segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A oposição ao Procedimento Avaliativo de Prédios Urbanos - STA – PROCESSO 01101/13






NOTA INTRODUTÓRIA À AVALIAÇÃO DOS PRÉDIOS URBANOS
O acórdão discorrido no presente trabalho tem como principal questão a impugnação do procedimento avaliativo dos prédios urbanos, pelo que cabe fazer uma breve referência, nesta sede, às regras de determinação do seu valor patrimonial.

Com efeito, devem procurar-se as regras enformadoras desta questão no CIMI. Ora, nos termos do art. 37º do aludido código, a iniciativa da primeira avaliação de um prédio urbano cabe ao chefe de finanças com base nos elementos apresentados pelo sujeito passivo. Às declarações apresentadas pelo sujeito passivo devem ser juntas plantas de arquitectura das construções aprovadas pela câmara municipal.

As operações avaliativas devem seguir, nos termos do art. 38º CIMI, uma fórmula aritmética para a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços.
Posto isto, deve colocar-se a questão: se o sujeito passivo não concorda com a avaliação realizada ao prédio, sobre o qual o imposto incide, como deve ele opor-se? Impugna judicialmente, reclama graciosamente, usa um ou outro indiferentemente? Vejamos, infra, como ajuizaram esta questão os doutos Conselheiros do STA.

PARA UMA VISÃO GERAL SOBRE OS MECANISMOS DE RECLAMAÇÃO E IMPUGNAÇÃO
Para uma abordagem mais cautelosa à problemática em análise, é de uma importância clara proceder a um enquadramento doutrinário geral, no que aos mecanismos de que dispõe o contribuinte lesado, diz respeito.
Nomeadamente, cumpre destacar a reclamação graciosa e a impugnação judicial, por serem o procedimento e o processo impugnatórios, respectivamente, por excelência.

O PROCEDIMENTO DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA
A reclamação graciosa tem como objectivo a anulação total ou parcial dos actos tributários com fundamento em ilegalidade dos mesmos, estando prevista nos arts. 68º e seguintes do CPPT.

Focando o discurso no fundamento da reclamação, e visando, nesta linha, o art. 70º, deve considerar-se a remissão operada para o processo de impugnação judicial: “a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial”.

Ora, a remissão referida, aponta-nos o art. 99º, com o rol não exaustivo, de fundamentos à reclamação. Por ser a matéria de real interesse na discussão presente neste trabalho, deve realçar-se a alínea a) do art. supracitado. Assim será fundamento de reclamação graciosa, a errónea qualificação e quantificação de valores patrimoniais.
Ora, de acordo com a douta doutrina do Professor Joaquim Freitas da Rocha[1], o fundamento supracitado é um fundamento relativo a uma questão de facto, relativa ao facto tributário, relativa à “realidade sujeita à tributação”.

O PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
A impugnação judicial visa exactamente o mesmo que a reclamação graciosa - a anulação total ou parcial de actos tributários - mas desta vez com uma nuance de extrema importância: a reclamação graciosa decorre exclusivamente perante a Administração; o processo de impugnação, por seu turno, é exclusivo da jurisdição tributária.

Os fundamentos são, como vimos no ponto discorrido supra, partilhados entre o procedimento de reclamação e o processo de impugnação, encontrando-se, neste sentido, o busílis da questão, no facto de o primeiro ser uma garantia administrativa e o segundo uma garantia jurisdicional.

A RELAÇÃO ESTABELECIDA ENTRE A RECLAMAÇÃO E A IMPUGNAÇÃO
A questão que deve ser colocada nesta sede, e que serve de base ao problema analisado neste trabalho, é a seguinte: a escolha entre a reclamação e a impugnação pode ser feita de forma simultânea e indiferente? Evidentemente que não. São, de apontar, os seguintes traços marcantes da relação entre os dois mecanismos:
  • A instauração de uma reclamação interrompe o prazo de interposição de impugnação judicial;
  • Se a interposição da impugnação é levada a cabo após a apresentação da reclamação graciosa ocorre apensação[2];
  • Se é interposta reclamação graciosa após a impugnação, a solução continua a ser a apensação[3];
  • Existem situações em que a escolha da reclamação ou da impugnação não é deixada ao critério do contribuinte. São os casos de reclamação graciosa necessária, nos quais, a via judicial apenas se abre, quando a administrativa é esgotada.
Vejamos, como se correlacionam os dois mecanismos de defesa do contribuinte, no caso de discordância com a avaliação de prédios urbanos, tendo por base o Acórdão ora analisado.

