Numa
altura em que o mundo e sobretudo a Europa discutem a necessidade de regular a
economia dos mercados financeiros em face da crise generalizada, a efectiva
responsabilidade dos administradores e gerentes das sociedades perante
terceiros impõe-se como uma questão fulcral.
É do
conhecimento de todos que os responsáveis pela gestão da sociedade têm a
obrigação de conservar o património das sociedades onde exerçam essas funções,
de modo a que os bens e rendimentos das mesmas possam responder em tempo útil
perante os credores. Contudo, são frequentes os casos em que, na sequência da
diminuição real (ou fictícia) do património da sociedade, alguns gerentes ou
administradores, prosseguem com um nível de vida excepcional, deixando os
credores sociais sem qualquer tipo de garantia.
Desta
forma, é imperativa a regulação e sobretudo a protecção da figura do credor
quando entramos em questões relacionadas com os mercados societários. Esta
necessidade encontra expressão legal desde logo no art. 78º do Código das
Sociedades Comerciais, ditando este que “os
gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando,
pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à
protecção destes, o património social, se torne insuficiente para a satisfação dos
respectivos créditos”. Assim, os credores sociais podem ser ressarcidos
quer por danos directos que tenham sofrido, quer por danos indirectos, ou seja,
em situações de insuficiência do património da sociedade. Mas veremos mais à
frente alguns dos contornos mais importantes deste preceito.
Ora,
após a leitura do douto Acórdão do Tribunal da Relação de 26 de Março de 2009,
referente ao Processo nº 10140/03.9TVLSB.L1-8, em que é Relator Ilídio Sacarrão
Martins, é notória a relevância prática da temática em estudo.
No
Acórdão em crise, são partes os Autores Eduardo e Margarida, que intentaram uma
acção ordinária contra os Réus, Armando e mulher Nicole e Alfredo e mulher
Maria José, pedindo que estes fossem condenados a pagar solidariamente aos
Autores a quantia de €144.168,42, acrescidos de juros, as despesas dos Autores
com o processo até então, e ainda todos os danos indirectos inerentes da
conduta dos Réus que se vieram a provocar na esfera jurídica dos Autores.
Resumidamente,
invocam os Autores que os Réus violaram deveres sociais, estatutários e legais
destinados à protecção dos credores da sociedade. Nomeadamente desviando para
seu proveito próprio receitas da sociedade, não cumprindo com as suas
obrigações genéricas perante terceiros.
Nestes
termos, importa verificar se estão efectivamente preenchidos os pressupostos
para que se considerem responsabilizados civilmente os sócios da sociedade
perante os credores desta, nomeadamente perantes os supra citados Autores.
Dos factos
Os
Autores adquiriram um lote de terreno sito em Alcoitão para a construção de uma
moradia, tendo para o efeito contratado a sociedade comercial “Construcções….Lda.”. Sociedade da qual
os Réus eram sócios gerentes, possuidores cada um de uma quota no valor de €
2.500,00. Pelo contrato de empreitada, foi pago pelos Autores aos Réus a
quantia de 28.903.175$00, para que finda a obra esta fosse entregue e sem
defeito algum. Contudo, finalizada a obra, esta apresentava certas
irregularidades que os Réus se escusaram a corrigir, pelo que os autores não
tiveram outra hipótese senão a de recorrerem à via judicial.
Acontece
que, por sentença exarada do Tribunal que apreciou a causa em primeira
instância (o Tribunal Arbitral) ficou provado que: “foram detectados desvios estruturais ao projecto, gravíssimos e
impeditivos do prosseguimento da obra, pelo que a obra construída pela “P. e
A.” não correspondia à projectada nem poderia ser adaptada (…).”; acresce ainda que, “P. e A.” obrigou-se
perante os A.A. a, depois da demolição total da edificação, reeditar toda a sua
estrutura;”. Porém, “P. e A.”
procedeu à demolição total da edificação por si construída e não procedeu à sua
edificação”. Posto isto, encontraram-se os autores no direito de pedir a
resolução do contrato de empreitada e, de igual forma, peticionarem uma
indemnização devida pelos prejuízos que sofreram.
