica à luz da boa-fé, dos bons costumes e dos fins social e económico patente no artigo 334º do C.Civil atribuir personalidade judiciária a estes patrimónios autónomos.[3]

Autonomia
 Já tinha sido supra referido que a característica principal do EIRL era a sua autonomia patrimonial, em que a massa de bens representa um património autónomo, na medida em que os bens respondem apenas pelas dívidas que tenham sido contraídas na exploração de certo estabelecimento, e somente para com o este responderão os bens. Está aqui patente uma clara excepção ao principio geral da indivisibilidade ou unidade do património, segundo o qual, cada pessoa singular é titular de um só património que terá que responder pelas obrigações a ele inerentes.

Ora, tal figura de património separado pode ter dois modelos distintos: O património autónomo e o património colectivo.
No primeiro caso, para além de do indivíduo ter um património geral, este também é titular de um património separado especialmente afecto a um determinado fim;

Já no segundo, verifica-se a existência em que vários indivíduos são em conjunto titulares de um património.
Para além da figura se poder desdobrar em dois modelos distintos, esta também se desdobra relativamente ao seu grau de autonomia:
- Perfeita;
-Imperfeita;

A perfeita verifica-se quando os bens integrantes da massa patrimonial respondem somente pelas respectivas dívidas;

Em sentido oposto, na imperfeita, os bens respondem de forma diferente para com as dívidas.[4]
Posto isto, o estabelecimento individual de responsabilidade limitada reveste uma modalidade onde a massa de bens possui um regime sui generis relativo às suas dívidas (Património Autónomo), e no qual o património afecto a este pode responder por dividas alheias à sua exploração; e, o património geral do titular do estabelecimento pode responder por dividas que estão relacionadas com a actividade deste (Autonomia Patrimonial Imperfeita).

No artigo 10º nº1 do DL está consagrado que os bens afectos ao estabelecimento respondem apenas pelas dívidas originadas na exploração deste, com exclusão das restantes dívidas do seu titular.Contudo verifica-se que no caso do titular do estabelecimento não tenha bens suficientes no seu património geral para conseguir satisfazer os interesses do credor, estes podem vir a “pegar” nos bens do estabelecimento (art.10º. nº2). E a verdade é que os bens deste mesmo estabelecimento podem mesmo a vir a responder subsidiariamente pelas dívidas comuns do titular contraídas em momento posterior à respectiva constituição (art. 10nº1 e 22ª).

De salientar que os credores do EIRL têm o benefício de excussão prévia quer na via geral, quer em caso da insolvência do titular, sendo estes credores pagos com preferência em relação a outros.

É de concluir, pela análise da sua autonomia passiva, que o património do estabelecimento pode ficar exposto às pretensões dos credores, pois o património deste irá responder por qualquer que seja a dívida ainda que esta mesma dívida seja estranha ao estabelecimento, com a particularidade de isto acontecer subsidiariamente em relação ao património do titular (havendo uma ténue semelhança com o que acontece nas sociedades em nome colectivo).

Já quando nos referimos à sua activa, que se encontra referida no artigo 11º nº1 o próprio legislador, já tinha estabelecido que pelas obrigações contraídas na exploração do estabelecimento responderão apenas os bens que o integram, com a exclusão de todos os restantes bens pessoais do seu titular.

Estamos aqui perante um caso de mais uma excepção à regra prevista pelo legislador pois no caso de insolvência ficou previsto a possibilidade de o património geral do próprio titular seja chamado a responder pelas dividas que tenham sido contraídas na exploração do estabelecimento se os respectivos credores conseguirem fazer prova de que o titular do EIRL não tenha respeitado o principio da separação dos patrimónios, ou seja se for feita prova de que o titular geriu o estabelecimento de forma imprudente os credores podem vir a ver a ser satisfeitos os seus interesses, caso contrário, o titular do EIRL insolvente permanecerá imune em relação a dividas contraídas na exploração desse mesmo estabelecimento.

Diferente já será o caso de a insolvência ter como base uma gestão desrespeitadora da separação patrimonial, situação patente no artigo 11º nº2 que nos diz: responde com todo o seu património pelas dívidas contraídas nesse exercício.

