quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A Responsabilidade do Produtor por Danos Causados por Produtos Defeituosos





A problemática da responsabilização do produtor pelos seus produtos
No atendimento a esta temática, como já salientado, importará sempre ter presente que não estamos face a um problema desconformidade de um produto adquirido, previsto no Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, mas sim de um defeito no produto capaz de causar danos que deverão ser indemnizados, conforme o Decreto-Lei 383/99, alterado pelo Decreto-Lei 121/2001. Relevará então dizer que nem sempre uma pessoa que adquira um produto desconforme poderá socorrer-se deste regime, será necessário que esse produto possua um defeito, não oferecendo a segurança com que legitimamente as pessoas possam contar e, nessa sequência, leve à produção de danos.

Esta preocupação do legislador em positivar um regime de responsabilidade do produtor, como refere Calvão da Silva[1], fundou-se no vertiginoso desenvolvimento e progresso científico e tecnológico próprio da contemporânea revolução industrial que trouxe um aumento desmesurado de acidentes causados por produtos vendidos aos consumidores, provocando danos na esfera jurídica do lesado, tanto a nível pessoal como patrimonial.

Face a esta problemática, o poder legislativo é obrigado a atuar, seja por forma a responsabilizar o produtor pelos danos causados, mas também com a preocupação da prevenção danos. Esta questão surge primeiramente nos EUA, sendo o escopo principal desta responsabilidade “a proteção adequada e eficaz do público utente ou consumidor em geral, exposto ao perigo e ao dano cuja fonte e causa são tais defeitos”[2]. Com a intervenção legislativa, pretende-se também estimular o produtor a reduzir os riscos da inserção de um seu produto no mercado, reduzindo, em consequência, os defeitos que o produto possa ter.

Assim, surge a Directiva 85/374/CEE, de 25 de Julho de 1985 que vem consagrar expressamente a responsabilidade civil por danos causados por produtos defeituosos, sendo transposta para o nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro. Este Decreto-Lei, no seu art.1º, prevê a responsabilidade objectiva do produtor “pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação”, acentuando ainda, o preâmbulo da referida Directiva, que a responsabilidade sem culpa do produtor é a sua trave mestra. O preâmbulo do nosso Decreto-Lei 383/89, vem também considerar que esta responsabilidade foi pensada pela doutrina como a mais adequada à proteção dos consumidores, vejamos porquê.

Em primeiro lugar, porque se ao lesado fosse exigido recorrer ao regime da responsabilidade extracontratual, teria, necessariamente, de provar a culpa do produtor no seu defeito, ónus este demasiado oneroso para a pessoa comum dado o desconhecimento de todo o processo produtivo. Em segundo lugar, e apelando à responsabilidade contratual, esta apenas tutelaria um leque mínimo de possíveis lesados, dado o seu regime de responsabilização inter partes do contrato.

Então, suportando-se na ideia de que quem aproveita o resultado útil de certa atividade produtiva, deve igualmente suportar os riscos que decorrem da mesma, o legislador consagrou uma responsabilidade do produtor independente de culpa ao dispor de todo e qualquer lesado, seja ele a parte contratante ou um terceiro sem qualquer relação negocial com o produtor. É a consagração do princípio social do ubi commoda ibi incommoda, segundo o qual aquele que desfruta vantagens ou benefícios de uma dada situação deve também suportar os prejuízos dela decorrentes.

Importa aqui ter como assente que apesar da responsabilidade do produtor ser uma responsabilidade objectiva, considerando-se aquele responsável independentemente de culpa, caberá todavia ao lesado demonstrar a verificação do defeito, do dano e do nexo de causalidade entre ambos, como tem de ser entendido por força do disposto no art.342º do Código Civil[3].

Além da Directiva 85/374/CEE, há que salientar ainda outras duas que tiveram na sua base o mesmo problema da perigosidade ou falta de segurança dos produtos em circulação no mercado. Temos então a Directiva 92/59 e a Directiva 2001/95 que se afastam do regime indemnizatório, dando enfoque à prevenção ou impedimento de comercialização de produtos não seguros ou perigosos. Como nos refere Calvão da Silva, está “no coração das três Diretivas, pois, a mesma exigência: a obrigação de segurança dos produtos a fim de se garantir a proteção da vida, da integridade físico-psíquica e da saúde das pessoas, bem como do seu património”[4].