No
entanto, nunca esta indemnização foi paga uma vez que a Sociedade supra
descrita, quando citada para o pagamento da quantia indemnizatória já não
possuía património algum por onde pudesse ser responsabilizada.
Enquadramento com a temática em estudo
Pelos
factos alegados, é notório estarmos perante o regime da Responsabilidade dos
Gerentes e Administradores para com os Credores Sociais, consagrado no artigo
78º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual “os gerentes ou administradores respondem
para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das
disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património
social, se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos”.
Ora,
para que os credores possam exercer o direito de indemnização contra os
gerentes nos termos do artigo supra exposto é necessário que se preencham
cumulativamente os seguintes pressupostos:
a)
Que o facto praticado pelo administrador ou gerente
constitua uma inobservância culposa das disposições legais ou contratuais
destinadas à protecção dos credores da sociedade;
b)
Que o património se tenha tornado insuficiente para a
satisfação dos respectivos créditos;
c)
Que o acto do gerente possa considerar-se causa adequada
do dano.
Ademais,
nos termos do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes das
Sociedades Comerciais têm como deveres fundamentais:
“a) Deveres de cuidado, relevando a
disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da
sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de
um gestor criterioso e ordenado;” isto numa perspectiva mais direccionada
dos deveres para com a sociedade;
E na
alínea b) do número 1 do referido artigo encontramos consagrado o “dever de lealdade, no interesse da
sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os
interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade,
tais como os trabalhadores, clientes e credores”.
Logo,
resulta desta disposição legal que o gerente está obrigado a gerir a sociedade
com ponderação e diligência de modo a garantir os interesses legais e
contratualmente protegidos dos credores, uma vez que o não respeito pelo
estipulado pode ter como consequência a aplicação do artigo 78º do C.S.C. e
desta forma é o gerente responsabilizado pessoalmente pelos actos danosos que
praticar.
Assim,
«Pressuposto primeiro da responsabilidade em análise é a “inobservância das disposições legais ou contratuais destinadas à
protecção” dos credores sociais. A ilicitude, aqui compreende a violação,
não de todo e qualquer dever impendendo sobre os administradores, mas tão só
dos deveres prescritos em “disposições
legais ou contratuais” de protecção dos credores sociais». [1]
Nesta
perspectiva, são normas de protecção dos credores sociais «todas as disposições
que se propõe promover a realização e a conservação do capital social - não
obstante serem distintos os conceitos de Património Social e de Capital Social
e ser aquele e não este que constitui a autêntica garantia de terceiros, máxime
dos credores sociais - se destinam directamente à protecção dos credores
sociais. (…) Para além destas e de outras normas, que indubitavelmente visam
directamente a protecção de terceiros, haverá que apurar, caso a caso, quais as
disposições que têm em vista a protecção dos credores sociais, o que alcançara
mediante interpretação adequada tendente a fixar o fim da norma (Normzweck), sendo certo que não basta
que a norma também aproveite ao credor social, antes sendo necessário que ela
tenha também em vista a sua protecção.»[2]
Neste
sentido Vasco Lobo Xavier concretiza dois critérios fazendo a distinção das
normas que protegem os credores: de um lado coloca as normas que directamente
protegem os interesses dos credores, de outro lado as normas que embora visem a
protecção dos sócios, de uma forma indirecta protegem também credores e
terceiros.
O
capital social é muitas das vezes designado como a cifra representativa da
entrada dos sócios, e muitas vezes apontado como a garantia dos credores, porém
é opinião consensual que é o património social que constitui efectivamente a
garantia geral dos credores, pois o património social engloba todos os bens
pertencentes à Sociedade e são estes que podem fazer pagar as dívidas desta, “por outras palavras: o património social é,
em regra, o único garante dos credores da sociedade. O mesmo é dizer que só os
bens e créditos sociais inscritos no activo é que constituem a garantia dos
débitos a sociedade, ou seja, o património líquido da sociedade.”
