terça-feira, 11 de novembro de 2014

A Evasão e a Fraude Fiscal – Preciosismos Terminológicos






É do conhecimento de todos que, dependendo de determinados factores, os cidadãos têm a obrigação de pagar impostos, seja porque auferem determinado rendimento, seja por possuírem determinados bens ou usufruírem de determinados serviços.

O imposto é, pois, uma prestação patrimonial de carácter definitivo e unilateral, não reembolsável e sem carácter sancionatório, estabelecida e exigida pela lei a favor de uma pessoa colectiva de direito público, tendo em vista a realização de fins públicos de natureza financeira, económica e social. Nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei Geral Tributária o objectivo dos impostos é obter receita para o Estado e contribuir para a redistribuição da riqueza e a igualdade entre os cidadãos.

Contudo, actualmente é cada vez mais usual no quotidiano nacional, até pelas fortes imposições troikianas, aparecerem situações em que os cidadãos se furtam ao pagamento de impostos e ao cumprimento das suas obrigações fiscais. É neste âmbito que surgem os conceitos de evasão e fraude fiscal, que, aliás, podem gerar, no cidadão comum, isento de conhecimentos técnicos e terminológicos, alguma confusão no que à sua caracterização diz respeito.

Vejamos, a evasão fiscal pode ser lícita ou ilícita. A primeira ocorre nas situações em que os contribuintes utilizam expedientes que fogem à previsão legal das normas tributárias, realizando negócios jurídicos que escapam às normas de incidência fiscal ou através de certas práticas contabilísticas que lhes são mais favoráveis. Estes comportamentos elisivos são possíveis devido à existência do princípio da tipicidade taxativa a que estão sujeitas as normas tributárias e que não permite a sua aplicação analógica. Assim, para se subtrair à obrigação fiscal, ou simplesmente fazer diminuir o montante do tributo a pagar, o contribuinte utiliza procedimentos não previstos pela letra ou pelo espírito de lei tributária, de onde pode resultar para ele uma poupança fiscal, com base no aproveitamento da lacuna da lei e atenta a referida proibição da analogia.

Quanto à evasão fiscal ilícita, ela surge apenas quando o contribuinte pratica factos ilícitos e culposos que constituem uma infracção fiscal violadora de normas de incidência.

Já no que à fraude fiscal diz respeito, os contribuintes procuram realizar a referida poupança através da chamada evasão fiscal fraudulenta, que é sempre ilícita porque é contra legem. Aqui, o sujeito passivo engana directa e intencionalmente a administração tributária, infringindo as normas vigentes.

Por último, e apenas para efeitos de distinção terminológica, surge-nos um outro conceito que poderá “tocar” no núcleo da definição de evasão e fraude fiscal, mas que depois de analisado se verifica que, pelo seu carácter lícito, ganha outros contornos. Falamos, pois, do planeamento fiscal. Os denominados actos de poupança fiscal, aqui os particulares e as empresas procuram pagar menos imposto, utilizando para o efeito as normas mais apropriadas e adequadas à sua real situação fiscal, mas sempre dentro do quadro jurídico existente. O planeamento fiscal não se confunde com a evasão fiscal lícita e ilícita, e muito menos com a fraude fiscal. Ele constitui um imperativo de racionalidade económica e de boa gestão comercial, financeira e fiscal. A poupança fiscal é consequentemente um direito do contribuinte, que assenta no princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica.

Ao agir licitamente o contribuinte está a planear, baseado no princípio da autonomia da vontade, os factores que originam a contribuição fiscal e tenta alterá-los de um modo que lhe é mais favorável. A isto se chama Planeamento Fiscal, uma vez que os comportamentos do sujeito passivo da relação jurídica tributária são lícitos.

Concluindo, logo à partida é perceptível que o principal traço distintivo entre estes conceitos é o da licitude ou ilicitude da subtração, pelo que iremos centrar parte do estudo realizado neste trabalho nesse facto, entre outros que se afigurem relevantes.

Da Evasão Fiscal
Como foi já referido anteriormente, a evasão fiscal consiste no uso de meios ilícitos para evitar o pagamento de taxas, impostos e outros tributos.

