A problemática da responsabilização do produtor pelos
seus produtos
No
atendimento a esta temática, como já salientado, importará sempre ter presente
que não estamos face a um problema desconformidade de um produto adquirido,
previsto no Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, mas sim de um defeito no produto
capaz de causar danos que deverão ser indemnizados, conforme o Decreto-Lei
383/99, alterado pelo Decreto-Lei 121/2001. Relevará então dizer que nem sempre
uma pessoa que adquira um produto desconforme poderá socorrer-se deste regime,
será necessário que esse produto possua um defeito, não oferecendo a segurança
com que legitimamente as pessoas possam contar e, nessa sequência, leve à
produção de danos.
Esta
preocupação do legislador em positivar um regime de responsabilidade do
produtor, como refere Calvão da Silva[1],
fundou-se no vertiginoso desenvolvimento e progresso científico e tecnológico
próprio da contemporânea revolução industrial que trouxe um aumento desmesurado
de acidentes causados por produtos vendidos aos consumidores, provocando danos
na esfera jurídica do lesado, tanto a nível pessoal como patrimonial.
Face a
esta problemática, o poder legislativo é obrigado a atuar, seja por forma a
responsabilizar o produtor pelos danos causados, mas também com a preocupação
da prevenção danos. Esta questão surge primeiramente nos EUA, sendo o escopo principal
desta responsabilidade “a proteção adequada e eficaz do público utente ou
consumidor em geral, exposto ao perigo e ao dano cuja fonte e causa são tais
defeitos”[2]. Com a
intervenção legislativa, pretende-se também estimular o produtor a reduzir os
riscos da inserção de um seu produto no mercado, reduzindo, em consequência, os
defeitos que o produto possa ter.
Assim,
surge a Directiva 85/374/CEE, de 25 de Julho de 1985 que vem consagrar
expressamente a responsabilidade civil por danos causados por produtos
defeituosos, sendo transposta para o nosso ordenamento jurídico pelo
Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro. Este Decreto-Lei, no seu art.1º, prevê
a responsabilidade objectiva do produtor “pelos danos causados por defeitos dos
produtos que põe em circulação”, acentuando ainda, o preâmbulo da referida
Directiva, que a responsabilidade sem culpa do produtor é a sua trave mestra. O
preâmbulo do nosso Decreto-Lei 383/89, vem também considerar que esta
responsabilidade foi pensada pela doutrina como a mais adequada à proteção dos
consumidores, vejamos porquê.
Em
primeiro lugar, porque se ao lesado fosse exigido recorrer ao regime da
responsabilidade extracontratual, teria, necessariamente, de provar a culpa do
produtor no seu defeito, ónus este demasiado oneroso para a pessoa comum dado o
desconhecimento de todo o processo produtivo. Em segundo lugar, e apelando à
responsabilidade contratual, esta apenas tutelaria um leque mínimo de possíveis
lesados, dado o seu regime de responsabilização inter partes do contrato.
Então,
suportando-se na ideia de que quem aproveita o resultado útil de certa
atividade produtiva, deve igualmente suportar os riscos que decorrem da mesma,
o legislador consagrou uma responsabilidade do produtor independente de culpa
ao dispor de todo e qualquer lesado, seja ele a parte contratante ou um
terceiro sem qualquer relação negocial com o produtor. É a consagração do
princípio social do ubi commoda ibi
incommoda, segundo o qual aquele que desfruta vantagens ou benefícios de
uma dada situação deve também suportar os prejuízos dela decorrentes.
Importa
aqui ter como assente que apesar da responsabilidade do produtor ser uma
responsabilidade objectiva, considerando-se aquele responsável independentemente
de culpa, caberá todavia ao lesado demonstrar a verificação do defeito, do dano
e do nexo de causalidade entre ambos, como tem de ser entendido por força do
disposto no art.342º do Código Civil[3].