Embora
seja feita a distinção entre as variáveis doutrinais, o que em nossa opinião é
tido como posição dominante, é que o património Social constitui uma verdadeira
garantia dos créditos dos credores, logo todas as violações de normas ou
disposições legais que provoquem uma diminuição do património social, integram
o conceito de “disposições legais ou
contratuais destinadas à protecção destes”.
Retira-se
ainda daqui a ideia de que todas as normas legais relativamente a protecção,
conservação e limitação do uso do património destinam-se a tutelar direitos
adquiridos por terceiros, nomeadamente os credores sociais nos termos do artigo
601º do Código Civil em que vigora desta norma legal o princípio da separação
de patrimónios como forma a garantir a confiança e segurança jurídica,
conciliando com os artigos 31º e 32º do Código das Sociedades Comerciais. Desta
forma, os bens da sociedade não se confundem com os bens dos sócios e
vice-versa, e os sócios não podem dispor a seu belo prazer, e como lhe convier,
dos bens da sociedade.
No
Acórdão em análise, não se trata de averiguar se os gerentes tinham o dever de
cumprir com os credores, neste casos os Autores, mas antes a obrigação de não
violar as leis destinadas a proteger os credores sociais e desta forma abster-se
de afectar/diminuir o património social “os
Réus apropriaram-se de quantias devidas à sociedade através de cheques
desviados do circuito da sociedade para as suas contas bancárias”, “desviavam para seu proveito próprio as
receitas da sociedade, (…)”, “(…) não
pagando aos seus trabalhadores não pagando aos seus fornecedores, não
apresentando as declarações de rendimentos da sociedade, não aprovando as
contas da sociedade, não licenciando sequer a sociedade para a sua actividade,
deslocando a sua sede efectiva para “parte incerta”, não cumprindo obrigações
contratuais, não satisfazendo e acumulando dívidas e não apresentando a
sociedade à insolvência (…)”.
Aqui,
também encontramos patente a violação do artigo 64º do C.S.C, uma vez que os
gerentes não respeitaram os deveres fundamentais a que estão adstritos, não
agiram com a diligência necessária a um gestor criterioso e ordenado, não
defenderam os interesses da sociedade mas antes sobrepuseram os próprios
interesses aos da sociedade. Exigia-se gestores que mantivesse um comportamento
correcto e preponderante, que não pusesse em causa a sociedade e os especiais
interesses desta. Que a prossecução da sua actividade e os fins visados
tivessem sempre em mente o cumprimento das obrigações pela sociedade geradas
bem com a lealdade para com os trabalhadores, os credores e demais terceiros.
A
conduta dos Réus foi “violadora de
deveres sociais, estatutários e legais destinados à protecção dos credores
desta, tendo a sociedade ficado sem património por culpa daqueles e tendo sido
a conduta adequadamente causadora da situação de total ausência de património
social”.
E,
nestes termos, “o Administrador
constitui-se no dever de indemnizar os credores sociais sempre que pratique um
acto danoso, ilícito, e culposo, com os elementos específicos indicados no n.1.
A responsabilidade só surge se o dano atingir o património social e o devedor o
tornar insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores da sociedade.
Há-de ser um dano patrimonial para a sociedade”.[3]
Certo
nos parece que, este problema da responsabilização do gerente só se coloca
quando o património da sociedade, enquanto devedora, não é suficiente para
satisfação de créditos de terceiros, nomeadamente dos credores, pois de outra
forma, se o credor vir satisfeito o seu crédito não terá interesse algum em
accionar judicialmente a responsabilidade do gerente ou administrador. Do mesmo
modo que no caso de, por variadíssimos motivos, a sociedade se colocar na
posição de insolvente, ou seja, o seu património se tornar insuficiente para
liquidar todas as dívidas existentes. Esta situação não é de per si, suficiente
para que os credores accionem a responsabilização do gerente ou administrador.
É necessário que tenha ocorrido acto danoso, ilícito e culposo na gerência,
administração da sociedade.