Ainda neste âmbito, segundo o Plano de Combate à Fraude e Evasão Fiscais e Aduaneiras para 2012 e 2014, os métodos de evasão mais utilizados pelas Pessoas Singulares, são, nomeadamente, a não entrega da declaração de rendimentos, deduções indevidas (de despesas como saúde ou educação, por exemplo), mais-valias imobiliárias ou de acções não declaradas, omissão de rendimentos, etc. No que respeita às pessoas colectivas, temos a estruturação de operações, irregularidades com preços de transferência, a não retenção na fonte de ‘fringe benefits' (incentivos dados aos funcionários, gestores ou administradores, como carro da empresa ou seguro de saúde), registo de gastos fictícios, a não entrega de retenção na fonte, facturas falsas, etc. Muitos destes actos evasivos chegam mesmo a consubstanciar fraude fiscal.

Historicamente, apesar de já anteriormente o legislador nacional distinguir as infracções fiscais consoante a sua ilicitude e o grau de culpabilidade envolvido na conduta, só com o Decreto-Lei nº 433, de 27de Outubro de 1982 se inseriu a figura da contra-ordenação e se passou a fazer uma distinção criteriosa entre evasão e fraude fiscal.

Desta feita, aos ilícitos que, embora não sendo intoleráveis para a ordem jurídica, não são de uma gravidade tal que mereçam a dignidade penal, é constituído um processo de contra-ordenação, que poderá culminar na aplicação de uma coima máxima de € 15.000,00.

Da Fraude Fiscal
Resumidamente, pode definir-se fraude fiscal como toda a acção ou omissão dolosa destinada a impedir, reduzir ou retardar o pagamento de uma obrigação tributária. Trata-se, pois, de um ilícito fiscal penal grave sendo, pois, considerado um crime fiscal.

O artigo 103º do RGIT dita expressamente que “constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.”

O nº 2 do referido art. 103º do RGIT dá-nos uma informação importante e que nos permite desmarcar a sancionabilidade ao nível contra-orednacional e a sua passagem para o panorama criminal, dizendo que os factos previstos no número 1 do artigo não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15.000,00. Ou seja, só se estivermos perante infracções fiscais superiores a € 15.000,00 as podemos caracterizar de fraude fiscal.

O conceito de Ilicitude no âmbito do Direito Fiscal
Quando os actos evasivos dos contribuintes são particularmente gravosos, podem ser passíveis de sanções punitivas de natureza contraordenacional ou mesmo criminal, com a consequente aplicação de coimas, multas ou penas prisão. As normas jurídicas em questão têm natureza sancionatória e por isso são aplicáveis os princípios do Direito Penal. Qualquer atitude ou comportamento do sujeito passivo que contrarie o estipulado pelo legislador fiscal será qualificado como um ilícito fiscal.

Desta forma, para que possamos falar numa infracção fiscal é desde logo necessário preencher o requisito da ilicitude. Temos, pois de estar perante um comportamento humano ilícito, em que se negue ou viole os interesses especificamente contemplados na norma fiscal. Para além disso, o comportamento tem também de ser típico, ou seja tem obrigatoriamente que resultar de uma norma fiscal que impõe o dever de agir ou de se abster de certa conduta, cuja violação será objecto de uma sanção de tipo criminal ou contra-ordenacional. Em terceiro lugar, temos o requisito da culpa, sendo fundamental para definir a punibilidade do agente que este tenha agido com culpa.

A infracção fiscal, emerge assim de um comportamento humano (por acção ou omissão) negador dos interesses ou valores tutelados pela norma. Essa conduta humana tem que ser voluntária (imputável à vontade do agente), mas o seu conteúdo específico é irrelevante. Excluem-se assim do conceito de acção os actos reflexos e os cometidos em estado de inconsciência. A todas as violações de é aplicada uma sanção, que difere, em intensidade, conforme a gravidade da violação e, obrigatoriamente, mediante qual norma se poderá subsumir.

Há uma questão controvertida nas diversas correntes doutrinárias que estudam o direito fiscal e que se prende em saber qual o bem jurídico que se visa proteger pelas normas fiscais sancionatórias, contudo, visa-se primordialmente a defesa da própria prestação tributária, e consequentemente do património do Estado.