Além da
Directiva 85/374/CEE, há que salientar ainda outras duas que tiveram na sua
base o mesmo problema da perigosidade ou falta de segurança dos produtos em
circulação no mercado. Temos então a Directiva 92/59 e a Directiva 2001/95 que
se afastam do regime indemnizatório, dando enfoque à prevenção ou impedimento
de comercialização de produtos não seguros ou perigosos. Como nos refere Calvão
da Silva, está “no coração das três Diretivas, pois, a mesma exigência: a
obrigação de segurança dos produtos a fim de se garantir a proteção da vida, da
integridade físico-psíquica e da saúde das pessoas, bem como do seu património”[4].
Quanto
ainda ao Decreto-Lei 383/89, este veio a ser em parte alterado pelo Decreto-Lei
131/2001, na parte tocante aos danos ressarciveis e quanto aos limites indemnizatórios
desses danos e ainda, a alteração mais substancial, a inclusão na noção de
produto para estes efeitos, de todos e quaisquer produtos agrícolas, tenham estes
sofrido ou não transformação
A Responsabilidade Objetiva do Produtor
Como
refere Pinto Monteiro, “a expressão ‘responsabilidade do produtor’ procura
fazer face a um problema candente da atualidade, em virtude de a autonomização
do processo produtivo, a produção em série e a distribuição em cadeia dos
produtos, e o desmembramento da produção-comércio, virem conferir
características específicas ao problema da responsabilidade pelos danos
causados por coisas defeituosas ou perigosas”[5].
Desde logo devemos tentar perceber a razão de ser o produtor a parte
responsável nesta relação. Ora, é o produtor quem concebe e fabrica o produto,
sendo no seu processo produtivo que se preveem ou omitem as instruções
adequadas à sua segurança, e ainda onde se coloca no produto as informações
necessárias sobre os perigos inerentes à sua utilização. Então, temos por certo
que a fase da produção é decisiva na configuração dos produtos, sendo já usual
que os defeitos dos produtos postos em circulação pelo fabricante têm,
normalmente, origem neste processo produtivo, advindo então daí a justificação
da concentração desta responsabilidade no produtor.
Crê-se
que com a imposição desta responsabilidade o produtor será levado a ter um
maior cuidado e controlo dos riscos do seu produto, tutelando assim as
expectativas do consumidor e, sabendo da exigência e certeza deste regime, o
produtor será ainda dissuadido de contestar as ações judiciais contra si
interpostas. Podemos então dizer que este regime, em termos gerais, se
justifica pela “necessidade de segurança pessoal e por exigências de justiça e
de solidariedade social, agravadas pela coeva revolução tecnológica”. Temos
aqui uma evidente preocupação com a tutela do lesado, que seguiu de linha de
orientação da legislação, justificando, assim na lei, “uma noção ampla de
produtor; a solidariedade de vários responsáveis; a não diminuição da responsabilidade
do produtor pela intervenção de terceiro que tenha contribuído para causar o
dano; a inderrogabilidade do regime da responsabilidade; e a preservação da
responsabilidade decorrente de outras disposições legais”.[6]
Contudo,
o legislador não abandona a proteção do produtor, estabelecendo no art. 5º do
Decreto-Lei 383/89 um leque de causas que, a existirem, excluem a sua
responsabilidade. Porém, e para tal, o produtor deverá fazer prova cabal desse
estado de situações. Além desta tutela, estabelece-se ainda um valor mínimo de
dano para acionar o produtor, conforme o artigo 9º Decreto-Lei 131/2001 e,
ainda, um prazo de prescrição e de caducidade, de três e dez anos,
respetivamente, conforme os artigos 11º e 12º do Decreto-Lei 383/89.
Quanto ao produtor
Visto o
fundamento e efeitos do regime da responsabilidade objetiva de uma forma geral,
importa agora saber quem é em concreto o sujeito passivo desta
responsabilidade. Para tal devemos ter em conta a noção geral de produtor, e
que esta é substancialmente idêntica nas várias Diretivas e respetivos diplomas
de transição.
Assim,
verifica-se existirem três tipos de sujeitos considerados produtores, o
produtor real, o produtor aparente e o produtor presumido. Quanto ao produtor
real, esse é constante da previsão do art.2º, 1ª parte do Decreto-Lei 383/89,
alterado pelo Decreto-Lei 131/2001, sendo o fabricante do produto acabado, de
uma parte componente ou de matéria-prima[7].
