O contrato de agência
A
definição de contrato de agência encontra-se prevista no artigo 1.º do
Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, assim como todo o regime que se aplicará
ao mesmo contrato de agência. O diploma referido supra foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, que
transpôs para a legislação nacional portuguesa a Diretiva n.º 86/653/CEE do
Conselho.
A
previsão normativa da existência de tal contrato surgiu aquando do começo da revolução
industrial, no Século XIX, que veio massificar a produção industrial de
determinados bens, que necessitariam de ser comercializados não só nas áreas
circundantes dos locais onde eram produzidos, mas também em mercados diferentes
e diversificados, onde os produtores necessitavam então de pessoas em quem
poderiam confiar a tarefa de expor, publicitar e vender os seus produtos, em
seu nome. E é assim que surge a necessidade da previsão de um contrato como o
contrato de agência.
Contrato
de agência será então aquele contrato no qual o agente, uma das partes no
contrato, se obriga contratualmente a promover, por conta do principal – a
outra parte no contrato – contratos numa zona delimitada, com determinados
clientes, de modo autónomo, duradouro e estável, mediante o pagamento de uma
retribuição, por parte do principal[1].
Analisada
a definição de contrato de agência, cumpre pois agora referir e analisar quais
serão os elementos essenciais dessa mesma definição. Em primeiro lugar, é
elemento essencial do contrato de agência a obrigação, para o agente, de
realmente promover contratos, que visem beneficiar o principal no contrato
de agência. Por outro lado, e também enquanto elemento essencial do contrato de
agência, cumpre referir que o agente atua, por via de regra[2], por
conta do principal no contrato de agência. Serão também elementos
essenciais a maneira autónoma como o agente desempenha a prestação a que
se encontra vinculado[3], o pagamento
da retribuição pelo principal como contraprestação da atividade do agente,
assim como a duração e carácter estável do vínculo que une ambas as
partes[4].
Entendem-se ainda como elementos essenciais do contrato de agência a delimitação
da área ou do público-alvo sobre os quais incidirá a atuação do agente, e
por fim o carácter exclusivo que reveste a atividade que o agente presta
numa determinada zona ou grupo de pessoas – alguns destes elementos podem ser
restringidos, como por exemplo o carácter exclusivo como o agente desempenha a
sua atividade, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 178/86, e respetiva
alteração.
Atentando
na forma que o contrato de agência deve revestir, deparamo-nos neste caso com o
princípio da consensualidade, que estipula que para efeitos de validade do
contrato, não é exigível qualquer forma, vigorando o princípio da liberdade de
forma na celebração do contrato. No entanto, o artigo 1.º, número 2 do
Decreto-Lei n.º 178/86, pela redação que lhe foi conferida pelo aditamento do
Decreto-Lei n.º 118/93, estipula que sem prejuízo da liberdade de forma, o
agente ou o principal, no contrato de agência, podem exigir um documento
assinado que comprove o contrato de agência, e de onde constarão a função do
agente e do principal no contrato assinado, assim como quaisquer modificações e
aditamentos que tenham surgido já na vigência do contrato. No entanto, para
determinados elementos do contrato de agência, é exigível a forma escrita[5].
Por fim,
cumpre referir que ambas as partes no contrato de agência têm determinados
direitos e deveres, que se encontram previstos nos artigos 6.º a 20.º do
Decreto-Lei n.º 178/86, de onde constam, nomeadamente, a prossecução, de
boa-fé, por parte do agente, das suas atividades em favor do principal – artigo
6.º do Decreto-Lei n.º 178/86 -, assim como a obrigação do principal fornecer
ao agente determinados elementos que se afigurem necessários para que este
último exerça corretamente a sua atividade no âmbito do contrato de agência[6] - artigo
13.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 178/86.
A indemnização de clientela no contrato de agência
A figura
da indemnização de clientela encontra-se prevista nos artigos 33.º e 34.º do
Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei
n.º 118/93 de 13 de Abril que, como anteriormente referi, procedeu à
transposição, para a ordem jurídica portuguesa, da Diretiva n.º 86/653/CEE do
Conselho.
