terça-feira, 11 de novembro de 2014

A Responsabilidade Civil dos Administradores e Gerentes das Sociedades Comerciais perante os Credores - Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Março de 2009






Numa altura em que o mundo e sobretudo a Europa discutem a necessidade de regular a economia dos mercados financeiros em face da crise generalizada, a efectiva responsabilidade dos administradores e gerentes das sociedades perante terceiros impõe-se como uma questão fulcral.

É do conhecimento de todos que os responsáveis pela gestão da sociedade têm a obrigação de conservar o património das sociedades onde exerçam essas funções, de modo a que os bens e rendimentos das mesmas possam responder em tempo útil perante os credores. Contudo, são frequentes os casos em que, na sequência da diminuição real (ou fictícia) do património da sociedade, alguns gerentes ou administradores, prosseguem com um nível de vida excepcional, deixando os credores sociais sem qualquer tipo de garantia.

Desta forma, é imperativa a regulação e sobretudo a protecção da figura do credor quando entramos em questões relacionadas com os mercados societários. Esta necessidade encontra expressão legal desde logo no art. 78º do Código das Sociedades Comerciais, ditando este que “os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social, se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos”. Assim, os credores sociais podem ser ressarcidos quer por danos directos que tenham sofrido, quer por danos indirectos, ou seja, em situações de insuficiência do património da sociedade. Mas veremos mais à frente alguns dos contornos mais importantes deste preceito.

Ora, após a leitura do douto Acórdão do Tribunal da Relação de 26 de Março de 2009, referente ao Processo nº 10140/03.9TVLSB.L1-8, em que é Relator Ilídio Sacarrão Martins, é notória a relevância prática da temática em estudo.

No Acórdão em crise, são partes os Autores Eduardo e Margarida, que intentaram uma acção ordinária contra os Réus, Armando e mulher Nicole e Alfredo e mulher Maria José, pedindo que estes fossem condenados a pagar solidariamente aos Autores a quantia de €144.168,42, acrescidos de juros, as despesas dos Autores com o processo até então, e ainda todos os danos indirectos inerentes da conduta dos Réus que se vieram a provocar na esfera jurídica dos Autores.

Resumidamente, invocam os Autores que os Réus violaram deveres sociais, estatutários e legais destinados à protecção dos credores da sociedade. Nomeadamente desviando para seu proveito próprio receitas da sociedade, não cumprindo com as suas obrigações genéricas perante terceiros.

Nestes termos, importa verificar se estão efectivamente preenchidos os pressupostos para que se considerem responsabilizados civilmente os sócios da sociedade perante os credores desta, nomeadamente perantes os supra citados Autores.

Dos factos
Os Autores adquiriram um lote de terreno sito em Alcoitão para a construção de uma moradia, tendo para o efeito contratado a sociedade comercial “Construcções….Lda.”. Sociedade da qual os Réus eram sócios gerentes, possuidores cada um de uma quota no valor de € 2.500,00. Pelo contrato de empreitada, foi pago pelos Autores aos Réus a quantia de 28.903.175$00, para que finda a obra esta fosse entregue e sem defeito algum. Contudo, finalizada a obra, esta apresentava certas irregularidades que os Réus se escusaram a corrigir, pelo que os autores não tiveram outra hipótese senão a de recorrerem à via judicial.

Acontece que, por sentença exarada do Tribunal que apreciou a causa em primeira instância (o Tribunal Arbitral) ficou provado que: “foram detectados desvios estruturais ao projecto, gravíssimos e impeditivos do prosseguimento da obra, pelo que a obra construída pela “P. e A.” não correspondia à projectada nem poderia ser adaptada (…).”; acresce ainda que, “P. e A.” obrigou-se perante os A.A. a, depois da demolição total da edificação, reeditar toda a sua estrutura;”. Porém, “P. e A.” procedeu à demolição total da edificação por si construída e não procedeu à sua edificação”. Posto isto, encontraram-se os autores no direito de pedir a resolução do contrato de empreitada e, de igual forma, peticionarem uma indemnização devida pelos prejuízos que sofreram.

No entanto, nunca esta indemnização foi paga uma vez que a Sociedade supra descrita, quando citada para o pagamento da quantia indemnizatória já não possuía património algum por onde pudesse ser responsabilizada.

Enquadramento com a temática em estudo
Pelos factos alegados, é notório estarmos perante o regime da Responsabilidade dos Gerentes e Administradores para com os Credores Sociais, consagrado no artigo 78º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual “os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social, se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos”.