O produtor aparente, de acordo com o art.2º, 1ª parte do Decreto-Lei 383/89,
será qualquer pessoa que se apresente como tal pela aposição no produto do seu
nome, marca ou outro sinal distintivo[8]
e, o produtor presumido[9], “aquele
que, na Comunidade Económica Europeia e no exercício da sua atividade comercial,
importe do exterior da mesma produtos para venda, aluguer, locação financeira
ou qualquer forma de distribuição”, conforme a al. a) do nº2 do art.2º do DL
383/89. Ainda quanto à al. b) do nº2 do art.2º do DL 383/89, o legislador vem
estabelecer uma presunção iuris tantum
de responsabilização do distribuidor no caso de produtos anónimos, ou seja,
estabelece uma presunção relativa de que é o distribuidor o seu produtor, sendo
ilidível aquando de prova em contrário.
Quanto ao produto
De
acordo com o art.3º do Dl 383/89, “entende-se por produto qualquer coisa móvel,
ainda que incorporada noutra coisa móvel ou imóvel”. Por conseguinte, será
produto qualquer coisa móvel independentemente de perder ou manter a sua
autonomia ou individualidade. Esta noção é particularmente importante em ramos
industriais em se verifica uma junção de vários materiais/produtos, podendo
assim cada fabricante de um produto exclusivo, a ser integrado noutro, ser
responsabilizado pelos danos sem que outro fabricante o seja.
De
salientar aqui que com a Directiva 1999/34/CE, e a sua transposição pelo
Decreto-Lei 131/2001, vieram-se revogar as exceções constantes no nº 2 do
art.3º, que não consideravam os produtos do solo, pecuária, pesca e caça, não
transformados, como produtos para efeitos desta responsabilidade. Esta
alteração legislativa surge por força da chamada “doença das vacas loucas” e o
alarme que trouxe à Europa que, por força do antigo regime, não era suscetível
uma responsabilização dos donos das vacarias. Com estas alterações, alargou-se
o campo de aplicação desta tutela a todos esses produtos por forma a aquietar o
público em geral e restabelecer a confiança dos consumidores na segurança da
produção agrícola.
Quanto ao defeito
Nos
termos do artigo 4º do DL 383/89 entende-se que “um produto é defeituoso quando
não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção
todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que
dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação”.
Da
interpretação deste artigo conjuntamente com o art.3º, al.b), do DL nº69/2005,
que nos dá uma noção de produto seguro, retiramos que o cerne da noção de
defeito repousa na falta de segurança legitimamente esperada do produto e não
na falta de conformidade ou qualidade, aptidão ou idoneidade do produto para a
realização do fim a que se destina.
Em
relação à importância da “ conformidade ou qualidade do produto” é mais
restrita que a segurança, há que referir que são frequentes os casos de
produtos que causam danos na realização da específica função para que foram
concebidos e fabricados. Pense-se no fármaco, idóneo e eficaz no uso a que se
destina, mas causador de graves efeitos secundários; no rímel que provoca cegueira
ao tocar no globo ocular; no brinquedo da criança e na esferográfica que,
quando levado à boca intoxicam (…) conclui-se facilmente que a segurança do
produto vai além da aptidão para o uso a que se destina.
De
salientar que o produto pode ser impróprio (ineficaz) para o fim a que se
destina - ou seja, não conforme com o contrato – e contudo não carecer de
segurança, por este não representar perigo para a pessoa, como a máquina que
não trabalha, o automóvel que não anda, a televisão que não funciona, a semente
que não germina, a planta que não desenvolve (acórdão da Relação de Évora, de
5/2/2004 - Proc. N.º 1839/03-2).
Mas pode
um produto não proporcionar um uso eficaz e seguro, com a falta de segurança,
prejudicar o uso a que se destina ou com a sua ineficiência causar danos
pessoais ou patrimoniais evitáveis pela utilização de (outro) produto idóneo ou
eficaz – a título exemplificativo, pense-se no cinto de segurança, no airbag e no extintor de fogo que em
determinado acidente não funcionam.[10]
A lei não
exige que o produto ofereça um segurança absoluta, apenas a segurança com que
legitimamente se pode contar (art.4º, n.º1, do Decreto-lei n.º383/89), pois existem
“ riscos reduzidos compatíveis com a sua utilização e considerados conciliáveis
com um elevado nível de proteção da saúde e segurança dos consumidores”
(art.2º, al.b), do Decreto-lei nº69/2005; art.2º, al. b), da Directiva
2001/95/CE).