Ora, tal
transposição aditou preceitos no que à indemnização de clientela diz respeito,
que vieram complementar o prévio regime que a tal se dedicava[7], assim
como alterou o texto relativo ao cálculo de tal indemnização, colocando limites
ao cálculo da mesma[8].
Assim, a
indemnização de clientela será uma compensação, paga pelo principal no contrato
de agência, ao agente comercial, findo o vínculo contratual de agência, pelo
facto de este último, na vigência do contrato, ter através da realização da sua
atividade, proporcionado benefícios para a outra parte, através da angariação
de novos clientes para o principal, assim como da promoção de novos negócios
jurídicos com clientes, que aumentem os benefícios do principal.
A figura
da indemnização de clientela assume-se de importância vital no regime relativo
aos contratos de agência, pois visa a proteção dos agentes após a cessação do
contrato, algo atípico diga-se, pois que não existem muitos outros regimes que
garantam, findo o vínculo contratual, que aquele que dele beneficiou, seja
ainda compensado pela outra parte.
Alerto
para o facto de existir uma diferença significativa entre a indemnização da
clientela e outras figuras que, embora se possam com ela confundir, seguem
regimes diferentes, assim como têm naturezas jurídicas e pressupostos variados.
Refiro aqui, a título exemplificativo, as figuras previstas nos artigos 32.º,
números 1 e 2, de indemnização por danos que resultem do não cumprimento do
contrato e da indemnização resultante da resolução do contrato devido a factos
supervenientes que afetem gravemente o propósito do contrato de agência, respetivamente,
assim como do direito à comissão que se deve findo o vínculo contratual de
agência[9] e da
compensação proveniente da obrigação de não concorrência[10].
No entanto, pela extensão que a análise de tais figuras assumiria, não irei
desenvolvê-la.
Passemos
então à análise da figura em mérito.
Aparecimento da figura da indemnização de clientela em
Portugal
Podemos
distinguir dois diferentes momentos no que diz respeito ao aparecimento de tal
figura em Portugal, que se referem ao tratamento legislativo primeiro da
figura, assim como a primeira vez em que um Tribunal Estadual a esta se
referiu.
A nível
legislativo, e como supra foi já
referido, a indemnização de clientela surgiu conjuntamente com o restante
regime relativo ao contrato de agência, através do Decreto-Lei n.º 178/86, nos
seus artigos 33.º e 34.º. Tal previsão legislativa deveu-se ao trabalho realizado
por António Pinto Monteiro[11], que após
a realização de um estudo de direito comparado da figura da indemnização da
clientela no âmbito europeu, optou pelo modelo alemão de fundamentação da
figura para o seu anteprojeto – a indemnização existe pois o agente angariou
clientes para a outra parte no contrato de agência, e por tal deve ser
compensado – opção essa que foi em idênticos termos tida em consideração na
vontade do legislador nacional.
No que à
jurisprudência diz respeito, o aparecimento da figura em mérito deve-se ao
Acórdão de 7 de Março de 1969, do Supremo Tribunal de Justiça, por aplicação do
artigo 245.º do Código Comercial, relativo ao contrato de mandato comercial,
que se considerou aplicável via analogia, ao contrato de agência.
Natureza jurídica da indemnização de clientela
De entre
várias posições e teses doutrinais que existem relativamente à natureza
jurídica da figura em análise, refiram-se a título exemplificativo a tese da
retribuição diferida, da função assistencial, da indemnização por antiguidade e
da propriedade incorpórea, irei apenas expor e analisar a posição adotada por
Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[12].
Segundo
o autor, a natureza jurídica da indemnização de clientela enquadra-se no
instituto do enriquecimento sem causa, já que a função da compensação se deverá
ao enriquecimento sem causa do principal, com quem o agente celebrou o contrato
de agência. Contrariamente a tal posição doutrinária, refira-se o argumento que
se baseia no facto de tal enriquecimento, do principal, não ser “sem causa”,
por via do prévio contrato de agência que legitimará tais benefícios. No
entanto, o argumento é deitado por terra já que a indemnização de clientela tem
previsão legislativa, pelo que o contrato de agência não será fundamento
jurídico para que o principal nesse mesmo contrato se aproprie de tais
benefícios.