Ora, para que os credores possam exercer o direito de indemnização contra os gerentes nos termos do artigo supra exposto é necessário que se preencham cumulativamente os seguintes pressupostos:
a)     Que o facto praticado pelo administrador ou gerente constitua uma inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores da sociedade;
b)     Que o património se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos;
c)      Que o acto do gerente possa considerar-se causa adequada do dano.

Ademais, nos termos do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes das Sociedades Comerciais têm como deveres fundamentais:
a) Deveres de cuidado, relevando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado;” isto numa perspectiva mais direccionada dos deveres para com a sociedade;

E na alínea b) do número 1 do referido artigo encontramos consagrado o “dever de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os trabalhadores, clientes e credores”.

Logo, resulta desta disposição legal que o gerente está obrigado a gerir a sociedade com ponderação e diligência de modo a garantir os interesses legais e contratualmente protegidos dos credores, uma vez que o não respeito pelo estipulado pode ter como consequência a aplicação do artigo 78º do C.S.C. e desta forma é o gerente responsabilizado pessoalmente pelos actos danosos que praticar.

Assim, «Pressuposto primeiro da responsabilidade em análise é a “inobservância das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção” dos credores sociais. A ilicitude, aqui compreende a violação, não de todo e qualquer dever impendendo sobre os administradores, mas tão só dos deveres prescritos em “disposições legais ou contratuais” de protecção dos credores sociais». [1]             

Nesta perspectiva, são normas de protecção dos credores sociais «todas as disposições que se propõe promover a realização e a conservação do capital social - não obstante serem distintos os conceitos de Património Social e de Capital Social e ser aquele e não este que constitui a autêntica garantia de terceiros, máxime dos credores sociais - se destinam directamente à protecção dos credores sociais. (…) Para além destas e de outras normas, que indubitavelmente visam directamente a protecção de terceiros, haverá que apurar, caso a caso, quais as disposições que têm em vista a protecção dos credores sociais, o que alcançara mediante interpretação adequada tendente a fixar o fim da norma (Normzweck), sendo certo que não basta que a norma também aproveite ao credor social, antes sendo necessário que ela tenha também em vista a sua protecção.»[2]

Neste sentido Vasco Lobo Xavier concretiza dois critérios fazendo a distinção das normas que protegem os credores: de um lado coloca as normas que directamente protegem os interesses dos credores, de outro lado as normas que embora visem a protecção dos sócios, de uma forma indirecta protegem também credores e terceiros.

O capital social é muitas das vezes designado como a cifra representativa da entrada dos sócios, e muitas vezes apontado como a garantia dos credores, porém é opinião consensual que é o património social que constitui efectivamente a garantia geral dos credores, pois o património social engloba todos os bens pertencentes à Sociedade e são estes que podem fazer pagar as dívidas desta, “por outras palavras: o património social é, em regra, o único garante dos credores da sociedade. O mesmo é dizer que só os bens e créditos sociais inscritos no activo é que constituem a garantia dos débitos a sociedade, ou seja, o património líquido da sociedade.

Embora seja feita a distinção entre as variáveis doutrinais, o que em nossa opinião é tido como posição dominante, é que o património Social constitui uma verdadeira garantia dos créditos dos credores, logo todas as violações de normas ou disposições legais que provoquem uma diminuição do património social, integram o conceito de “disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes”.

Retira-se ainda daqui a ideia de que todas as normas legais relativamente a protecção, conservação e limitação do uso do património destinam-se a tutelar direitos adquiridos por terceiros, nomeadamente os credores sociais nos termos do artigo 601º do Código Civil em que vigora desta norma legal o princípio da separação de patrimónios como forma a garantir a confiança e segurança jurídica, conciliando com os artigos 31º e 32º do Código das Sociedades Comerciais. Desta forma, os bens da sociedade não se confundem com os bens dos sócios e vice-versa, e os sócios não podem dispor a seu belo prazer, e como lhe convier, dos bens da sociedade.

No Acórdão em análise, não se trata de averiguar se os gerentes tinham o dever de cumprir com os credores, neste casos os Autores, mas antes a obrigação de não violar as leis destinadas a proteger os credores sociais e desta forma abster-se de afectar/diminuir o património social “os Réus apropriaram-se de quantias devidas à sociedade através de cheques desviados do circuito da sociedade para as suas contas bancárias”, “desviavam para seu proveito próprio as receitas da sociedade, (…)”, “(…) não pagando aos seus trabalhadores não pagando aos seus fornecedores, não apresentando as declarações de rendimentos da sociedade, não aprovando as contas da sociedade, não licenciando sequer a sociedade para a sua actividade, deslocando a sua sede efectiva para “parte incerta”, não cumprindo obrigações contratuais, não satisfazendo e acumulando dívidas e não apresentando a sociedade à insolvência (…)”.