Não
obstante a conformidade com as “normas” e regras legais, o produto se revelar
perigoso para a saúde e segurança das pessoas, as autoridades competentes não
ficam inibidas de adotarem as medidas necessárias para restringir a sua
comercialização ou ordenar mesmo a sua recolha ou retirada do mercado
(art.4º,n.º4, do Decreto-lei nº69/2005; art.3º, n.º4, da Directiva 2001/95/CE).
Naturalmente
que cabe ao lesado a prova do defeito do produto e do nexo de causalidade
adequado entre ele e o dano (art.342º, nº1, do Código Civil), a jurisprudência
fala acerca destas situações:
- Ac. do
STJ, de 5 de Março de 1996, in “Colectânea
de Jurisprudência”, 1996,I,p.119;
- Ac. da
Relação de Coimbra, de 8 de Abril de 1997, in
“Colectânea de Jurisprudência”, 1997, II, p.38: “ tendo um automóvel
estacionado numa garagem ardido, sem se fazer prova da causa do incêndio,
improcede a ação de indemnização pelos danos sofridos”;
- Ac. da
Relação de Lisboa, de 23 de Maio de 1995,
in “Colectânea de Jurisprudência”, III, p.113: “ Os danos no próprio
produto defeituoso não estão abrangidos no regime especial da responsabilidade
civil do produtor” e “se o defeito é da coisa prestada, aquele que recebeu terá
de provar a desconformidade, a existência de um defeito”;
- Ac. da
Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2001, in
“Colectânea de Jurisprudência”, II, p.16: “Não fora a ação ter de claudicar
irremediavelmente por o autor não ter logrado provar a existência de defeitos
das tintas fabricadas e lançadas no
mercado pela Ré, bem poderia a mesma estar comprometida por conexão, total ou
parcial, do vício do uso que o próprio autor deu às mesmas tintas, caso se
provasse que tal viciação do manuseamento ou aplicação ou uso tivesse sido
absolutamente ou parcialmente essencial ao mau resultado da obra”. – Tratava
este caso de tintas aplicadas em superfícies húmidas, com violação das
recomendações técnicas constantes da respectiva ficha técnica.
O artigo 4º do DL 383/89 ao não exigir uma
segurança absoluta, permite que seja o juiz a valorar o defeito tendo em conta
o interesse da comunidade e não às expectativas do respectivo lesado.
Elementos de Valoração do Defeito
Só ao
juiz compete, tendo em conta o caso em concreto poder determinar o defeito do
produto em causa. Todavia o legislador especificou algumas dessas
circunstâncias a valorar pelo julgador, auxiliado por peritos, na complexa
atividade de concretizar a noção elástica ou conceito indeterminado de falta de
segurança legitimamente esperada: a apresentação
do produto, a utilização que dele razoavelmente possa ser feito e o momento da
sua entrada em circulação (art,4º, nº1, 2ª parte, do Decreto-lei
n.º383/89).[11]
Tipologia de defeitos: Defeitos de conceção
Um
produto pode ser defeituoso porque é ilegitimamente inseguro na sua conceção ou
idealização. São os chamados defeitos de projeto ou “design” por inobservância
do estado da ciência e da técnica.
São chamados de defeitos de conceção, aos
defeitos que surgem na fase de conceção idealização ou projeto do produto.
Constituem assim, defeitos intrínsecos ou
defeitos estruturais do produto, mal concebido ou idealizado.
Tipologia de Defeitos: Defeitos de fabrico
O produto pode ser defeituoso porque é
ilegitimamente inseguro ou perigoso no seu fabrico. São defeitos que surgem na
fase de laboração, produção ou fabrico, em execução do projeto ou design
perfeito, defeitos típicos da produção em massa, autonomizada e estandardizada,
e devidos a falhas mecânicas ou/ e humanas da organização empresarial.