A este
respeito, importa referir que com a insolvência da sociedade, os direitos dos
credores passam a ser exercidos durante o processo, através do Administrador de
Insolvência. Com a respectiva sentença é aberto um “incidente de qualificação”
da insolvência que permite apurar se esta foi ocasionada por causas fortuitas
ou se ficou a dever-se a culpa do devedor ou dos seus administradores. O art.
186º n.º 2 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) enumera um
conjunto de hipóteses em que se presume a culpa, reportadas a “situações criadas ou agravadas nos 3 anos
anteriores ao início do processo de insolvência”, entre as quais está o
incumprimento do dever de se apresentar à insolvência.
Caso a
insolvência seja declarada culposa, os dirigentes societários podem ver
decretada a inabilitação para a administração/disposição de bens, por um
período de 2 a 10 anos; a inibição para o exercício de comércio ou cargos
sociais, por igual período e/ou a perda de créditos sobre a massa insolvente.
Por
outro lado, também o instituto da resolução em benefício da massa insolvente
regulado no CIRE, permite recuperar bens/direitos que os administradores
subtraíram à massa, de má fé, nos 4 anos anteriores, em prejuízo dos credores.
Salvo
melhor entendimento, é nossa opinião que, no caso em concreto, estão aqui todos
os pressupostos preenchidos para aplicação do artigo 78º do C.S.C., pois há uma
clara violação de normas ou preceitos legais de protecção dos credores. Em
rigor, são normas protectoras dos credores aquelas que impedem a diminuição do
património da sociedade de tal modo ao ponto que este se torne insuficiente
para garantias dos créditos dos credores, é necessária a existência de
ilicitude no comportamento dos gerentes da sociedade e para além de ilícita tem
de ser danosa. Terá obrigatoriamente de preencher o nexo causal entre a
ilicitude e o dano para que seja permitida a aplicação do artigo 483º do Código
Civil.
Este
dano provocado na esfera jurídica do credor é um dano indirecto, na medida em
que, este não sofre no seu património uma lesão, nada lhe é retirado, mas sim
afecta a sua garantia dos créditos que tem para com a sociedade. Na realidade,
os credores não sofrem directamente um prejuízo, mas sim, sofrem um dano indirecto
ao verem desaparecer a sua esperança de vir a receber o crédito que detém sobre
determinada sociedade.
Chegados
a este ponto, cumpre fazer uma breve exposição sobre a distinção que aqui pode
operar entre o artigo 78º e o artigo 79º ambos do C.S.C. Na realidade porque
aplica o douto acórdão em epígrafe o artigo 78º, e não o 79º?! Sendo que, o
artigo 79.º, faz referência à responsabilidade dos gerentes e administradores
para com os sócios e terceiros. Para efeitos deste artigo, os sócios e credores
são também denominados de terceiros. Contudo o artigo 79.º consagra um regime
geral de responsabilidade dos gerentes e administradores pelos danos causados a
terceiros, o artigo 78.º consagra o regime especial de responsabilidade por
alguns danos, pelos danos que indirectamente causarem aos credores, é aqui no
dano que reside a principal diferença de aplicação destes dois artigos,
enquanto que o artigo 79º enumera os danos que directamente causar a terceiros
(sócios, credores, trabalhadores) o artigo 78.º consagra o dano indirecto ou
reflexo, ou seja os administradores ou gerentes respondem para com os credores,
quando estes atingem directamente o património da sociedade, tornando este
insuficiente e só então provoca um dano indirecto no credor, vendo este a
garantia dos seus créditos total ou parcialmente desafectada da sociedade. Este
requisito não é exigido no artigo 79.º. Bem como o artigo 79º também não exige
a violação de disposições legais ou contratuais dos credores.
No
acórdão em apreço, estamos perante a produção de um dano indirecto ou reflexo
na esfera jurídica dos Autores, ou seja em abstracto, o dano provocado à
sociedade é causa adequada para indirectamente provocar prejuízo aos Autores. A
conduta dos gerentes provocou uma lesão na sociedade, não directamente na
esfera jurídica dos Autores, mas estes foram atingidos na garantia patrimonial
dos seus créditos, diminuindo assim as suas expectativas de vir a receber
aquelas quantias em divida. Assim, parece-nos igualmente correcta a aplicação
do artigo 78.º em prol do artigo 79º.
