É do
conhecimento de todos que, dependendo de determinados factores, os cidadãos têm
a obrigação de pagar impostos, seja porque auferem determinado rendimento, seja
por possuírem determinados bens ou usufruírem de determinados serviços.
O
imposto é, pois, uma prestação patrimonial de carácter definitivo e unilateral,
não reembolsável e sem carácter sancionatório, estabelecida e exigida pela lei
a favor de uma pessoa colectiva de direito público, tendo em vista a realização
de fins públicos de natureza financeira, económica e social. Nos termos da
Constituição da República Portuguesa e da Lei Geral Tributária o objectivo dos
impostos é obter receita para o Estado e contribuir para a redistribuição da
riqueza e a igualdade entre os cidadãos.
Contudo,
actualmente é cada vez mais usual no quotidiano nacional, até pelas fortes
imposições troikianas, aparecerem
situações em que os cidadãos se furtam ao pagamento de impostos e ao
cumprimento das suas obrigações fiscais. É neste âmbito que surgem os conceitos
de evasão e fraude fiscal, que, aliás, podem gerar, no cidadão comum, isento de
conhecimentos técnicos e terminológicos, alguma confusão no que à sua
caracterização diz respeito.
Vejamos,
a evasão fiscal pode ser lícita ou ilícita. A primeira ocorre nas situações em
que os contribuintes utilizam expedientes que fogem à previsão legal das normas
tributárias, realizando negócios jurídicos que escapam às normas de incidência fiscal
ou através de certas práticas contabilísticas que lhes são mais favoráveis.
Estes comportamentos elisivos são possíveis devido à existência do princípio da
tipicidade taxativa a que estão sujeitas as normas tributárias e que não
permite a sua aplicação analógica. Assim, para se subtrair à obrigação fiscal,
ou simplesmente fazer diminuir o montante do tributo a pagar, o contribuinte
utiliza procedimentos não previstos pela letra ou pelo espírito de lei
tributária, de onde pode resultar para ele uma poupança fiscal, com base no
aproveitamento da lacuna da lei e atenta a referida proibição da analogia.
Quanto à
evasão fiscal ilícita, ela surge apenas quando o contribuinte pratica factos
ilícitos e culposos que constituem uma infracção fiscal violadora de normas de incidência.
Já no
que à fraude fiscal diz respeito, os contribuintes procuram realizar a referida
poupança através da chamada evasão fiscal fraudulenta, que é sempre ilícita
porque é contra legem. Aqui, o sujeito
passivo engana directa e intencionalmente a administração tributária, infringindo
as normas vigentes.
Por
último, e apenas para efeitos de distinção terminológica, surge-nos um outro
conceito que poderá “tocar” no núcleo da definição de evasão e fraude fiscal,
mas que depois de analisado se verifica que, pelo seu carácter lícito, ganha
outros contornos. Falamos, pois, do planeamento fiscal. Os denominados actos de
poupança fiscal, aqui os particulares e as empresas procuram pagar menos imposto,
utilizando para o efeito as normas mais apropriadas e adequadas à sua real situação
fiscal, mas sempre dentro do quadro jurídico existente. O planeamento fiscal
não se confunde com a evasão fiscal lícita e ilícita, e muito menos com a
fraude fiscal. Ele constitui um imperativo de racionalidade económica e de boa
gestão comercial, financeira e fiscal. A poupança fiscal é consequentemente um
direito do contribuinte, que assenta no princípio constitucional da liberdade
de iniciativa económica.
Ao agir
licitamente o contribuinte está a planear, baseado no princípio da autonomia da
vontade, os factores que originam a contribuição fiscal e tenta alterá-los de
um modo que lhe é mais favorável. A isto se chama Planeamento Fiscal, uma vez
que os comportamentos do sujeito passivo da relação jurídica tributária são
lícitos.
Concluindo,
logo à partida é perceptível que o principal traço distintivo entre estes
conceitos é o da licitude ou ilicitude da subtração, pelo que iremos centrar
parte do estudo realizado neste trabalho nesse facto, entre outros que se
afigurem relevantes.
Da Evasão Fiscal
Como foi
já referido anteriormente, a evasão fiscal consiste no uso de meios ilícitos
para evitar o pagamento de taxas, impostos e outros tributos.
