A separação entre o património pessoal
do empresário, e o património que está afecto à empresa, é desde há muito tempo
uma espécie de utopia do empresário em nome individual, pois, caso o volume de
negócios estivesse a percorrer uma má fase, que levasse à não subsistência do
negócio por parte do titular, culminaria na insolvência da empresa e,
consequentemente, o património familiar iria sofrer graves consequências.
Era então necessário criar uma figura que
limitasse a responsabilidade, até que em 25 de Agosto de 1986, o legislador
decide adoptar a figura do estabelecimento individual de responsabilidade
limitada, tendo este como principal característica autonomia patrimonial.
Ora, na esfera jurídica de cada pessoa, existe
somente um património, contudo em determinados casos concluímos que, na
titularidade do mesmo sujeito, existe mais do que um património, para além de
um património geral existem relações que se submetem a um tratamento jurídico
diferenciado, este será considerado como património autónomo.
O património autónomo, neste caso, será aquele
será responsabilizado pelas próprias dívidas, ou seja, só este é que vai
responder pelas próprias dívidas mantendo o titular do estabelecimento, a “são
e salvo”, o património familiar e pessoal.
Daí, o interesse em conhecer melhor esta nova
figura introduzida pelo legislador e tentar compreender os motivos pelos quais
este não teve a adesão pretendida.
Iremos, de seguida, fazer uma abordagem à
noção, natureza jurídica, referência às disposições gerais e tentar perceber
melhor autonomia patrimonial do”inovador” Estabelecimento Individual de
Responsabilidade Limitada.
Noção, Origem e
Natureza
O Estabelecimento Individual de
Responsabilidade Limitada (EIRL), criado pelo Decreto-Lei nº 248/86, tem
subjacente a ideia de um património autónomo ou de afectação especial ao
estabelecimento de uma pessoa singular, através do qual se pode desenvolver uma
actividade comercial beneficiando de uma limitação da sua responsabilidade
pelas dívidas emergentes do respectivo exercício; tal regime veio a ser
posteriormente alterado pelo DL nº343/98.
Relativamente à sua origem, surgiu através da
vontade dos pequenos empresários, que há muito reivindicavam uma limitação da
sua responsabilidade patrimonial pelas dívidas da sua actividade empresarial.
Tal ideia já vinha a ser proposta pelo
jurista austríaco Oskar Pisco, encontrando tal solução sempre varias críticas,
quer positivas quer negativas, nunca esquecendo o principio geral patente no
artigo 601º do nosso Código Civil, no qual se refere que, pelo cumprimento de uma
obrigação respondem todos os bens do devedor que são susceptíveis de penhora.
Com o exposto deste artigo, corre o
empresário um risco de deterioração de todo o seu património, pois este
encontra-se completamente exposto ao cumprimento de obrigações contraídas no
exercício da actividade, sendo que, num caso de a má fase do negócio colocar em
perigo todos os bens, abrangeria bens da respectiva empresa, e ainda, pessoais
ou familiares ( art. 1691º, nº1 d) do CCivil, art. 15º C Comercial).
As limitações dos empresários, levou a
”soluções” fraudulentas como a criação de sociedades completamente fictícias,
que eram criadas e geridas por um só empresário ao qual se associavam outros
indivíduos (também chamados de “testas de ferro”, “homens de palha” ou “sócios
pintados”) que permitiram cumprir o formalismo para poder beneficiar da
limitação da responsabilidade empresarial.
Tal como argumenta FERRER CORREIA:
“São bem conhecidos os termos do problema. O
exercício profissional da actividade mercantil implica pesados riscos: é a álea
inerente ao comércio. Para alcançar benefícios, importa correr o risco de suportar
graves prejuízos. Prejuízo que no limite pode acarretar a ruína da empresa,
sendo certo que, no quadro do direito vigente, é muito difícil que a ruína da
empresa não arraste consigo a do próprio empresário (individual) e virtualmente
a sua família: de facto, é princípio colhido na generalidade dos sistemas
jurídicos o de que o devedor responde com todo o seu património pelas
obrigações validamente assumidas. Por outro lado, a argumentação a que o nosso
direito sujeita as dívidas comerciais dos devedores casados com regime de
comunhão (vide C.Civil, art 1691º, nº1,d) e C.Com., arts. 15º e 10º),
associados à realidade sociológica portuguesa (são poucos entre nós os
casamentos em que vigora o regime de separação de bens), tornam pouco provável
que a falência do comerciante não consuma o melhor do património familiar”.