EXPOSIÇÃO DO CASO
ALEGAÇÕES DO RECORRENTE
1) O TAF de Aveiro julgou procedente impugnação judicial intentada pela Autora, contra uma avaliação directa efectuada sobre certas fracções autónomas em sede de IMI;
2) O representante da Fazenda Pública, veio recorrer da decisão do TAF para o STA;
3) No recurso que intentou, a Fazenda Pública apresentou diversas alegações, nomeadamente referindo que o impugnante pretendeu impugnar o despacho que indeferiu o pedido de segunda avaliação das fracções;
4) O indeferimento daquele pedido deu-se por manifesta extemporaneidade, facto reconhecido pelo TAF de Aveiro;
5) O TAF de Aveiro entendeu, no entanto, que a extemporaneidade do pedido de segunda avaliação não contende com a apreciação do mérito das questões vertidas na petição inicial, designadamente a alegada ilegalidade das fichas de avaliação;
6) Entendeu, todavia, a Fazenda Pública, que a impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais depende do prévio esgotamento dos meios administrativos de revisão, atento o disposto nos arts. 134.º, n.º 7, do CPPT e 86.º, nºs 1 e 2 da LGT;
7) Acrescentou, ainda, nas suas alegações, a circunstância de o art. 77.º, n.º 1, do CIMI, apenas prever a via contenciosa directa para impugnação do resultado de segundas avaliações;
8) Neste sentido, a Fazenda Pública veio alegar a caducidade do direito de requerer uma segunda avaliação, além de que, olhando às normas apontadas, a Autora estava impossibilitada de impugnar judicialmente o valor resultante da primeira;
9) Conclui-se, nesta via, e na opinião da Fazenda Publica que a extemporaneidade do pedido de segunda avaliação leva a que, o valor fixado no âmbito da primeira, se consolide na ordem jurídica, lev ando à actualização da respectiva matriz;
10) A impugnação é, assim, impossível, devido à omissão da segunda avaliação, constituindo-se, por esta via uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso e que obsta ao conhecimento do mérito da causa segundo o artº. 89.º, n.º 1, alínea c), do CPTA ex vi art. 2.º alínea c) do CPPT;
11) Pediu, assim, a Fazenda Pública, o conhecimento imediato da referida excepção, sem possibilidade de suprimento, pedindo o provimento do recurso, e a respectiva revogação da decisão recorrida.

CONTRA-ALEGAÇÕES DA AUTORA
1) A Autora, recorrida nos autos, tem a faculdade de contra-alegar, ao contrário do recorrente que tem um verdadeiro ónus de alegar;
2) No caso em apreço, a Autora não apresentou qualquer contra-alegação.

PARECER DO MP
1) O MP emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso;
2) A sua orientação do MP teve como fundamento a opinião de que a aplicação e interpretação das normas invocadas no recurso, levaria à violação do acesso sem restrições à tutela judicial[4].

FACTOS PROVADOS
Foram dados como provados, na decisão recorrida, os seguintes factos:
1) A impugnante é dona e legítima possuidora das fracções autónomas;
2) A 27 de Julho de 2009, a impugnante foi notificada das avaliações levadas a cabo pela Administração Tributária em sede de IMI, e, em consequência disso do valor patrimonial tributário atribuído a cada um dos imóveis referidos, nos termos do art. 38° do CIMI;
3) A 28 de Agosto de 2009, através de carta registada com aviso de recepção, recepcionada pela Administração no dia 31 de Agosto de 2009, a impugnante, requereu uma segunda avaliação nos termos do art. 76° do CIMI.
4) A 6 de Outubro de 2009, a Administração notificou a impugnante, por meio de ofício, afirmando que tinha sido notificada do valor patrimonial tributário atribuído em primeira avaliação no dia 24 de Julho de 2009;
 5) Além disso, acrescentou no aludido ofício, que o requerimento para segunda avaliação fora recepcionado pela Administração a 31 de Agosto de 2009;
6) Nesse mesmo ofício, a Administração retirou a conclusão de que o requerimento apresentado teria excedido claramente o prazo de 30 dias previsto no nº 1 do art.º 76º do CIMI;
7) Nessa conformidade declarou-o extemporâneo e indeferiu-o nos termos da alínea d) do art. 83° do CPA;
8) Ficou ainda provado que todas as fracções autónomas são estacionamentos que se situam no subsolo de um empreendimento, estacionamentos esses cobertos e não fechados, delimitados por rectângulos pintados no pavimento;
9) Nas suas notificações de avaliação a Administração considera as fracções ”estacionamento coberto e não fechado”.