Assim
sendo, tem que ser a indemnização de clientela inserida em uma das três diferentes
categorias de enriquecimento sem causa[13],
pelo que a inserirei na categoria de enriquecimento sem causa por prestação.
De
facto, e indo de encontro à opinião de autores como Canaris e Luís Menezes
Leitão, a indemnização de clientela proveniente de um contrato de agência deve
a sua existência ao facto de existir um desnível e desequilíbrio de carácter
patrimonial resultante do facto de o agente ter praticado determinada prestação[14], como o
é, nomeadamente, a angariação de clientes para o principal, e após a cessação
do vínculo contratual, a outra parte no agora extinto contrato de agência, continuar
a ver o seu património a crescer, por força de tal prestação, já que, a título
exemplificativo, os clientes angariados pelo agente continuarão a celebrar
contratos com o principal. Deste modo, a prestação do agente deve ser
compensada pela outra parte no contrato de agência, via indemnização de
clientela, já que a extinção do contrato de agência, um contrato de carácter
duradouro por via de regra, não impedirá que as ações do agente na sua vigência
produzam mais-valias na esfera jurídica da outra parte no contrato, ao passo
que o primeiro deixou de auferir as comissões que durante a vigência do
contrato de agência recebia, verificando-se pois um claro desequilíbrio
patrimonial entre as partes. Deste modo, deverá o agente ser indemnizado, nos
termos dos artigos 33.º e 34.º do Decreto-Lei n.º 178/86.
Pressupostos da indemnização de clientela
No que
aos pressupostos materiais da figura em mérito diz respeito, há que analisar
atentamente o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, assim como o aditamento
feito pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril. Tais pressupostos, que ora me
proponho a analisar, são pressupostos materiais da atribuição da indemnização
de clientela ao agente, por contraposição ao pressuposto formal que é a
cessação do contrato de agência, que analisarei infra.
Assim,
serão três os pressupostos da indemnização de clientela, previstos nas alíneas
do artigo 33.º, número 1, dos diplomas em análise.
Começando
por referir a alínea a) do artigo mencionado, será pressuposto material da
indemnização de clientela o facto de o agente ter angariado novos clientes
para o principal no contrato de agência, assim como ter aumentado
substancialmente o volume de negócios com outros clientes já existentes.
Ora, Carlos Barata[15] tem
entendido o primeiro facto como uma “transferência
de clientela”, já que o principal no contrato de agência tem os respetivos
clientes devido a ações e prestações do agente, no âmbito do contrato,
beneficiando então economicamente de tal situação, independentemente da via
utilizada, pelo agente, para tal aumento do volume de negócios[16]. Alguns
autores, como Carolina Cunha, entendem que independentemente do real acréscimo
do volume negocial do principal no contrato de agência, a angariação de novos
clientes pelo agente bastará para que seja preenchido este pressuposto. No
entanto, tal preenchimento deve sempre resultar, de facto, de uma prestação do
agente, ainda que concorrendo com outros fatores[17].