Aqui, também encontramos patente a violação do artigo 64º do C.S.C, uma vez que os gerentes não respeitaram os deveres fundamentais a que estão adstritos, não agiram com a diligência necessária a um gestor criterioso e ordenado, não defenderam os interesses da sociedade mas antes sobrepuseram os próprios interesses aos da sociedade. Exigia-se gestores que mantivesse um comportamento correcto e preponderante, que não pusesse em causa a sociedade e os especiais interesses desta. Que a prossecução da sua actividade e os fins visados tivessem sempre em mente o cumprimento das obrigações pela sociedade geradas bem com a lealdade para com os trabalhadores, os credores e demais terceiros.

A conduta dos Réus foi “violadora de deveres sociais, estatutários e legais destinados à protecção dos credores desta, tendo a sociedade ficado sem património por culpa daqueles e tendo sido a conduta adequadamente causadora da situação de total ausência de património social”.

E, nestes termos, “o Administrador constitui-se no dever de indemnizar os credores sociais sempre que pratique um acto danoso, ilícito, e culposo, com os elementos específicos indicados no n.1. A responsabilidade só surge se o dano atingir o património social e o devedor o tornar insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores da sociedade. Há-de ser um dano patrimonial para a sociedade”.[3] 

Certo nos parece que, este problema da responsabilização do gerente só se coloca quando o património da sociedade, enquanto devedora, não é suficiente para satisfação de créditos de terceiros, nomeadamente dos credores, pois de outra forma, se o credor vir satisfeito o seu crédito não terá interesse algum em accionar judicialmente a responsabilidade do gerente ou administrador. Do mesmo modo que no caso de, por variadíssimos motivos, a sociedade se colocar na posição de insolvente, ou seja, o seu património se tornar insuficiente para liquidar todas as dívidas existentes. Esta situação não é de per si, suficiente para que os credores accionem a responsabilização do gerente ou administrador. É necessário que tenha ocorrido acto danoso, ilícito e culposo na gerência, administração da sociedade.

A este respeito, importa referir que com a insolvência da sociedade, os direitos dos credores passam a ser exercidos durante o processo, através do Administrador de Insolvência. Com a respectiva sentença é aberto um “incidente de qualificação” da insolvência que permite apurar se esta foi ocasionada por causas fortuitas ou se ficou a dever-se a culpa do devedor ou dos seus administradores. O art. 186º n.º 2 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) enumera um conjunto de hipóteses em que se presume a culpa, reportadas a “situações criadas ou agravadas nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência”, entre as quais está o incumprimento do dever de se apresentar à insolvência.

Caso a insolvência seja declarada culposa, os dirigentes societários podem ver decretada a inabilitação para a administração/disposição de bens, por um período de 2 a 10 anos; a inibição para o exercício de comércio ou cargos sociais, por igual período e/ou a perda de créditos sobre a massa insolvente.

Por outro lado, também o instituto da resolução em benefício da massa insolvente regulado no CIRE, permite recuperar bens/direitos que os administradores subtraíram à massa, de má fé, nos 4 anos anteriores, em prejuízo dos credores.

Salvo melhor entendimento, é nossa opinião que, no caso em concreto, estão aqui todos os pressupostos preenchidos para aplicação do artigo 78º do C.S.C., pois há uma clara violação de normas ou preceitos legais de protecção dos credores. Em rigor, são normas protectoras dos credores aquelas que impedem a diminuição do património da sociedade de tal modo ao ponto que este se torne insuficiente para garantias dos créditos dos credores, é necessária a existência de ilicitude no comportamento dos gerentes da sociedade e para além de ilícita tem de ser danosa. Terá obrigatoriamente de preencher o nexo causal entre a ilicitude e o dano para que seja permitida a aplicação do artigo 483º do Código Civil.

Este dano provocado na esfera jurídica do credor é um dano indirecto, na medida em que, este não sofre no seu património uma lesão, nada lhe é retirado, mas sim afecta a sua garantia dos créditos que tem para com a sociedade. Na realidade, os credores não sofrem directamente um prejuízo, mas sim, sofrem um dano indirecto ao verem desaparecer a sua esperança de vir a receber o crédito que detém sobre determinada sociedade. 