Feita
esta observação, voltemos ao objecto em discussão. Existe uma obrigação
contratual entre o Gerente/Administrador e a Sociedade, o mesmo já não se
aplica quando referimos a relação Gerente/Administrador para com terceiros
(sócios, credores, trabalhadores). Em grande verdade a responsabilidade
invocada pelo artigo 78º «tem natureza delitual ou extracontratual, que não
obrigacional ou contratual, pois não existe anteriormente ao acto ilícito,
qualquer direito crédito do credor social perante o administrador. Existe
apenas um interesse juridicamente protegido a que corresponde um dever de
carácter geral»[4].
Entre os
administradores/gerentes não existe nenhuma relação obrigacional, nem tão pouco
deveres primários de prestação. “As
relações creditórias ligam os credores à sociedade, não aos administradores”.[5] É
importante frisar ainda o principio subjacente a esta ideia, que é o principio
da personalidade jurídica da sociedade, nos termos do artigo 5º do Código das
Sociedades Comerciais “As sociedades
gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do seu
registo definitivo do contrato pelo qual se constituem”, no caso em
concreto do douto Acórdão, é atribuída personalidade jurídica à Sociedade
enquanto que esta não for declarada insolvente, logo continuarão a ser
aplicadas as disposições do artigo 146º n.º2.
Daí que
para controlar esta situação seja necessário muitas vezes colocar em crise a
problemática da desconsideração da personalidade jurídica que chega a ser
retratada neste Acórdão, porém não sendo um problema que se coloca na situação
em concreto, desde logo se afasta.
Posto
isto, vamos agora analisar se se encontram preenchidos os pressupostos do
artigo 483º do Código Civil, “Aquele que com dolo ou mera culpa, violar
ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a
proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes da violação”.
António
Menezes Cordeiro e Pedro Pais de Vasconcelos defendem a teoria da existência de
uma responsabilidade aquiliana fundamentando para tal a presença de uma
imputação delitual plasmada nas normas de protecção, previstas no artigo 483º
n.º 1, 2ª parte, a lei exige para este tipo de responsabilidade a violação de
normas de protecção dos credores que provoque insuficiência patrimonial. Além
disso teremos ainda de verificar se encontram preenchidos os demais requisitos
como a ilicitude, a culpa e o nexo causal. Sendo que, importa salientar que na
opinião deste autor, nenhum destes fundamentos se presumem, o autor tem de
fazer a sua prova com sucesso.
Jorge Coutinho de Abreu e Maria Elisabete
afirmam a existência de uma responsabilidade extra-contratual fundamentada pelo
artigo 483.º n.º1 retirando do conteúdo da norma que a responsabilidade civil
extracontratual aplica-se aquando da violação de normas legais destinadas a
proteger interesses alheios. A responsabilidade dos credores baseia-se na
inobservância culposa das disposições legais ou contratuais (estatutárias)
destinadas à protecção dos credores. Neste ponto, apenas carece fazer
referência ao que a lei engloba no termo “disposições contratuais” sendo que
também integra aqui as diposições estatutárias, uma vez que a lei permite que
do pacto social resultem normas de protecção dos credores, susceptíveis de ver
aplicada a responsabilidade civil.
Na mesma
linha da argumentação mas desenvolvendo um pouco mais a ideia, relativamente a
culpa, no âmbito da responsabilidade do gerente perante os credores, esta não
se presume pelo que, tem os interessados de fazer, com êxito, a competente
prova. Aplica-se o regime geral da responsabilidade extracontratual previsto no
artigo 487º do Código Civil, em conciliação com o artigo 342º do Código Civil.