Contudo uma ideia de limitação de
responsabilidade, levou à preocupação de possíveis credores, todavia, tal
solução não implica um prejuízo objectivo destes face ao devedor. Certo é que o
credor deixa de ter ao alcance os bens pessoais e familiares do devedor para a [1]satisfação
de créditos; por outro lado, os bens que este afectou ao estabelecimento passam
a garantir exclusivamente as dívidas contraídas na exploração deste, permitindo
aos respectivos credores ver os seus interesses satisfeitos à custa dos bens
referidos, com preferência dos restantes credores.
De referir que, para certos autores,
tais argumentos eram considerados insuficientes na medida em que o principio geral
(“ubi commoda ibi incomomoda”) refere
que quem colhe frutos de uma determinada actividade deve suportar com o riscos inerentes a este, argumentando
também que, a instrumentalização da limitação pelo empresário, iria
defraudar os credores pessoais e
empresariais através de transferências de bens entre o património geral e o
património empresarial. A limitação da responsabilidade do comerciante em nome
individual iria colocar todos os credores em sérios problemas. Pois, valendo-se
da fácil disponibilidade de bens, o comerciante poderia transferir o seu
património geral para o estabelecimento (e vice-versa) consoante os credores,
colocando-os numa certa impossibilidade de receberem os seus créditos - apesar
de o comerciante ter bens suficientes para cumprir a obrigação, o credor muito
dificilmente ia ter acesso a estes.
O legislador português dispunha de
dois modelos alternativos para permitir uma limitação de responsabilidade
empresarial:
O modelo de cariz jussocietário
adoptado pelos legisladores franceses e alemão que admitia a criação ab initio da sociedade unipessoal de
responsabilidade limitada e outro de cariz jusprivatista que consistia na
figura do património autónomo.
O primeiro modelo consiste na admissibilidade
da constituição de uma sociedade comercial com responsabilidade limitada com um
sócio.
Porque será que o legislador alemão optou por este modelo?
- Primeiro de tudo, pela
“Gesellsschaft mit beschrankter Haftung” unipessoal que já tinha sido admitida
pela doutrina e jurisprudência alemã;
2.
Seria mais fácil delinear um regime jurídico
para tal situação, pois a admissão da responsabilidade limitada de um único
sócio ( Einmann- GmbH ) iria implicar uma adaptação de algumas normas do regime
da GmbH, ao contrario das dificuldades que iria trazer a criação da empresa
individual de responsabilidade limitada.
Pouco diferente foi o pensamento do
legislador francês, que o levou a admitir a constituição da responsabilidade
limitada com um único sócio, cuja lei se intitula “loi relative à l´entreprise
unipersonnelle à responsabilité limitée”.
Por cá, o legislador lusitano optou
pelo segundo modelo, recusando a introdução da sociedade unipessoal,por se
entender que a sociedade é, e deveria continuar a ser um contrato plurilateral,
constituindo a unipessoalidade um factor que a priori iria levar à dissolução da sociedade, admitido pelo DL n.º
248/86 o Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada como um
património autónomo ou de afectação do empresário individual, sendo a sua
autonomia patrimonial o seu “trunfo”. O artigo 10º n.1 do referido Decreto-Lei
diz que o património do estabelecimento individual de responsabilidade limitada
responde somente pelas dividas contraídas no exercício da empresa, sendo que pelas
dividas que estivessem compreendidas no objecto do estabelecimento individual
de responsabilidade limitada nos termos do seu artigo 11º n.1, respondem os
bens a este afectados, e só aqueles bens.