Nestes defeitos, o produto afetado difere do
resultado esperado pelo produtor, não se apresentando conforme ao padrão que
este mesmo impôs.
Tipologia de Defeitos: Defeitos de Informação
Há
produtos que podem ser inseguros por falta, insuficiência ou inadequação de
informações, advertências ou instruções sobre o seu uso e perigos conexos.
Apesar de não ser defeituoso na sua estrutura
intrínseca, já que foi bem concebido e fabricado, o produto pode ser defeituoso
porque o seu fabricante o pôs em circulação sem as instruções sobre o seu modo
de emprego, sem qualquer tipo de advertência para os perigos que o seu uso
acarreta, impróprio mas previsível, comporta, sem menção das contra-indicações
da usa utilização, sem informações acerca das suas propriedades perigosas – p. ex. toxicidade, inflamabilidade,
efeitos secundários (…).
Tipologia de Defeitos: Defeitos ou riscos do
desenvolvimento
Um produto pode ser defeituoso, por defeitos
ingnoscíveis segundo o estado da ciência e da técnica ou estado da arte
existente ao tempo do seu lançamento em comércio. São os chamados riscos de
desenvolvimento, que afetam toda a série ( à semelhança dos defeitos de conceção
e dos defeitos de informação), e encontram os seus principais casos no campo da
indústria farmacêutica e química.
A
questão que se coloca é a de saber se deveria o produtor ser responsabilizado
por riscos de desenvolvimento?
Ora, em
1976 foi apresentada uma Directiva que abrangia este tipo de vícios na
responsabilidade objetiva do produtor (art.1º). Contudo, o Parlamento Europeu
propôs a sua exclusão do âmbito da Directiva.
Posteriormente,
o Conselho de Ministros, acabou por aprovar uma solução de compromisso, solução
constante da Directiva 85/374: uma responsabilidade objetiva (art.1º) que não
se estende aos riscos de desenvolvimento, restrição está formulada como causa
liberatória a provar pelo produtor (art.7º, al. e)), mas com possibilidade da
sua (deles, riscos de desenvolvimento) inclusão nas legislações nacionais de
transposição da Directiva, por derrogação da al. e) do art.7º (cfr. art.15º,
n.º1, al.b)).
Portugal,
como quase todos os Estados-membros, não fez uso desta opção, pelo que o
produtor não é responsável se se provar (art.5º, al. e), do Decreto-lei
nº383/89).
Quantos aos danos ressarciveis
Em
virtude de um vazio na legislação, no que concerne a responsabilidade civil sem
dano e a responsabilidade do produtor decorrente de produtos defeituosos, surge
no nosso ordenamento jurídico o decreto-lei nº 383/89 de 6 novembro, que sofreu
algumas alterações com o decreto-lei nº 131/2001 de 24 de Abril e que transpõe
a para a nossa ordem jurídica interna a Directiva n.º 85/374/CEE, referente a
matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituoso. Esta legislação
surge como uma necessidade de obrigação de segurança para as pessoas, relativamente
aos prejuízos que possam surgir com os produtos defeituosos, restando saber
então que tipos de prejuízos estarão ao abrigo desta legislação.
Posto
isto, convém referir que, os danos causados pelos produtos defeituosos que são
indemnizáveis encontram-se tipificados no art.8º do decreto-lei nº 383/89, que
nos indica o seguinte: “ São Ressarciveis os danos resultantes de morte ou
lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja
normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado
principalmente este destino.”
Analisando
o art.8º, podemos constatar que o legislador ao enunciar lesão pessoal, inclui
não só os danos patrimoniais resultantes dos danos do produto defeituoso como
também os danos não patrimoniais, com este sentido, esta norma leva a que
valores constitucionais se encontrem protegidos, tais como, o direito à
liberdade e à segurança previsto no art.27º da CRP e os direitos dos
consumidores, que é o raiz fundamental desta norma, previsto no art.60º da CRP.