Ainda
neste âmbito, segundo o Plano de
Combate à Fraude e Evasão Fiscais e Aduaneiras para 2012 e 2014, os métodos de
evasão mais utilizados pelas Pessoas Singulares, são, nomeadamente, a não
entrega da declaração de rendimentos, deduções indevidas (de despesas como
saúde ou educação, por exemplo), mais-valias imobiliárias ou de acções não
declaradas, omissão de rendimentos, etc. No que respeita às pessoas colectivas,
temos a estruturação de operações, irregularidades com preços de transferência,
a não retenção na fonte de ‘fringe benefits' (incentivos dados aos
funcionários, gestores ou administradores, como carro da empresa ou seguro de
saúde), registo de gastos fictícios, a não entrega de retenção na fonte, facturas
falsas, etc. Muitos destes actos evasivos chegam mesmo a consubstanciar fraude
fiscal.
Historicamente,
apesar de já anteriormente o legislador nacional distinguir as infracções
fiscais consoante a sua ilicitude e o grau de culpabilidade envolvido na conduta,
só com o Decreto-Lei nº 433, de 27de Outubro de 1982 se inseriu a figura da
contra-ordenação e se passou a fazer uma distinção criteriosa entre evasão e
fraude fiscal.
Desta
feita, aos ilícitos que, embora não sendo intoleráveis para a ordem jurídica,
não são de uma gravidade tal que mereçam a dignidade penal, é constituído um
processo de contra-ordenação, que poderá culminar na aplicação de uma coima
máxima de € 15.000,00.
Da Fraude Fiscal
Resumidamente,
pode definir-se fraude fiscal como toda a acção ou omissão dolosa destinada a
impedir, reduzir ou retardar o pagamento de uma obrigação tributária. Trata-se,
pois, de um ilícito fiscal penal grave sendo, pois, considerado um crime
fiscal.
O artigo
103º do RGIT dita expressamente que “constituem
fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias,
as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não
liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida
de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis
de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar
por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos
livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou
prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize,
determine, avalie ou controle a matéria colectável; b) Ocultação de factos ou
valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c)
Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza,
quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.”
O nº 2
do referido art. 103º do RGIT dá-nos uma informação importante e que nos
permite desmarcar a sancionabilidade ao nível contra-orednacional e a sua
passagem para o panorama criminal, dizendo que os factos previstos no número 1
do artigo não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a €
15.000,00. Ou seja, só se estivermos perante infracções fiscais superiores a €
15.000,00 as podemos caracterizar de fraude fiscal.
O conceito de Ilicitude no âmbito do Direito Fiscal
Quando
os actos evasivos dos contribuintes são particularmente gravosos, podem ser
passíveis de sanções punitivas de natureza contraordenacional ou mesmo
criminal, com a consequente aplicação de coimas, multas ou penas prisão. As
normas jurídicas em questão têm natureza sancionatória e por isso são
aplicáveis os princípios do Direito Penal. Qualquer atitude ou comportamento do
sujeito passivo que contrarie o estipulado pelo legislador fiscal será
qualificado como um ilícito fiscal.
Desta
forma, para que possamos falar numa infracção fiscal é desde logo necessário
preencher o requisito da ilicitude. Temos, pois de estar perante um
comportamento humano ilícito, em que se negue ou viole os interesses
especificamente contemplados na norma fiscal. Para além disso, o comportamento
tem também de ser típico, ou seja tem obrigatoriamente que resultar de uma
norma fiscal que impõe o dever de agir ou de se abster de certa conduta, cuja
violação será objecto de uma sanção de tipo criminal ou contra-ordenacional. Em
terceiro lugar, temos o requisito da culpa, sendo fundamental para definir a
punibilidade do agente que este tenha agido com culpa.
A
infracção fiscal, emerge assim de um comportamento humano (por acção ou
omissão) negador dos interesses ou valores tutelados pela norma. Essa conduta
humana tem que ser voluntária (imputável à vontade do agente), mas o seu
conteúdo específico é irrelevante. Excluem-se assim do conceito de acção os
actos reflexos e os cometidos em estado de inconsciência. A todas as violações
de é aplicada uma sanção, que difere, em intensidade, conforme a gravidade da
violação e, obrigatoriamente, mediante qual norma se poderá subsumir.
Há uma
questão controvertida nas diversas correntes doutrinárias que estudam o direito
fiscal e que se prende em saber qual o bem jurídico que se visa proteger pelas
normas fiscais sancionatórias, contudo, visa-se primordialmente a defesa da
própria prestação tributária, e consequentemente do património do Estado.