No que ao aumento de negócios diz respeito, tal poderá ser facilmente
comprovado através da análise da qualidade e quantidade de contratação com os
antigos clientes[18] antes e
depois da celebração do contrato de agência. Tal aumento tem que ser substancial,
ou seja, há que preencher este conceito indeterminado, que Luís Menezes Leitão[19] preenche
referindo que o aumento substancial deve ser equiparado, para efeitos de
indemnização de clientela, à angariação de novos clientes, e dos benefícios que
daí resultem para o principal no contrato de agência. No que à angariação de
novos clientes concerne, António Pinto Monteiro entende que apenas clientes
estáveis, duradouros – por contraposição aos ocasionais – relevam para a
atribuição da indemnização de clientela ao agente, por apenas estes garantirem,
findo o contrato de agência, a continuação da obtenção de benefícios pelo
principal[20]. Por
outro lado, os clientes angariados pelo agente, para efeitos de indemnização de
clientela, não podem ter tido qualquer relação a nível comercial com a outra
parte no contrato de agência[21]. No
entanto, considerar-se-ão para efeitos da figura em mérito os clientes que, por
ação do agente, voltem a contratar com o principal, assim como aqueles que o
agente transfira de uma sua prévia relação contratual de agência, mas com outra
parte principal. No que à utilização de terceiros, por parte do agente, para a
angariação de clientes diz respeito, apenas caso estes possuam uma força, um
poder especial sobre os novos clientes, que os possa persuadir a contratar com
o principal no contrato de agência, serão tidos em conta para efeitos da
compensação em análise. No entanto, tal afigura-se dificilmente comprovável por
parte do agente.
No que
concerne à alínea b) do artigo supra
mencionado, esta refere como pressuposto da atribuição da indemnização de
clientela a existência de benefício considerável para o principal no
contrato de agência, após a cessação deste, que se deva a atividade do agente,
que constitui fundamento essencial da figura em análise, pois após o término do
vínculo contratual de agência, o principal arrecadará benefícios que se devem à
atuação do agente, durante a vigência do contrato. Os benefícios que a outra
parte no contrato de agência obtém devem ser consideráveis, ou seja, carecem de
possuir uma elevada dimensão da esfera jurídica do principal. Ora, tal dimensão
existe enquanto este último mantiver os clientes e com eles contratar, sempre
tendo em conta um juízo comparativo entre os negócios que o principal celebrava
antes e depois de contratar com o agente. Surgem dois problemas no que à
análise deste pressuposto diz respeito, que se prendem em primeiro lugar com o
facto de ser de difícil apuramento o valor dos benefícios que o principal
obteve no âmbito do contrato de agência – os benefícios geralmente ocorrem no
futuro, pelo que é necessário realizar uma previsão acerca da existência e
dimensão desses mesmos benefícios -, e em segundo lugar com a possibilidade de
existir alienação da empresa para quem o agente prestava a sua atividade. Nesta
segunda complicação, parece-me que tendo em conta a análise do primeiro
pressuposto da alínea a) do número 1 do artigo 33.º do Diploma em mérito, na
parte relativa à angariação de novos clientes para o principal, caso os clientes
que estão à disposição do adquirente sejam estáveis, o alienante – que
previamente contratou com o agente – no âmbito da transferência da empresa,
deverá compensar o agente na modalidade de indemnização de clientela, pois o
valor recebido devido à alienação da empresa teve necessariamente em conta os
clientes que o agente adquiriu para o principal.
Por fim,
analisando a alínea c) do artigo em estudo, será pressuposto da figura em
análise o facto de o agente deixar de receber quantias remuneratórias que se
devam a contratos negociados ou concluídos, cessado que esteja o contrato de
agência, com os novos clientes por ele angariados. Neste ponto mais uma vez
é obrigatoriamente realizado um juízo previsível daquelas que seriam as
remunerações[22] –
avaliadas no seu valor bruto, não relevando qualquer custo que o agente tenha
tido devido à celebração dos contratos - do agente caso o contrato de agência
não tivesse cessado, em virtude de negócios celebrados entre o principal e os
clientes pelo agente angariados – e apenas estes. Há que prever em que medida e
quantidade o agente receberia a sua normal retribuição no âmbito do contrato de
agência, fruto dos contratos celebrados entre o principal e os novos clientes[23].