Apesar do reconhecimento da sua
natureza como património autónomo, a doutrina portuguesa sempre teve dúvidas
sobre este constituir um verdadeiro estabelecimento comercial. Uma parte diz
que não, justificando que estamos perante realidades distintas, pois o
estabelecimento comercial constitui uma unidade funcional sem a figura da
autonomia patrimonial.
Certo é que foi esta a escolha do
legislador português: a da criação da figura do EIRL em território português.
O DL n.º 248/86 veio então acolher um novo
caso de separação de patrimónios, com o seu património autónomo, o EIRL
configurou-se como uma unidade jurídica, pois é objecto de direito de
propriedade e de relações jurídicas distintas das inerentes a cada um dos
elementos que o componham.
Escolha esta que foi feita por uma
figura não societária, com as acrescidas complexidades de regulamentação.
O EIRL- Disposições
Gerais
O estabelecimento individual de
responsabilidade limitada pode ser constituído por qualquer pessoa (desde que singular)
que pretenda o exercício de uma actividade comercial, sendo que cada pessoa só
pode ser titular de um único EIRL ( art 1º n.º3)[2], não se
compreendendo tal opção legislativa, pois uma vez posto em causa o princípio da unidade patrimonial previsto
no artigo 601º do CCivil, não se consegue perceber qual seria o problema de
dividir o estabelecimento em unidades
que sejam autónomas.Com consequência da nulidade da aquisição entre vivos, pois
se o adquirente do estabelecimento já for titular de outro da mesma natureza,
seria então esta venda considerada nula pelo artigo 21 nº 4 do já referido
diploma.
Na aquisição “mortis causa” do estabelecimento, se o adquirente já tiver um
estabelecimento da mesma natureza em sua posse, deverá este liquidar ou alienar
um destes, ou então transmitir a respectiva exploração segundo o artigo 23º n.4
do DL 248/86.
Relativamente à sua constituição, faz-se
através de documento escrito, excepto nas situações que as entradas feitas pelo
titular do estabelecimento consistam em bens em que seja necessário um
requisito mais formal (art.2º, n.º1).
Este documento deve indicar um
conjunto de menções que são obrigatórias, no qual se incluem o objecto,
capital, firma, bem como outros elementos patentes no artigo 2º do diploma.
Relativamente à alteração do acto
constitutivo, toda a alteração deve ser reduzida a escrito (art. 16º).
Parte que merece destaque é o capital.
O seu mínimo de estabelecimento tem um valor de 5000 euros (artigo 3º n.º2),
sendo que as entradas podem ser em dinheiro ou em coisas ou direitos, não
podendo a parte em numerário ser inferior a dois terços de 5000 euros (artigo3º
nº3) : de qualquer das formas, o capital deve ser liberado no momento do acto
que constitui o estabelecimento (artigo 3º n.º4), caso a entrada tenha sido
feita em dinheiro, deve haver um depósito prévio numa conta aberta (conta esta
que será especial) e que só poderá ser movimentada após a inscrição no registo
(art.3, nº4 “in fine”, e 5) ou então decorridos três meses a contar do
depósito, sem que tenha sido pedida a inscrição (artigo 3º nº6).
Ainda assim, é obrigatória a
constituição de uma reserva legal de 20% dos lucros anuais até ao momento em
que esta atinja um montante equivalente a metade do capital que só poderá ser
utilizada para a cobertura de prejuízos transitados ou a realização de aumentos
de capital por incorporação (art. 15º).
Personalidade Judiciária
do EIRL
Por força da lei, não foi em vão que o
legislador optou pela denominação de estabelecimento individual de
responsabilidade limitada (ponto 10ºdo Preâmbulo do DL 248/86 de 25 de Agosto),
não se justifica à luz da boa-fé, dos bons costumes e dos fins social e
económico patente no artigo 334º do C.Civil atribuir personalidade judiciária a
estes patrimónios autónomos.[3]
Autonomia
Já tinha sido supra referido que a característica principal do EIRL era a sua
autonomia patrimonial, em que a massa de bens representa um património
autónomo, na medida em que os bens respondem apenas pelas dívidas que tenham
sido contraídas na exploração de certo estabelecimento, e somente para com o
este responderão os bens. Está aqui patente uma clara excepção ao principio geral da indivisibilidade ou
unidade do património, segundo o qual, cada pessoa singular é titular de um
só património que terá que responder pelas obrigações a ele inerentes.