Considerações finais
Caracterizando
os conceitos de evasão e fraude fiscal, podemos dizer que ambos são fenómenos
sociais complexos, e que apesar de serem punidos por lei, estão presentes em
larga escala na grande maioria dos países do mundo e traduzem-se na prática
ilícita de um comportamento, com o fim de evitar, diferir ou diminuir o
cumprimento das obrigações fiscais, designadamente o pagamento de impostos.
Ambas as
situações configuram infracções fiscais, infracções estas que podem ser
divididas em crimes e contra-ordenações (artigo 2.º n.º 2 do RGIT), dependendo
do seu grau de ilicitude, de gravidade e de censurabilidade do comportamento em
causa. Posto isto, os comportamentos praticados pelos sujeitos passivos da
relação jurídica tributária que sejam contrários ao legalmente estipulado subsumem-se
à prática de ilícitos fiscais, que podem revestir a natureza de crime (fraude
fiscal) ou de contra-ordenação (evasão fiscal).
Dito
isto, a principal diferença entre evasão e fraude fiscais prende-se,
essencialmente com o grau de censurabilidade e gravidade que é dado ao
comportamento do contribuinte devedor. É também de acordo com este grau de
censurabilidade que são aplicadas sanções ao infractor, coima, multa ou até
mesmo penas de prisão.
Ao nível
da previsão legal, actualmente está em vigor o Regime Geral das Infracções
Tributárias (Lei 15/2001, de 05 de Junho). Sucintamente, este diploma operou no
ordenamento jurídico português algumas alterações significativas, nomeadamente
através da introdução de novos tipos de crime e de contra-ordenações, da
reformulação da organização judiciária tributária, com um tratamento mais uniforme
e unitário das infracções tributárias, dando mesmo origem a uma simplificação
processual e um reforço das garantias dos contribuintes.
Parece-nos
também que foi inserido um critério misto de distinção dos tipos de infracções
tributárias, baseado não só na alternativa de atitudes dolosas (fraude) ou
meramente culposas (evasão), mas também no relevo quantitativo das infracções.
Só com base na adopção deste critério misto se poderá explicar o actual artigo
103º n.º 2,do RGIT, que determina a qualificação como contra-ordenação de comportamentos
passiveis de serem punidos como fraude fiscal, se a vantagem patrimonial
ilegítima obtida for inferior a € 15.000,00.
Conclusão
Como
vimos, os impostos destinam-se, primordialmente, à obtenção de receitas para a
satisfação das necessidades públicas. Mas constituem, também, um instrumento
fulcral para a redistribuição da riqueza e a promoção da igualdade entre os
cidadãos.
Quem
pratica a evasão e a fraude fiscal está, portanto, a infringir os princípios
fundamentais da igualdade, da legalidade, da justa repartição do rendimento e
da riqueza, da concorrência leal, da solidariedade social e da solidariedade
fiscal.
A evasão
fiscal e numa fase mais gravosa, a fraude fiscal são, pois, dois fenómenos
sociais complexos e presentes na maioria dos países. Este tipo de fraude tem
consequências negativas graves para o desenvolvimento económico, que se prendem
sobretudo com a diminuição da receita pública, mas também ao nível da justiça social
(prejudicando o usufruto de bens públicos, como a saúde e a educação).
Pelo
que, dada a conjunctura actual de crise económica, os Estados têm cada vez mais
a necessidade de estabelecerem mecanismos capazes de operar um combate efectivo
e eficaz a estas condutas infractoras dos constribuintes. A evasão e a fraude
fiscal, podem ser combatidas, designadamente, através da utilização de medidas
preventivas e de polícia fiscal, pelo alargamento de conceitos jurídicos do
direito comum e pela utilização de métodos indirectos e cláusulas antiabuso.
São também fundamentais medidas como o levantamento do segredo bancário, a
flexibilização do sigilo profissional, a troca e o cruzamento de informações
entre os vários sectores da administração tributária e a sedimentação das leis
tributárias, sempre acompanhadas de celeridade na sua aplicação.
Desta
forma, torna-se imperativa a aplicação de algumas destas medidas, não só para
cessar com estes comportamentos mas também para conferir novamente um espírito
de confiança na máquina tributária e também sancionatória do Estado.
Por João Braga Ferreira
Julho de 2013
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