Parece-me claro que o agente apenas se poderá fazer valer do preenchimento
deste pressuposto em relação a contratos futuros, ou ainda caso não venha a
receber as comissões a que tem direito, no que diz respeito a contratos
previamente por ele negociados, mas não concluídos antes da cessação do
contrato de agência, comissão essa que vem prevista no artigo 16.º, número 3,
do Decreto-Lei n.º 178/86, e que apenas será atribuída caso se prove que foi o
agente a negociar os contratos, ou que tal conclusão se deva essencialmente à
sua atividade no âmbito do contrato de agência. Poderá preencher-se ainda o
pressuposto caso o agente não receba a totalidade das comissões a que teria
direito caso o contrato de agência se mantivesse válido – veja-se os artigos
16.º número 1 e 18.º número 1 do Decreto-Lei n.º 178/86.
Relação existente entre a cessação do contrato de agência
e a indemnização de clientela
Será de
realçar neste artigo que em matéria de cessação do contrato podemos deparar-nos
com duas diferentes situações: a efetiva cessação do contrato de agência, e
aquelas situações em que não se pode falar de verdadeira cessação do contrato de
agência - diga-se os casos de verdadeira extinção parcial do contrato, da
invalidade do mesmo, assim como da sua substituição por outro tipo de contrato[24].
Numa
breve referência em relação a estes segundos casos, é possível referir-se que aquando
de uma situação de extinção parcial do contrato - através da redução da área
geográfica de atuação do agente, ou da redução do círculo de clientes do agente[25] – e
apenas nestas situações, será devida indemnização de clientela ao agente,
embora tal questão suscite grande discussão doutrinária[26].
Por outro lado, em relação a questões de invalidade ou substituição, por outro,
do contrato de agência, desde que o agente tenha efetivamente proporcionado
benefícios para o principal, no âmbito do contrato de agência, será devida
indemnização de clientela ao agente, por preenchimento dos pressupostos
analisados supra, assim como devido ao facto de se verificar extinto o contrato
de agência, de onde provém o direito a tal compensação[27].
No que
diz respeito à cessação efetiva do contrato de agência, cumpre referir que a
indemnização de clientela não será passível de ser atribuída ao agente durante
a vigência do contrato de agência, pelo que a respetiva cessação será
pressuposto essencial da atribuição de tal compensação ao agente. Deste modo,
alguns autores[28] entendem
que a cessação do contrato de agência será um pressuposto de cariz formal da
figura em mérito, que aparece em situação de paridade em relação aos
pressupostos do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, sendo então esta
cessação facto constitutivo do direito à indemnização de clientela[29]. Assim
sendo, a figura da indemnização de clientela seguirá, durante a vigência do
contrato de agência, o regime aplicável aos créditos futuros[30], sendo
que findo tal vínculo contratual o agente poderá a ela renunciar, ou apenas
alterá-la, em seu próprio prejuízo, já que aquando da cessação do contrato de
agência deixa de ser parte mais fraca na relação contratual, pelo que a lei
entende que poderá optar por tais soluções.
A título
de garantias do direito à compensação que aqui analiso, o artigo 35.º do
Decreto-Lei n.º 178/86 vem atribuir ao agente direito de retenção sobre “objectos e valores” que detenha em
virtude do contrato, assim como será possível, a título de garantia da
atribuição do direito de indemnização de clientela, a utilização da figura da compensação
com eventuais montantes em dívida que o agente tenha para com o principal, por
preenchimento dos pressupostos do artigo 847.º do Código Civil[31].
Cálculo da indemnização de clientela
Para a
análise do cálculo da indemnização de clientela temos que nos socorrer da
leitura do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 178/86, e das alterações a este
artigo protagonizadas pela entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 118/93.
O artigo
estabelece dois importantes aspetos a ter em conta aquando do cálculo da
indemnização de clientela. Em primeiro lugar, esta deverá ser fixada segundo
critérios de equidade. Em segundo lugar, o montante indemnizatório nunca poderá
exceder os limites previstos no artigo em análise.