Ora, tal figura de património separado
pode ter dois modelos distintos: O património autónomo e o património
colectivo.
No primeiro caso, para além de do indivíduo
ter um património geral, este também é titular de um património separado
especialmente afecto a um determinado fim;
Já no segundo, verifica-se a existência
em que vários indivíduos são em conjunto titulares de um património.
Para além da figura se poder desdobrar
em dois modelos distintos, esta também se desdobra relativamente ao seu grau de
autonomia:
- Perfeita;
-Imperfeita;
A perfeita verifica-se quando os bens
integrantes da massa patrimonial respondem somente pelas respectivas dívidas;
Em sentido oposto, na imperfeita, os
bens respondem de forma diferente para com as dívidas.[4]
Posto isto, o estabelecimento
individual de responsabilidade limitada reveste uma modalidade onde a massa de
bens possui um regime sui generis relativo
às suas dívidas (Património Autónomo), e no qual o património afecto a este
pode responder por dividas alheias à sua exploração; e, o património geral do
titular do estabelecimento pode responder por dividas que estão relacionadas
com a actividade deste (Autonomia Patrimonial Imperfeita).
No artigo 10º nº1 do DL está
consagrado que os bens afectos ao estabelecimento
respondem apenas pelas dívidas originadas na exploração deste, com exclusão das
restantes dívidas do seu titular.Contudo verifica-se que no caso do titular
do estabelecimento não tenha bens suficientes no seu património geral para
conseguir satisfazer os interesses do credor, estes podem vir a “pegar” nos
bens do estabelecimento (art.10º. nº2). E a verdade é que os bens deste mesmo
estabelecimento podem mesmo a vir a responder subsidiariamente pelas dívidas
comuns do titular contraídas em momento posterior à respectiva constituição
(art. 10nº1 e 22ª).
De salientar que os credores do EIRL
têm o benefício de excussão prévia quer na via geral, quer em caso da
insolvência do titular, sendo estes credores pagos com preferência em relação a
outros.
É de concluir, pela análise da sua
autonomia passiva, que o património do estabelecimento pode ficar exposto às
pretensões dos credores, pois o património deste irá responder por qualquer que
seja a dívida ainda que esta mesma dívida seja estranha ao estabelecimento, com
a particularidade de isto acontecer subsidiariamente em relação ao património
do titular (havendo uma ténue semelhança com o que acontece nas sociedades em
nome colectivo).
Já quando nos referimos à sua activa,
que se encontra referida no artigo 11º nº1 o próprio legislador, já tinha
estabelecido que pelas obrigações
contraídas na exploração do estabelecimento responderão apenas os bens que o
integram, com a exclusão de todos os restantes bens pessoais do seu titular.
Estamos aqui perante um caso de mais
uma excepção à regra prevista pelo legislador pois no caso de insolvência ficou
previsto a possibilidade de o património geral do próprio titular seja chamado
a responder pelas dividas que tenham sido contraídas na exploração do
estabelecimento se os respectivos credores conseguirem fazer prova de que o
titular do EIRL não tenha respeitado o principio da separação dos patrimónios,
ou seja se for feita prova de que o titular geriu o estabelecimento de forma
imprudente os credores podem vir a ver a ser satisfeitos os seus interesses,
caso contrário, o titular do EIRL insolvente permanecerá imune em relação a
dividas contraídas na exploração desse mesmo estabelecimento.
Diferente já será o caso de a
insolvência ter como base uma gestão desrespeitadora da separação patrimonial,
situação patente no artigo 11º nº2 que nos diz: responde com todo o seu património pelas dívidas contraídas nesse
exercício.