Considerações finais
Caracterizando os conceitos de evasão e fraude fiscal, podemos dizer que ambos são fenómenos sociais complexos, e que apesar de serem punidos por lei, estão presentes em larga escala na grande maioria dos países do mundo e traduzem-se na prática ilícita de um comportamento, com o fim de evitar, diferir ou diminuir o cumprimento das obrigações fiscais, designadamente o pagamento de impostos.

Ambas as situações configuram infracções fiscais, infracções estas que podem ser divididas em crimes e contra-ordenações (artigo 2.º n.º 2 do RGIT), dependendo do seu grau de ilicitude, de gravidade e de censurabilidade do comportamento em causa. Posto isto, os comportamentos praticados pelos sujeitos passivos da relação jurídica tributária que sejam contrários ao legalmente estipulado subsumem-se à prática de ilícitos fiscais, que podem revestir a natureza de crime (fraude fiscal) ou de contra-ordenação (evasão fiscal).
Dito isto, a principal diferença entre evasão e fraude fiscais prende-se, essencialmente com o grau de censurabilidade e gravidade que é dado ao comportamento do contribuinte devedor. É também de acordo com este grau de censurabilidade que são aplicadas sanções ao infractor, coima, multa ou até mesmo penas de prisão.

Ao nível da previsão legal, actualmente está em vigor o Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei 15/2001, de 05 de Junho). Sucintamente, este diploma operou no ordenamento jurídico português algumas alterações significativas, nomeadamente através da introdução de novos tipos de crime e de contra-ordenações, da reformulação da organização judiciária tributária, com um tratamento mais uniforme e unitário das infracções tributárias, dando mesmo origem a uma simplificação processual e um reforço das garantias dos contribuintes.
Parece-nos também que foi inserido um critério misto de distinção dos tipos de infracções tributárias, baseado não só na alternativa de atitudes dolosas (fraude) ou meramente culposas (evasão), mas também no relevo quantitativo das infracções. Só com base na adopção deste critério misto se poderá explicar o actual artigo 103º n.º 2,do RGIT, que determina a qualificação como contra-ordenação de comportamentos passiveis de serem punidos como fraude fiscal, se a vantagem patrimonial ilegítima obtida for inferior a € 15.000,00.

Conclusão
Como vimos, os impostos destinam-se, primordialmente, à obtenção de receitas para a satisfação das necessidades públicas. Mas constituem, também, um instrumento fulcral para a redistribuição da riqueza e a promoção da igualdade entre os cidadãos.

Quem pratica a evasão e a fraude fiscal está, portanto, a infringir os princípios fundamentais da igualdade, da legalidade, da justa repartição do rendimento e da riqueza, da concorrência leal, da solidariedade social e da solidariedade fiscal.

A evasão fiscal e numa fase mais gravosa, a fraude fiscal são, pois, dois fenómenos sociais complexos e presentes na maioria dos países. Este tipo de fraude tem consequências negativas graves para o desenvolvimento económico, que se prendem sobretudo com a diminuição da receita pública, mas também ao nível da justiça social (prejudicando o usufruto de bens públicos, como a saúde e a educação).

Pelo que, dada a conjunctura actual de crise económica, os Estados têm cada vez mais a necessidade de estabelecerem mecanismos capazes de operar um combate efectivo e eficaz a estas condutas infractoras dos constribuintes. A evasão e a fraude fiscal, podem ser combatidas, designadamente, através da utilização de medidas preventivas e de polícia fiscal, pelo alargamento de conceitos jurídicos do direito comum e pela utilização de métodos indirectos e cláusulas antiabuso. São também fundamentais medidas como o levantamento do segredo bancário, a flexibilização do sigilo profissional, a troca e o cruzamento de informações entre os vários sectores da administração tributária e a sedimentação das leis tributárias, sempre acompanhadas de celeridade na sua aplicação.

Desta forma, torna-se imperativa a aplicação de algumas destas medidas, não só para cessar com estes comportamentos mas também para conferir novamente um espírito de confiança na máquina tributária e também sancionatória do Estado.




Por João Braga Ferreira


Julho de 2013


Sem comentários:

Enviar um comentário