Chegados a este ponto, cumpre fazer uma breve exposição sobre a distinção que aqui pode operar entre o artigo 78º e o artigo 79º ambos do C.S.C. Na realidade porque aplica o douto acórdão em epígrafe o artigo 78º, e não o 79º?! Sendo que, o artigo 79.º, faz referência à responsabilidade dos gerentes e administradores para com os sócios e terceiros. Para efeitos deste artigo, os sócios e credores são também denominados de terceiros. Contudo o artigo 79.º consagra um regime geral de responsabilidade dos gerentes e administradores pelos danos causados a terceiros, o artigo 78.º consagra o regime especial de responsabilidade por alguns danos, pelos danos que indirectamente causarem aos credores, é aqui no dano que reside a principal diferença de aplicação destes dois artigos, enquanto que o artigo 79º enumera os danos que directamente causar a terceiros (sócios, credores, trabalhadores) o artigo 78.º consagra o dano indirecto ou reflexo, ou seja os administradores ou gerentes respondem para com os credores, quando estes atingem directamente o património da sociedade, tornando este insuficiente e só então provoca um dano indirecto no credor, vendo este a garantia dos seus créditos total ou parcialmente desafectada da sociedade. Este requisito não é exigido no artigo 79.º. Bem como o artigo 79º também não exige a violação de disposições legais ou contratuais dos credores.

No acórdão em apreço, estamos perante a produção de um dano indirecto ou reflexo na esfera jurídica dos Autores, ou seja em abstracto, o dano provocado à sociedade é causa adequada para indirectamente provocar prejuízo aos Autores. A conduta dos gerentes provocou uma lesão na sociedade, não directamente na esfera jurídica dos Autores, mas estes foram atingidos na garantia patrimonial dos seus créditos, diminuindo assim as suas expectativas de vir a receber aquelas quantias em divida. Assim, parece-nos igualmente correcta a aplicação do artigo 78.º em prol do artigo 79º.

Feita esta observação, voltemos ao objecto em discussão. Existe uma obrigação contratual entre o Gerente/Administrador e a Sociedade, o mesmo já não se aplica quando referimos a relação Gerente/Administrador para com terceiros (sócios, credores, trabalhadores). Em grande verdade a responsabilidade invocada pelo artigo 78º «tem natureza delitual ou extracontratual, que não obrigacional ou contratual, pois não existe anteriormente ao acto ilícito, qualquer direito crédito do credor social perante o administrador. Existe apenas um interesse juridicamente protegido a que corresponde um dever de carácter geral»[4].

Entre os administradores/gerentes não existe nenhuma relação obrigacional, nem tão pouco deveres primários de prestação. “As relações creditórias ligam os credores à sociedade, não aos administradores”.[5] É importante frisar ainda o principio subjacente a esta ideia, que é o principio da personalidade jurídica da sociedade, nos termos do artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais “As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do seu registo definitivo do contrato pelo qual se constituem”, no caso em concreto do douto Acórdão, é atribuída personalidade jurídica à Sociedade enquanto que esta não for declarada insolvente, logo continuarão a ser aplicadas as disposições do artigo 146º n.º2.

Daí que para controlar esta situação seja necessário muitas vezes colocar em crise a problemática da desconsideração da personalidade jurídica que chega a ser retratada neste Acórdão, porém não sendo um problema que se coloca na situação em concreto, desde logo se afasta.

Posto isto, vamos agora analisar se se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 483º do Código Civil, “Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

António Menezes Cordeiro e Pedro Pais de Vasconcelos defendem a teoria da existência de uma responsabilidade aquiliana fundamentando para tal a presença de uma imputação delitual plasmada nas normas de protecção, previstas no artigo 483º n.º 1, 2ª parte, a lei exige para este tipo de responsabilidade a violação de normas de protecção dos credores que provoque insuficiência patrimonial. Além disso teremos ainda de verificar se encontram preenchidos os demais requisitos como a ilicitude, a culpa e o nexo causal. Sendo que, importa salientar que na opinião deste autor, nenhum destes fundamentos se presumem, o autor tem de fazer a sua prova com sucesso.

 Jorge Coutinho de Abreu e Maria Elisabete afirmam a existência de uma responsabilidade extra-contratual fundamentada pelo artigo 483.º n.º1 retirando do conteúdo da norma que a responsabilidade civil extracontratual aplica-se aquando da violação de normas legais destinadas a proteger interesses alheios. A responsabilidade dos credores baseia-se na inobservância culposa das disposições legais ou contratuais (estatutárias) destinadas à protecção dos credores. Neste ponto, apenas carece fazer referência ao que a lei engloba no termo “disposições contratuais” sendo que também integra aqui as diposições estatutárias, uma vez que a lei permite que do pacto social resultem normas de protecção dos credores, susceptíveis de ver aplicada a responsabilidade civil.