O
Decreto-lei nº 383/89 no seu art.13º, consagra uma norma que permite a
aplicação nas normas do direito comum, posto isto quanto a questão de nos
referirmos à dimensão dos danos a indemnizar e quando falamos de danos
emergentes, que correspondem aos prejuízos sofridos, isto é, à diminuição do
património já existente do lesado, e lucro cessantes, que se referem aos ganhos
que se frustraram, aos prejuízo que lhe advieram por não ter aumentado, em
consequência do dano, o seu património[12],
retratados como danos patrimoniais indiretos, aplicamos a teoria da diferença e
a equidade como critérios de compensação de danos futuros[13],
que nos indica que a indemnização será a diferença entre a situação patrimonial
do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que
teria nessa data se não existissem danos conforme o art.566º nº 1 e 2 do Código
Civil, acontece que a graduação equitativa relativamente a indemnização devida
pelo produtor em virtude de responsabilidade objetiva é proibida nos termos do
art. 494 do C.C., no que concerne a uma possível fixação do dano patrimonial
indireto de terceiros em caso de morte ou lesão pessoal, teremos que nos reger
pelo disposto no art. 495 do C.C. e quanto ao valor que deve ser pago ao
consumidor em virtude dos danos não patrimoniais provocados pelo produto, o
mesmo será providenciado pelo art. 496 do C.C., sendo o seu montante fixado
equitativamente pelo tribunal, acontece que este montante deve ser estar ao
abrigo de um especial cuidado respeitando diversos critérios, nunca devendo
estes critérios serem fixos, tratando-se assim de um julgamento por equidade,
todavia a lei manda atender a diversas circunstâncias para que haja uma maior
ou menor redução do valor a indemnizar tais como, o grau da culpabilidade do
agente, situação económica deste e do lesado[14],
bem como também as flutuações do valor da moeda e aos padrões da indemnização
geralmente adotados na jurisprudência[15],
João Calvão da Silva[16] refere
relativamente a este artigo 3 observações, que nos parece importante de
referir, primeiro que nem todos os prejuízos decorrente dos danos produzidos
pelo produto defeituoso serão ressarcidos, isto é, somente os danos que pela
sua gravidade mereçam tutela do direito é que serão ressarciveis, esta ideia é
também por nós defendido porque permite uma amplitude de decisões por parte do
tribunal para considerar quais os tipos de danos que terão possibilidade de
serem tutelados ou não pelo direito, numa segunda observação ao regime do art.
496 do C.C., e como por nós já foi referido anteriormente, refere-se ao regime
da equidade, que por nós é considerado fundamental, e que traz uma grande
responsabilidade ao juiz, que terá de ter em conta não só a gravidade das
lesões, mas também a amplitude que a mesma terá para a vitima, para que ocorra
justiça no caso concreto, a ultima observação de João Calvão da Silva, respeita
à titularidade do direito ao ressarcimento, por morte da vitima, em que por
exemplo quanto aos “danos não patrimoniais laterais” os titulares desse direito
bem mencionados no nº2 do art.496 do C.C.
O
Decreto-Lei nº 131/2001 veio alterar o enunciado de alguns artigos do
Decreto-Lei nº 383/89, mas no que concerne ao art.8, apesar de efetuar
alterações não veio alterar, o cerne da questão no que diz respeito a quais os
tipos de consumidores que podem usufruir deste decreto-lei, porque na 2ª parte
desse mesmo artigo ao referir que, são ressarciveis os danos quando o uso ou
consumo do produto seja destinado a domínio privado e o lesado lhe tenha dado
principalmente este destino, está com esta enunciação do artigo, somente a
proteger o consumidor em sentido estrito, esta é a opinião de João Calvão da
Silva[17], a qual
também é adotada por nós, assim só aquele que usar o produto para um fim
privado, “deve entender-se por uso ou consumo privado, a utilização feita pelo
consumidor da coisa destruída ou defeituosa, para um fim privado, pessoal,
familiar ou doméstico, por contraposição a um fim profissional, ou comercial”[18], é que
poderá usufruir das condições previstas no decreto-lei 383/89, assim será coisa
de domínio privado uma máquina de café utilizada em casa de habitação, já se a
mesma máquina de café for utilizada numa empresa a mesma já não se enquadrara
na definição prevista no art. 8 e o consumidor já não poderá usufruir dos
direitos decorrentes do respetivo decreto-lei, neste sentido vai também ao
encontro a jurisprudência portuguesa seguindo também a opinião de João Calvão
da Silva, como é o caso de um acórdão da Relação de Coimbra, que nos indica
que, “ Apenas são Ressarciveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e
os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente
destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente
esse destino”[19], no caso
em discussão tratava-se de uma viatura automóvel que transportava mercadorias
com um fim comercial e, portanto, profissional logo o consumidor por muita
razão que tivesse em virtude dos danos provocados pelo produto defeituoso não o
poderia usar mão deste decreto-lei para fazer prevalecer o seu direito, já
seria diferente se tivesse a transportar a mercadoria com o intuito de um uso
ou consumo privado.