Parece claro que só se justificaria
que a lei tratasse o estabelecimento como património separado se o próprio
titular também o trate de tal forma, sendo que nas situações em que tal não se
verifica passa a estar na disponibilidade dos credores atacar a totalidade dos
bens do estabelecimento.
Fracasso Prático
Na realidade, a opção pela introdução
do estabelecimento individual de responsabilidade limitada acabou por ser uma
completa desilusão prática, para tal José
Engrácia Antunes dá-nos cinco motivos[5]: no
primeiro deles, o autor refere que este se deveu ao “exotismo lusitano”, ora
como já foi explicado o legislador português poderia ter optado por dois
modelos distintos, sendo então o primeiro de natureza jussocietária que foi
adoptado pela grande maioria de ordens jurídicas para combater a necessidade de
permitir ao empresário em nome individual uma limitação da sua responsabilidade,
como exemplo destas ordens jurídicas temos (Alemanha, Austrália, Áustria,
Bélgica, Brasil, Espanha, EUA, etc.) ora , estas ordens jurídicas tinham como
objectivo conferir aos empresários a possibilidade de eles próprios, sendo
sócios únicos constituírem uma sociedade anónima ou uma sociedade por quotas (sendo certo que a figura das sociedades
unipessoais constitui uma verdadeira realidade reconhecida nas ordens
jurídico-comerciais contemporâneas).
O outro modelo jusprivativo foi
acolhido pelo Paraguai (1983) e Liechtenstein (1926), na mediada em que este
modelo se destacava pela figura do património autónomo, no qual o património da
empresa responderia pelas dividas aos credores.
Na verdade, existia um terceiro
modelo, que consistia na personificação jurídica da empresa, que criava um novo
sujeito de direito. Contudo, este modelo alternativo não obteve positivação nem
tão pouco a curiosidade da doutrina comparada dado à sua complexidade, pois
esta exigia a coordenação deste novo sujeito com normas do direito da família,
obrigações, sucessões e comercial.
O que é certo, é que o legislador
português acolheu o modelo jusprivativístico, ora tal escolha se deveu à
intenção de manter um dogma jussocietário, pois entre nós não deixa de ser
certo que houve um cepticismo à ideia da unipessoalidade originária (Preâmbulo
do Decreto-Lei nº.248/86) parece ser explícito, que “por estes lados”
preferimos a preservação de algo que só tinha sido seguido pelo Liechtenstein e
Paraguai, invés de seguirmos os trilhos da maioria que optou claramente na
consagração da sociedade unipessoal.
O fracasso da opção pela adopção do
EIRL também se deve na questão da titularidade jurídica exposta no artigo1º
números 1 e 3, como se encontra difícil de perceber a responsabilidade pelas
dívidas do estabelecimento individual de responsabilidade limitada patente no
artigo 11ºnº2 bem como a intangibilidade do capital no seu artigo 14º, tal como
a perplexidade na omissão da regulamentação em determinados aspectos da lei
(artigo 34º).
Outro motivo terá sido a falta de
coordenação entre o legislador, tais diplomas forma aprovados praticamente ao
mesmo tempo no entanto não parece haver qualquer tipo de coordenação/referência
entre eles, parece haver neste caso uma clara negligencia por parte do legislador
em não querer transformar o EIRL em uma sociedade comercial, ou mesmo o caso
inverso de transformar uma sociedade comercial num EIRL ( de forma a incentivar
a transição de sociedades).
O quarto, será o seu regime regime
Jurídico-Tributário e Insolvencial, teerá ser feita referência que os lucros
que são apurados na exploração do estabelecimento de responsabilidade limitada,
estes são tributados em sede de categoria A, sendo posteriormente englobados
para determinar a matéria colectável, com os outros rendimentos da pessoa
singular bem como os do seu agregado familiar, ora há que ter em atenção que a
constituição de uma sociedade unipessoal traz uma considerável poupança para o
individuo, seja pelas taxas mais favoráveis de IRC, ou pelos diversos regimes
especiais, quer pelos benefícios fiscais aplicáveis exclusivamente.