Na mesma linha da argumentação mas desenvolvendo um pouco mais a ideia, relativamente a culpa, no âmbito da responsabilidade do gerente perante os credores, esta não se presume pelo que, tem os interessados de fazer, com êxito, a competente prova. Aplica-se o regime geral da responsabilidade extracontratual previsto no artigo 487º do Código Civil, em conciliação com o artigo 342º do Código Civil. Em concordância com esta posição vem a teoria de que o artigo 78º n.º 5, apenas faz remissão para os artigos 72º, n.º 2 a 6, 73º, e 74º n.º 1. No artigo 72.º n.º1 quis o legislador aplicar a presunção de culpa quando na parte final afirma “salvo se provarem que procederam sem culpa”. Logo ao não estender a remissão do artigo 78.º n.º5 a esta disposição legal, estatui aqui, no artigo 78º o regime da não presunção de culpa, tendo os interessados ao alegar o direito de fazer prova. «A culpa, como já sobejamente foi apreciado, constitui conditio sine qua non para a formação da responsabilidade civil (…) define, isso sim, é o grau de imputação do facto ao lesante, tendo de se estender, face à expressa exigência do seu requisito e ao sentido que lhe é atribuído de culpa dolosa e não de mera culpa, que não estão abrangidos os comportamentos negligentes, uma vez que, in strictu sensu, culpa, por contraposição a dolo, é actuação de uma pessoa que, por inobservância das suas obrigações, por razões de incúria ou negligência, viola os direitos ou interesses de terceiro».[6]

Relativamente aos danos provocados não podemos deixar de concluir que são danos indirectos, sendo que, são prejuízos que se produzem directamente na sociedade. A diminuição do património da sociedade implica uma perda de garantia dos créditos do credor, em bom rigor, esta diminuição é condição idónea para provocar a diminuição do património do credor. Logo os danos estão directamente relacionados com a diminuição do património. Aqui está o fundamento para acção, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a diminuição do património da sociedade, de tal forma que este se torne insuficiente para grantir os créditos que o credor detém sobre a sociedade.

Conclusão
No caso em concreto, cabe aos Autores Eduardo e Margarida, fazerem a prova com sucesso do que por si é alegado. Argumentando e provando que os Reús agiram de forma ilícita ao dispor do património da sociedade, tomando como seus cheques desta, violando os deveres a que estavam obrigados nos termos do artigo 64º do C.S.C. e violando culposamente as disposições legais ou contratuais destinadas á protecção dos credores. Não parecem existir dúvidas quanto a estes factos, a ilicitude e a culpa estão aqui bem patentes.

Relativamente aos danos, também está provado que a diminuição do património da sociedade por causa imputável aos Réus por estes não terem sidos diligentes na sua conduta profissional, não permite a satisfação dos respectivos créditos dos Autores.

Desta forma, é claro do nosso ponto de vista, que os actos dos gerentes, foi causa mais do que idónea do dano, ou seja da insuficiência do património provocada na esfera jurídica da sociedade.

Concluindo, embora algumas destas formas de responsabilização assumam um carácter mais dissuasor do que ressarcitório, permitem sempre limitar os efeitos das actuações fraudulentas dos administradores, colocando sérios entraves à prática continuada de actos atentatórios directamente da saúde financeira da sociedade, e, indirectamente, das garantias dos credores.

Não podemos, contudo, deixar a ressalva de que, apesar do ordenamento jurídico consagrar um vasto leque de soluções em matéria de responsabilidade dos dirigentes societários perante os credores sociais, a verdade é que, antevendo os efeitos das exigências “troikianas” importa uma crescente atenção para esta temática, e um controlo cada vez mais apertado destas práticas.



Por João Braga Ferreira e Patrícia Fernandes


Dezembro de 2012





[1] Abreu, Coutinho, “Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades” página 70.
[2] Rodrigues, Ilídio Duarte, “A administração das Sociedades por Quotas e Anónimas – Organização e Estatuto dos Administradores”.
[3] Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 de Outubro de 2011, Relator: Ana Cristina Duarte.
[4] Raúl Ventura e Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Anonimas e dos gerentes das Sociedades por Quotas, BMJ, 195, página 66
[5] Textos de apoio Dr. Nuno Manuel Pinto Oliveira op. Citi ……
[6] V. Cunha Oliveira, “Responsabilidade Civil dos Administradores e Gerentes das Sociedades Comerciais”, Vida Económica, 2001.



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