No
sentido de verificar que tipo de dano está ao abrigo do disposto no decreto-lei
nº 383/89, o art.9º, alterado pelo decreto-lei nº 131/2001, indica que só são
indemnizáveis os danos causados na medida que excederem o valor de 500 euros,
sendo que este tipo de danos, incidem sobre os danos que o produto defeituoso
provoque em coisas diversas desse mesmo produto, isto quer dizer que a norma do
art.9 não se aplica a todo e qualquer tipo de dano, encontrando-se estes sempre
sujeitos a aplicação do direito comum, como bem nos diz João Calvão da Silva
existem outros tipos de danos e os mesmo não se aplicam a este art.9º como por
exemplo, os danos resultantes do global do produto, isto é os que se encontram
no próprio produto defeituoso, e não nas múltiplas partes que fazem o conjunto
do produto, os chamados danos patrimoniais primários ou puros, que são os danos
que não implicam que ocorra uma violação de direito absolutos, e os danos
subsequentes que possam advir da destruição ou deterioração dessas mesmas
coisas de uso privado[20].
Por André Lages, João Pinheiro e Rui Aires Pereira
Maio de 2014
[1] JOÃO CALVÃO DA SILVA in Compra e Venda de Coisas Defeituosas –
Conformidade e Segurança,p.183
[2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Setembro de
2010, relator Serra Baptista
[3] Cfr. Acórdão Tribunal da Relação
de Lisboa, de 1 de Março de 2007, relator Pereira Rodrigues
[4] JOÃO CALVÃO DA SILVA in Compra e Venda de Coisas Defeituosas –
Conformidade e Segurança,p.184
[5] Através do Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, de 9 de Setembro de 2010, relator Serra Baptista
[6] Cfr. preâmbulo DL 383/89
[7] Também conforme o art.1º, al.e),
i) 1ª parte do Decreto-Lei 69/2005
[8] Também conforme o art.1º, al.e),
i) 2ª parte do Decreto-Lei 69/2005
[9] Presunção iuris et iure, não admite prova em contrário.
[10] JOÃO CALVÃO DA SILVA, Compra e Venda de Coisas Defeituosas –
Conformidade e Segurança, p.197.
[11] JOÃO CALVÃO DA SILVA in Compra e Venda de Coisas Defeituosas –
Conformidade e Segurança,p.201
[12] Lima, Pires de e Varela,
Antunes, Código Civil Anotado Volume I 4ª edição, pág. 579 nota 1, Coimbra
Editora
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 9 de Setembro de 2010, relator: Serra Baptista
[14] Lima, Pires de e Varela,
Antunes, Código Civil Anotado Volume I 4ª edição, pág. 497 nota 1, Coimbra
Editora.
[15] Acórdão do Tribunal da Relação
de Lisboa de 27 de Fevereiro de 2007, Relator: Roque Nogueira.
[16] JOÃO CALVÃO DA SILVA in Compra e Venda de Coisas Defeituosas –
Conformidade e Segurança,p.217 a 220
[17] JOÃO CALVÃO DA SILVA in Compra e Venda de Coisas Defeituosas –
Conformidade e Segurança,p.221
[18] Acórdão do Tribunal da Relação
de Coimbra de 27 de Abril de 2004, Relator: DR. Monteiro Casimiro
[19] Acórdão do Tribunal da Relação
de Coimbra de 27 de Abril de 2004, Relator: DR. Monteiro Casimiro
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