Parece claro que só se justificaria que a lei tratasse o estabelecimento como património separado se o próprio titular também o trate de tal forma, sendo que nas situações em que tal não se verifica passa a estar na disponibilidade dos credores atacar a totalidade dos bens do estabelecimento.

Fracasso Prático
Na realidade, a opção pela introdução do estabelecimento individual de responsabilidade limitada acabou por ser uma completa desilusão prática, para tal José Engrácia Antunes dá-nos cinco motivos[5]: no primeiro deles, o autor refere que este se deveu ao “exotismo lusitano”, ora como já foi explicado o legislador português poderia ter optado por dois modelos distintos, sendo então o primeiro de natureza jussocietária que foi adoptado pela grande maioria de ordens jurídicas para combater a necessidade de permitir ao empresário em nome individual uma limitação da sua responsabilidade, como exemplo destas ordens jurídicas temos (Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Espanha, EUA, etc.) ora , estas ordens jurídicas tinham como objectivo conferir aos empresários a possibilidade de eles próprios, sendo sócios únicos constituírem uma sociedade anónima ou uma sociedade por quotas       (sendo certo que a figura das sociedades unipessoais constitui uma verdadeira realidade reconhecida nas ordens jurídico-comerciais contemporâneas).

O outro modelo jusprivativo foi acolhido pelo Paraguai (1983) e Liechtenstein (1926), na mediada em que este modelo se destacava pela figura do património autónomo, no qual o património da empresa responderia pelas dividas aos credores.

Na verdade, existia um terceiro modelo, que consistia na personificação jurídica da empresa, que criava um novo sujeito de direito. Contudo, este modelo alternativo não obteve positivação nem tão pouco a curiosidade da doutrina comparada dado à sua complexidade, pois esta exigia a coordenação deste novo sujeito com normas do direito da família, obrigações, sucessões e comercial.

O que é certo, é que o legislador português acolheu o modelo jusprivativístico, ora tal escolha se deveu à intenção de manter um dogma jussocietário, pois entre nós não deixa de ser certo que houve um cepticismo à ideia da unipessoalidade originária (Preâmbulo do Decreto-Lei nº.248/86) parece ser explícito, que “por estes lados” preferimos a preservação de algo que só tinha sido seguido pelo Liechtenstein e Paraguai, invés de seguirmos os trilhos da maioria que optou claramente na consagração da sociedade unipessoal.

O fracasso da opção pela adopção do EIRL também se deve na questão da titularidade jurídica exposta no artigo1º números 1 e 3, como se encontra difícil de perceber a responsabilidade pelas dívidas do estabelecimento individual de responsabilidade limitada patente no artigo 11ºnº2 bem como a intangibilidade do capital no seu artigo 14º, tal como a perplexidade na omissão da regulamentação em determinados aspectos da lei (artigo 34º).

O segundo motivo dado por este autor, está relacionado com este modelo ser um instrumento dos comerciantes, ou seja, o facto de não se permitir a constituição de EIRL a profissionais libeais, empresários civis, agrícolas e artesanais acabou por ser mais uma das formas para contribuir para o seu insucesso.

Outro motivo terá sido a falta de coordenação entre o legislador, tais diplomas forma aprovados praticamente ao mesmo tempo no entanto não parece haver qualquer tipo de coordenação/referência entre eles, parece haver neste caso uma clara negligencia por parte do legislador em não querer transformar o EIRL em uma sociedade comercial, ou mesmo o caso inverso de transformar uma sociedade comercial num EIRL ( de forma a incentivar a transição de sociedades).

O quarto, será o seu regime regime Jurídico-Tributário e Insolvencial, teerá ser feita referência que os lucros que são apurados na exploração do estabelecimento de responsabilidade limitada, estes são tributados em sede de categoria A, sendo posteriormente englobados para determinar a matéria colectável, com os outros rendimentos da pessoa singular bem como os do seu agregado familiar, ora há que ter em atenção que a constituição de uma sociedade unipessoal traz uma considerável poupança para o individuo, seja pelas taxas mais favoráveis de IRC, ou pelos diversos regimes especiais, quer pelos benefícios fiscais aplicáveis exclusivamente.