Comecemos
pelo aspeto da equidade. Equidade significa, em sentido lato, a justiça
do caso concreto, pelo que o montante calculado com base na equidade deve ter
sempre em conta o caso específico daquele próprio contrato de agência, assim
como deverá sempre respeitar e não extravasar qualquer dos pressupostos
analisados supra, das alíneas a) a c) do número 1 do artigo 33.º do Decreto-Lei
n.º 178/86. O montante indemnizatório deve então ser fixado entre o valor dos
benefícios que o principal continua a obter, findo o contrato de agência, por atividade
do agente, e o valor daquilo a que o agente deixará de ter direito por efeito
da cessação do contrato de agência, tendo em conta sempre um juízo de previsão
acerca da duração da relação que existe entre o principal e os seus novos
clientes, assim como a chamada “taxa de
migração”[32] dos
mesmos – só assim será possível apurar de forma mais precisa os ganhos e perdas
futuros que acima referi. No entanto, a remissão para a equidade para efeitos
de cálculo da indemnização poderá fazer com que tal montante varie devido a
inúmeros fatores, como por exemplo a taxa de juros aplicável ao mercado – no
que diz respeito à taxa de juros que o agente iria receber nas suas comissões,
caso o contrato de agência permanecesse em vigor -, ou descontos que o
principal tenha feito para a segurança social por conta do agente, ou ainda no
que diga respeito a infrações cometidas por parte do agente enquanto o contrato
de agência produzia os seus efeitos, a despesas que o principal teve para que o
agente desenvolvesse mais eficazmente a sua atividade – nenhuma destas
variáveis poderá deixar de ser tida em consideração no cálculo da indemnização
que aqui analiso.
Analisando
agora o limite máximo do montante indemnizatório, este foi imposto pela
transposição da Diretiva n.º 86/653/CEE do Conselho, e vem apenas traduzir o
montante máximo a que poderá ter direito o agente, e não a um valor que este
automaticamente receberá – já que a remissão para a equidade obriga a que se
proceda a ajustes e previsões acerca do montante a que este terá direito.
Assim, como montante máximo temos o valor equivalente a uma indemnização anual
– que se calcula através da média anual da retribuição do agente nos cinco anos
anteriores -, ou então a uma indemnização pelo tempo de vigência do contrato de
agência, a média das retribuições nesse período – caso o contrato tenha duração
inferior a um ano. É importante desde logo sublinhar que se o contrato de
agência não tiver chegado a um ano de duração, o limite máximo aplicar-se-á à
remuneração auferida pelo agente durante a vigência do contrato, e não anual,
pois tal limite configuraria uma quantia que o principal não seria obrigado a
pagar, no que se refere ao excedente existente entre a duração do contrato de
agência e doze meses. Refere o artigo 34.º do Diploma em análise que se tem em
conta as remunerações do agente, onde se incluem desde logo as comissões por
este recebidas, no que respeita a contratos negociados e já concluídos. Entende
a maioria da doutrina que tal limite máximo deve ter em conta o valor bruto das
remunerações auferidas pelo agente, já que não faria sentido ter em linha de
conta outros gastos do agente.
Casos em que não existe direito à indemnização de clientela
– factos impeditivos e extinção do direito
Existirão
situações em que o agente, mesmo verificados os pressupostos supra referidos e analisados, não terá
direito à atribuição da indemnização de clientela por cessação do contrato de
agência. Estamos pois perante dois tipos de situações, neste caso: ou factos
impeditivos da existência de tal compensação em relação ao agente, ou casos em
que ocorrerá a extinção de tal direito.