ARGUMENTAÇÃO DO STA
INTRODUÇÃO
Os conselheiros do STA começaram por afirmar que os juízes desembargadores entenderam que, apesar de não ter sido realizada a 2ª avaliação, pelo facto do respectivo pedido ter sido apresentado fora do prazo legal, a impugnação da 1ª avaliação era admissível.

Aquela admissibilidade resultaria, de um lado, por ter sido invocada a ilegalidade da 1ª avaliação e, por outro, por estar dentro do prazo legal de 90 dias contados nos termos do art. 102º do CPPT.

Estando em causa estacionamentos cobertos e não fechados, o coeficiente de afectação[5], seria de 0,15 e não 0,40. É deste facto, portanto, que a ilegalidade suscitada resulta - as fichas de avaliação estavam afectadas de vício de violação de lei. Deste modo, as liquidações foram anuladas, como resultante do erro na avaliação.

Por seu turno, a recorrente argumenta que o artº 77º do CIMI apenas prevê a possibilidade de impugnar judicialmente o resultado de segundas avaliações.

No entanto, como o pedido de segunda avaliação foi extemporâneo, o valor que resultou da primeira consolidou-se.

Esta impossibilidade de impugnar constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa.
Fica patente, por tudo quanto foi dito, o seguinte:
- a requerida requereu segunda avaliação;
- a segunda avaliação foi indeferida por extemporânea;
- na sequência do indeferimento, a requerida deduziu impugnação judicial com fundamento na ilegalidade do valor resultante da primeira avaliação por erro na avaliação(quanto ao coeficiente de afectação, como referido supra).
A impugnação deveria ou não ter sido admitida? Vejamos no próximo ponto.

A QUESTÃO DA ADMISSIBILIDADE DA IMPUGNAÇÃO
Para ajuizar da admissibilidade ou não da impugnação deduzida, o STA recorreu à articulação entre três normativos:
1) o art. 77º do CIMI:
1 - Do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2 - A impugnação referida no número anterior pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio.
2) o art. 134º do CPPT, por remissão do aludido art. 77º do CIMI:
 1 – Os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.
2 – Constitui motivo de ilegalidade, além da preterição de formalidades legais, o erro de facto ou de direito na fixação.
(...)
7 – A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.

3) os números 1 e 2 do art. 86º da LGT, já que o regime impugnatório do CPPT se encontra em sintonia com o disposto na Lei Geral:
1 – A avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa.
2 – A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.

Resultam, portanto, do cruzamento dos normativos supracitados duas conclusões de grande monta:
- os actos de fixação de valores patrimoniais apenas podem ser impugnados depois do esgotamento dos meios administrativos destinados à sua revisão;
- não sendo requerida segunda avaliação ou sendo esta rejeitada por extemporânea, o valor da avaliação consolida-se[6].

No entanto, é considerado pelos Conselheiros que a maior jurisdição administrativa portuguesa tem admitido a impugnação judicial da primeira avaliação em casos em que inexistiu o esgotamento prévio dos meios graciosos.

A este propósito no acórdão de 16 de Abril de 2008, Processo nº 04/2008, ficou escrito o seguinte:
“Porém, esta exigência de esgotamento dos meios administrativos de revisão apenas existe quando estiver em causa a discussão da legalidade da própria fixação do valor patrimonial, isto é, quando o interessado discordar do resultado da avaliação, como, aliás, decorre dos próprios termos do citado art. 76.º, n.º 1, do CIMI, que é a norma especialmente aplicável ao caso, ao dizer que «quando o sujeito passivo ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, podem, respectivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação».