Quanto ao regime insolvencial, até à
entrada em vigor do CPEREF, a insolvência do estabelecimento de
responsabilidade limitada implicava sempre a insolvência do próprio titular,
que tinha como consequência o surgir dos chamados “falidos ricos”, estes eram
os empresários que apesar de serem declarados insolventes eram possuidores de
um vasto património comum.[6]
A quinta e última razão, está
relacionada com o seu “trunfo” ou também chamada “jóia da coroa”, que é a sua
autonomia patrimonial, apesar desta ter sido reconhecida no próprio Preâmbulo
do Decreto-Lei nº.248/86, bem como ter inclusivamente referências na lei
(artigo 10º, nº.1 e 11º, nº1), a verdade não deixa de ser outra, as inúmeras
excepções admitidas levaram à insegurança dos inúmeros empresários que poderiam
ter interesse em constituir uma EIRL, para sermos sinceros não podemos deixar
de dizer que o regime do EIRL se assemelha em bastantes pormenores à sociedade
em nome colectivo, já que neste último caso é lícito exigir a liquidação da
parte social, bem como a dissolução social, quando os bens pessoais daquele
sejam insuficientes para satisfazer os respectivos créditos (art.183 CSC),
disposições como a do artigo 10ºnº2 que nos diz que se os restantes bens do
titular forem insuficientes, o património responde por qualquer que tenha sido
a dívida que este tenha contraído antes de efectuada a publicação, e tal como a
do artigo 11º nº2, em que o falido tem que responder com todo o seu património,
quando se prove que o principio da separação patrimonial não foi respeitado,
levaram à desconfiança dos empresários, optando estes por um verdadeiro “não”
ao EIRL, sendo certo quem em 2006 apenas 100 empresários num universo que quase
alcança o milhão de unidades se decidiram organizar sob forma de EIRL (apenas
0,0001%) ou seja, um verdadeiro”tiro ao lado” por parte do legislador
português.
Não restou nada mais a fazer por parte
do legislador português senão consagrar em território nacional a sociedade unipessoal,
como uma nova figura da limitação de responsabilidade, seguindo finalmente os
passos da maioria das ordens jurídicas, que se aplicavam a empresários civis e
comerciais ( arts. 270.º - A e ss CSS, que foram introduzidos pelo Decreto-Lei
nº27/96, de 3 de Dezembro).
Passaram os empresários a dispor de
duas vias que lhes permitia a limitação do seu risco, sendo que, a sociedade
unipessoal teve só no seu primeiro mês de vigência mais adesões que o EIRL em
duas décadas, recebendo este último um verdadeiro “golpe de misericórdia”.
Será conveniente referir que, apesar
da escolha certa ser a da adopção da Sociedade Unipessoal por Quotas, não
parece completamente desajustado a instauração de um instituto sob a forma de
património separado. Pelo menos, tendo em conta a pouca receptividade que havia
na altura à sociedade unipessoal, a adopção do EIRL a título experimental não
deve ser considerada escandalosa apesar do seu “fracasso”.
A verdade cruel, é que, o EIRL não se conseguiu
nem se vai conseguir implantar num futuro longínquo na perspectiva empresarial.
Por Rui Aires Pereira
Dezembro de 2013
[2] Sobre a
qualidade de comerciante, vide ANTUNES,
J. Engrácia, O estatuto de Comerciante:
Alguns Problemas de qualificação
[3] Vide
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 8281/2007-1
[4] Sobre as
modalidades e conceitos dos patrimónios separados, vide HÖRSTER, H. Ewald, A
Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil
[5] Para
melhor desenvolvimento vide ANTUNES J. Engrácia em O Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada: Crónica de
uma Morte Anunciada
[6] Para uma
leitura mais técnica, CATARINA SERRA, “As novas sociedades unipessoais por
quotas”, em que se encontrava o principal motivo para o Fracasso do EIRL pelas
aliciantes vantagens fiscais que o EIRL nunca conseguiu igualar as SUQ.
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