Começando
então a análise pelos factos impeditivos de atribuição da indemnização
em estudo ao agente, encontram-se previstos no número 3 do artigo 33.º do
Decreto-Lei n.º 178/86, que foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 118/93. Estes
podem consistir, desde logo, no facto de o contrato de agência ter cessado
por factos que sejam imputáveis ao próprio agente. Quanto a este ponto,
existe controvérsia na doutrina nacional, já que se afirma que a figura da
indemnização de clientela tem carácter compensatório, e nunca sancionatório,
pelo que não fará sentido a existência deste facto impeditivo de compensação do
agente[33]. Ocorre
ainda que o conceito de factos que sejam “imputáveis
ao agente” carece de ser preenchido jurídica e factualmente, por conceito
indeterminado que é. Poderão então constituir razões imputáveis ao agente o não
cumprimento das suas obrigações contratuais na vigência do contrato de agência
– e não em situações em que já tenha sido dado, pelo principal no contrato de
agência, o pré-aviso de denúncia do mesmo -, assim como a denúncia pelo próprio
agente do contrato, desde que não motivada por impossibilidade de continuar a
prestar a sua atividade[34], ou a
oposição à renovação do contrato de agência, caso este se renove de modo automático
findo determinado prazo, ou ainda a insolvência[35]
do próprio agente. Não se inclui nos factos impeditivos da atribuição da
indemnização o acordo revogatório entre ambas as partes, já que a iniciativa da
cessação do contrato de agência será mútua, assim como a morte do agente, já
que o número 2 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 garante a existência do
direito de exigir a indemnização da clientela por parte dos herdeiros do
agente. Situação controversa será aquela em que o contrato de agência cesse
devido a factos imputáveis ao subagente, como o não cumprimento das obrigações,
pelo que nestas situações se aplicará o artigo 800.º do Código Civil, situação
em que o agente será responsabilizado pelos atos dos seus subagentes, e não
será possível atribuir indemnização de clientela ao primeiro[36]. Por
outro lado, também a cessão da posição contratual do agente constituirá
facto impeditivo de atribuição de indemnização de clientela ao mesmo, já que
este terá já recebido uma devida compensação pela angariação de clientes que
efetuou, pelo que se encontra já o objetivo da indemnização de clientela
cumprido. Interessa aqui entender se o cessionário terá, posteriormente, direito
à indemnização de clientela, por se encontrar na posição contratual do agente,
em relação ao principal no contrato de agência – parece que tal não poderá
acontecer, por falta de preenchimento de pressupostos materiais do artigo 33.º
número 1 do Decreto-Lei n.º 178/86[37].
Por fim,
e no que à extinção do direito à indemnização de clientela diz respeito,
cumpre atentar no artigo 33.º número 4 dos Diplomas em mérito, que se refere ao
prazo de prescrição do direito, estipulando esse mesmo prazo em um ano para o
agente, ou respetivos herdeiros, comunicarem a intenção de receber a compensação
em estudo, ou interporem ação judicial para o efeito também no prazo de um ano
a contar de tal comunicação. O prazo será contado nos termos gerais do Código
Civil, vistas as regras do artigo 279.º do Código Civil, e não interrompe ou
suspende nos casos dos artigos 318º e 323.º e seguintes do Código Civil. Apenas
começará a contar na data da real cessação do contrato, com efeitos jurídicos.
Aplicar-se-ão, na opinião de alguns autores[38],
as regras da caducidade por força da aplicação do artigo 298.º número 2, sendo
que no entanto não pode o Tribunal conhecer, a título oficioso, da caducidade[39].
Janeiro de 2014
Por João Nuno Barros
[1] Cfr. o artigo 1.º do
Decreto-Lei n.º 178/89 de 3 de Julho.
[2]A exceção existirá quando forem
conferidos, ao agente, pelo principal, poderes de representação.
[3] Não estamos na presença de um
regime contratual em que uma das partes se encontra subordinada ou numa
dependência a nível de estrutura ou de função, em relação a outra.
[4] Regra geral o contrato de
agência é um contrato duradouro, já que irão ambas as partes beneficiar de tal
alargamento temporal.
[5] Veja-se, a título de exemplo,
a obrigatoriedade de constar em documento escrito a autorização dada pelo
principal ao agente para cobrar os seus créditos – artigo 3.º número 1 do
Decreto-Lei n.º 178/86 -, ou o acordo escrito previsto no artigo 4.º do
Decreto-Lei n.º 118/93.
[6] Entre outros deveres e direitos
do agente, que se encontram previstos, respetivamente, nos artigos 6.º a 11.º e
12.º a 20.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho.
[7] Diga-se os números 3 e 4 do
artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho.
[8] Veja-se o artigo 34.º do Decreto-Lei
n.º 178/86 de 3 de Julho.