Em concordância com esta posição vem a teoria de que o artigo 78º n.º 5, apenas
faz remissão para os artigos 72º, n.º 2 a 6, 73º, e 74º n.º 1. No artigo 72.º
n.º1 quis o legislador aplicar a presunção de culpa quando na parte final
afirma “salvo se provarem que procederam
sem culpa”. Logo ao não estender a remissão do artigo 78.º n.º5 a esta
disposição legal, estatui aqui, no artigo 78º o regime da não presunção de
culpa, tendo os interessados ao alegar o direito de fazer prova. «A culpa, como
já sobejamente foi apreciado, constitui conditio
sine qua non para a formação da responsabilidade civil (…) define, isso
sim, é o grau de imputação do facto ao lesante, tendo de se estender, face à
expressa exigência do seu requisito e ao sentido que lhe é atribuído de culpa
dolosa e não de mera culpa, que não estão abrangidos os comportamentos
negligentes, uma vez que, in strictu
sensu, culpa, por contraposição a dolo, é actuação de uma pessoa que, por
inobservância das suas obrigações, por razões de incúria ou negligência, viola
os direitos ou interesses de terceiro».[6]
Relativamente
aos danos provocados não podemos deixar de concluir que são danos indirectos,
sendo que, são prejuízos que se produzem directamente na sociedade. A
diminuição do património da sociedade implica uma perda de garantia dos
créditos do credor, em bom rigor, esta diminuição é condição idónea para
provocar a diminuição do património do credor. Logo os danos estão directamente
relacionados com a diminuição do património. Aqui está o fundamento para acção,
o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a diminuição do património da
sociedade, de tal forma que este se torne insuficiente para grantir os créditos
que o credor detém sobre a sociedade.
Conclusão
No caso
em concreto, cabe aos Autores Eduardo e Margarida, fazerem a prova com sucesso
do que por si é alegado. Argumentando e provando que os Reús agiram de forma
ilícita ao dispor do património da sociedade, tomando como seus cheques desta,
violando os deveres a que estavam obrigados nos termos do artigo 64º do C.S.C.
e violando culposamente as disposições legais ou contratuais destinadas á
protecção dos credores. Não parecem existir dúvidas quanto a estes factos, a
ilicitude e a culpa estão aqui bem patentes.
Relativamente
aos danos, também está provado que a diminuição do património da sociedade por
causa imputável aos Réus por estes não terem sidos diligentes na sua conduta
profissional, não permite a satisfação dos respectivos créditos dos Autores.
Desta
forma, é claro do nosso ponto de vista, que os actos dos gerentes, foi causa
mais do que idónea do dano, ou seja da insuficiência do património provocada na
esfera jurídica da sociedade.
Concluindo,
embora algumas destas formas de responsabilização assumam um carácter mais
dissuasor do que ressarcitório, permitem sempre limitar os efeitos das
actuações fraudulentas dos administradores, colocando sérios entraves à prática
continuada de actos atentatórios directamente da saúde financeira da sociedade,
e, indirectamente, das garantias dos credores.
Não
podemos, contudo, deixar a ressalva de que, apesar do ordenamento jurídico
consagrar um vasto leque de soluções em matéria de responsabilidade dos
dirigentes societários perante os credores sociais, a verdade é que, antevendo
os efeitos das exigências “troikianas”
importa uma crescente atenção para esta temática, e um controlo cada vez mais
apertado destas práticas.
Por João Braga Ferreira e Patrícia Fernandes
Dezembro de 2012
[1]
Abreu, Coutinho, “Responsabilidade Civil
dos Administradores de Sociedades” página 70.
[2]
Rodrigues, Ilídio Duarte, “A
administração das Sociedades por Quotas e Anónimas – Organização e Estatuto dos
Administradores”.
[3]
Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 de Outubro de 2011, Relator:
Ana Cristina Duarte.
[4]
Raúl Ventura e Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores das
Sociedades Anonimas e dos gerentes das Sociedades por Quotas, BMJ, 195, página
66
[5]
Textos de apoio Dr. Nuno Manuel Pinto Oliveira op. Citi ……
[6]
V. Cunha Oliveira, “Responsabilidade
Civil dos Administradores e Gerentes das Sociedades Comerciais”, Vida
Económica, 2001.
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