O que se pretende com uma segunda avaliação é apreciar as razões da discordância do interessado (ou do chefe de finanças) com o valor resultante da primeira. Ora, se é assim, a exigência de requerer a segunda avaliação, como pressuposto da impugnação judicial, deve ser afastada quando a impugnação se basear em fundamento diferente dessa discordância.

Ora, se o contribuinte não quer contestar o resultado da primeira avaliação, exigir-lhe que pedisse uma segunda avaliação seria impor a prática de um dispêndio inútil, ilógico e irracional, contrário aos princípios da eficiência, simplicidade e celeridade processuais.

A título exemplificativo, se o contribuinte entende que a primeira avaliação não está suficientemente fundamentada e pretende impugná-la, invocando o vício de falta de fundamentação, não será necessário requerer a segunda avaliação.

Posto isto, o STA retira a conclusão de que a exigência de esgotamento dos meios administrativos de revisão dos actos de fixação de valores patrimoniais, deve ser interpretada restritivamente. O alcance da norma deve assim ser reconduzido à ratio que o legislador pretendeu imprimir, devendo ser rejeitada uma visão literal da disposição.

Facilmente se retira que, no caso em apreço, em que não existe uma discordância manifesta com a primeira avaliação, o esgotamento prévio dos meios graciosos é dispensado.

CONCLUINDO: A DECISÃO
A Autora (e portanto, no Acórdão analisado, recorrida) veio, na sua petição, contestar, relativamente à primeira avaliação, a falta de fundamentação para aplicação do coeficiente de afectação de 0,40 relativamente a certas fracções, quando relativamente a outras fracções similares do mesmo empreendimento foi usado o coeficiente de 0,15[7]. Assim, e na sua opinião, o nº 7 do art. 134º do CPPT não tem aplicação, sendo por essa via, a primeira avaliação, susceptível de impugnação directa.

Os Conselheiros do STA dão razão à recorrida quanto a esta argumentação.

Na opinião do douto Tribunal, apenas aparentemente é colocado em causa o valor da avaliação. O que é realmente invocado é a falta de fundamentação necessária e exigível quanto à aplicação do coeficiente de afectação de 0,15 nuns casos e 0,40 noutros.

Questão diferente é a consideração, por parte da decisão recorrida de acabar por considerar que a avaliação se encontrava devidamente fundamentada, na medida em que as fichas de avaliação continham todos os elementos legalmente exigidos, padecendo ao invés de vício de violação de lei, uma vez que o coeficiente de avaliação a considerar deveria ser de 0,15 e não 0,40.

Quanto a esta questão, que não foi atacada, o STA dela não conhece por não fazer parte do objecto recursivo.
Quanto à questão que deve ser vista como o busílis da questão, entendeu o Tribunal que a impugnação era admissível, sendo improcedente o recurso da Fazenda Pública, sendo-lhe naturalmente, negado provimento.



Por José Vieira de Castro


Maio de 2014



[1] V. FREITAS DA ROCHA, Joaquim, “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, Coimbra Editora, p. 217.
[2] Cfr. art. 111º, nº3 do CPPT.
[3] Cfr. art. 111º, nº 4 do CPPT.
[4] Interessa, nesta sede, lembrar os ensinamentos de Freitas da Rocha quanto ao processo tributário como um contencioso pleno. Na opinião do autor, o contribuinte deve poder, em geral, defender as suas posições jurídicas em todas as situações em que a sua esfera jurídica se encontre afectada. Neste sentido o nº 4 do art. 268º da CRP exige ao legislador ordinário quatro tipos de meios processuais: meios de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria tributária, meios que obriguem a Administração a agir, meios cautelares adequados e meios impugnatórios de actos lesivos, cfr. FREITAS DA ROCHA, Joaquim, Obra cit., p. 234.
[5] Previsto no art. 41º do CIMI.
[6] Neste sentido, entre outros, v. os acórdãos do STA, de 17/11/1999 – Processo nº 23.912, de 21/06/2000 – Processo nº 24.542 e de 02/04/2003 – Processo nº 2007/02
[7] Cfr. art. 41º do CIMI.



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