[9] Cfr. artigo n.º 16.º, número 3
do Decreto-Lei n.º 178/86.
[10] Cfr. artigo n.º 13.º, alínea g)
do Decreto-Lei n.º 178/86.
[11] “Contrato de agência (anteprojeto)”,
BMJ 360, ano de 1986.
[12] “A Indemnização de Clientela no
Contrato de Agência”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, 2006, Almedina,
página 95 e seguintes.
[13] Como o são o enriquecimento por
intervenção, por despesas ou por prestação.
[14] Ainda o contrato de agência não
havia cessado.
[15] Ver “Sobre o contrato de
Agência”, Carlos Barata, ano de 1991, Almedina, página 91.
[16] Tal entendimento é suportado
jurisprudencialmente, através dos Acórdãos de 27 de Junho de 1995 do Tribunal
da Relação do Porto e de 7 de Outubro de 1993 do Tribunal da Relação de Lisboa.
[17] A título exemplificativo, os
produtos disponibilizados pelo principal podem ser muito atrativos para os clientes
em geral, sendo que tal fator não elimina o nexo causal existente entre a
prestação do agente e a angariação de novos clientes, mas antes dela é complementar.
[18] Quer o aumento da quantidade de
negócios celebrados, assim como da sua qualidade, trazem benefícios ao
principal.
[19] “A Indemnização de Clientela no
Contrato de Agência”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, 2006, Almedina,
página 51.
[20] Veja-se a alínea b) do número
1 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86.
[21] Releva a utilização da
expressão “novos” na alínea a) do
artigo em análise.
[22] Ou, diga-se, comissões.
[23] Nos termos do artigo 33.º,
número 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 178/86.
[24] Contrato de trabalho ou
contrato de prestação de serviços, por exemplo.
[25] Estas que são as verdadeiras
modalidades de extinção parcial do contrato de agência, ao contrário, a título
exemplificativo, da redução das comissões pagas ao agente, ou da redução de
bens produzidos por parte do principal no contrato de agência.
[26] “A Indemnização de Clientela no
Contrato de Agência”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, 2006, Almedina,
páginas 38 a 40.
[27] Ressalva seja feita no caso de
substituição do contrato de agência por um outro contrato de agência – aqui não
será devida qualquer compensação ao agente, que continua a exercer a sua atividade.
[28] Sigo de perto “A Indemnização
de Clientela no Contrato de Agência”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão,
2006, Almedina, página 42.
[29] A este título veja-se o artigo
19.º da Diretiva n.º 86/653/CEE do Conselho.
[30] “A Indemnização de Clientela no
Contrato de Agência”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, 2006, Almedina,
página 43.
[31] Entendimento também aceite
jurisprudencialmente, veja-se o Acórdão de 18 de Outubro de 1994 do Tribunal da
Relação do Porto.
[32] “A Indemnização de Clientela no
Contrato de Agência”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, 2006, Almedina,
página 66.
[33] “Contrato de Agência -
Anotação”, António Pinto Monteiro, ano de 2010, 7ª Edição, Almedina, páginas
135 e 136.
[34] Pense-se em motivos de saúde ou
idade neste caso.
[35] Desde que judicialmente
qualificada como culposa, nos termos do artigo 185.º do Código da Insolvência e
da Recuperação de Empresas, ou desde que nos termos do artigo 186.º número 1 do
mesmo Diploma, se demonstre que existiu insolvência fortuita do agente por
factos que lhe serão a ele imputados.
[36] A não ser que se prove que o
incumprimento obrigacional resulte de conduta do subagente, situação em que será
aplicado o regime dos artigos 264.º número 3 e 1165.º do Código Civil.
[37] O novo agente nunca angariou
clientes para o principal no contrato de agência, assim como não lhe será
possível repercutir os valores e custos do negócio de cessação da posição contratual
no principal.
[38] “A Indemnização de Clientela no
Contrato de Agência”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, 2006, Almedina,
página 76.
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