Quanto ao regime insolvencial, até à entrada em vigor do CPEREF, a insolvência do estabelecimento de responsabilidade limitada implicava sempre a insolvência do próprio titular, que tinha como consequência o surgir dos chamados “falidos ricos”, estes eram os empresários que apesar de serem declarados insolventes eram possuidores de um vasto património comum.[6]

A quinta e última razão, está relacionada com o seu “trunfo” ou também chamada “jóia da coroa”, que é a sua autonomia patrimonial, apesar desta ter sido reconhecida no próprio Preâmbulo do Decreto-Lei nº.248/86, bem como ter inclusivamente referências na lei (artigo 10º, nº.1 e 11º, nº1), a verdade não deixa de ser outra, as inúmeras excepções admitidas levaram à insegurança dos inúmeros empresários que poderiam ter interesse em constituir uma EIRL, para sermos sinceros não podemos deixar de dizer que o regime do EIRL se assemelha em bastantes pormenores à sociedade em nome colectivo, já que neste último caso é lícito exigir a liquidação da parte social, bem como a dissolução social, quando os bens pessoais daquele sejam insuficientes para satisfazer os respectivos créditos (art.183 CSC), disposições como a do artigo 10ºnº2 que nos diz que se os restantes bens do titular forem insuficientes, o património responde por qualquer que tenha sido a dívida que este tenha contraído antes de efectuada a publicação, e tal como a do artigo 11º nº2, em que o falido tem que responder com todo o seu património, quando se prove que o principio da separação patrimonial não foi respeitado, levaram à desconfiança dos empresários, optando estes por um verdadeiro “não” ao EIRL, sendo certo quem em 2006 apenas 100 empresários num universo que quase alcança o milhão de unidades se decidiram organizar sob forma de EIRL (apenas 0,0001%) ou seja, um verdadeiro”tiro ao lado” por parte do legislador português.

Não restou nada mais a fazer por parte do legislador português senão consagrar em território nacional a sociedade unipessoal, como uma nova figura da limitação de responsabilidade, seguindo finalmente os passos da maioria das ordens jurídicas, que se aplicavam a empresários civis e comerciais ( arts. 270.º - A e ss CSS, que foram introduzidos pelo Decreto-Lei nº27/96, de 3 de Dezembro).

Passaram os empresários a dispor de duas vias que lhes permitia a limitação do seu risco, sendo que, a sociedade unipessoal teve só no seu primeiro mês de vigência mais adesões que o EIRL em duas décadas, recebendo este último um verdadeiro “golpe de misericórdia”.

Será conveniente referir que, apesar da escolha certa ser a da adopção da Sociedade Unipessoal por Quotas, não parece completamente desajustado a instauração de um instituto sob a forma de património separado. Pelo menos, tendo em conta a pouca receptividade que havia na altura à sociedade unipessoal, a adopção do EIRL a título experimental não deve ser considerada escandalosa apesar do seu “fracasso”.

A verdade cruel, é que, o EIRL não se conseguiu nem se vai conseguir implantar num futuro longínquo na perspectiva empresarial.


Por Rui Aires Pereira

Dezembro de 2013



(1)     Sobre argumentos prós e contra vide COELHO, M. Ângela, A Limitação da Responsabilidade do Comerciante em Nome Individual.
[2] Sobre a qualidade de comerciante, vide ANTUNES, J. Engrácia, O estatuto de Comerciante: Alguns Problemas de qualificação
[3] Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 8281/2007-1
[4] Sobre as modalidades e conceitos dos patrimónios separados, vide HÖRSTER, H. Ewald, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil
[5] Para melhor desenvolvimento vide ANTUNES J. Engrácia em O Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada: Crónica de uma Morte Anunciada
[6] Para uma leitura mais técnica, CATARINA SERRA, “As novas sociedades unipessoais por quotas”, em que se encontrava o principal motivo para o Fracasso do EIRL pelas aliciantes vantagens fiscais que o EIRL nunca conseguiu igualar as SUQ.



Sem comentários:

Enviar um comentário