Quanto ainda ao Decreto-Lei 383/89, este veio a ser em parte alterado pelo Decreto-Lei 131/2001, na parte tocante aos danos ressarciveis e quanto aos limites indemnizatórios desses danos e ainda, a alteração mais substancial, a inclusão na noção de produto para estes efeitos, de todos e quaisquer produtos agrícolas, tenham estes sofrido ou não transformação

A Responsabilidade Objetiva do Produtor
Como refere Pinto Monteiro, “a expressão ‘responsabilidade do produtor’ procura fazer face a um problema candente da atualidade, em virtude de a autonomização do processo produtivo, a produção em série e a distribuição em cadeia dos produtos, e o desmembramento da produção-comércio, virem conferir características específicas ao problema da responsabilidade pelos danos causados por coisas defeituosas ou perigosas”[5]

Desde logo devemos tentar perceber a razão de ser o produtor a parte responsável nesta relação. Ora, é o produtor quem concebe e fabrica o produto, sendo no seu processo produtivo que se preveem ou omitem as instruções adequadas à sua segurança, e ainda onde se coloca no produto as informações necessárias sobre os perigos inerentes à sua utilização. Então, temos por certo que a fase da produção é decisiva na configuração dos produtos, sendo já usual que os defeitos dos produtos postos em circulação pelo fabricante têm, normalmente, origem neste processo produtivo, advindo então daí a justificação da concentração desta responsabilidade no produtor.

Crê-se que com a imposição desta responsabilidade o produtor será levado a ter um maior cuidado e controlo dos riscos do seu produto, tutelando assim as expectativas do consumidor e, sabendo da exigência e certeza deste regime, o produtor será ainda dissuadido de contestar as ações judiciais contra si interpostas. Podemos então dizer que este regime, em termos gerais, se justifica pela “necessidade de segurança pessoal e por exigências de justiça e de solidariedade social, agravadas pela coeva revolução tecnológica”. Temos aqui uma evidente preocupação com a tutela do lesado, que seguiu de linha de orientação da legislação, justificando, assim na lei, “uma noção ampla de produtor; a solidariedade de vários responsáveis; a não diminuição da responsabilidade do produtor pela intervenção de terceiro que tenha contribuído para causar o dano; a inderrogabilidade do regime da responsabilidade; e a preservação da responsabilidade decorrente de outras disposições legais”.[6]

Contudo, o legislador não abandona a proteção do produtor, estabelecendo no art. 5º do Decreto-Lei 383/89 um leque de causas que, a existirem, excluem a sua responsabilidade. Porém, e para tal, o produtor deverá fazer prova cabal desse estado de situações. Além desta tutela, estabelece-se ainda um valor mínimo de dano para acionar o produtor, conforme o artigo 9º Decreto-Lei 131/2001 e, ainda, um prazo de prescrição e de caducidade, de três e dez anos, respetivamente, conforme os artigos 11º e 12º do Decreto-Lei 383/89.

Quanto ao produtor
Visto o fundamento e efeitos do regime da responsabilidade objetiva de uma forma geral, importa agora saber quem é em concreto o sujeito passivo desta responsabilidade. Para tal devemos ter em conta a noção geral de produtor, e que esta é substancialmente idêntica nas várias Diretivas e respetivos diplomas de transição.

Assim, verifica-se existirem três tipos de sujeitos considerados produtores, o produtor real, o produtor aparente e o produtor presumido. Quanto ao produtor real, esse é constante da previsão do art.2º, 1ª parte do Decreto-Lei 383/89, alterado pelo Decreto-Lei 131/2001, sendo o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima[7]. O produtor aparente, de acordo com o art.2º, 1ª parte do Decreto-Lei 383/89, será qualquer pessoa que se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo[8] e, o produtor presumido[9], “aquele que, na Comunidade Económica Europeia e no exercício da sua atividade comercial, importe do exterior da mesma produtos para venda, aluguer, locação financeira ou qualquer forma de distribuição”, conforme a al. a) do nº2 do art.2º do DL 383/89. Ainda quanto à al. b) do nº2 do art.2º do DL 383/89, o legislador vem estabelecer uma presunção iuris tantum de responsabilização do distribuidor no caso de produtos anónimos, ou seja, estabelece uma presunção relativa de que é o distribuidor o seu produtor, sendo ilidível aquando de prova em contrário.

Quanto ao produto
De acordo com o art.3º do Dl 383/89, “entende-se por produto qualquer coisa móvel, ainda que incorporada noutra coisa móvel ou imóvel”. Por conseguinte, será produto qualquer coisa móvel independentemente de perder ou manter a sua autonomia ou individualidade. Esta noção é particularmente importante em ramos industriais em se verifica uma junção de vários materiais/produtos, podendo assim cada fabricante de um produto exclusivo, a ser integrado noutro, ser responsabilizado pelos danos sem que outro fabricante o seja.

De salientar aqui que com a Directiva 1999/34/CE, e a sua transposição pelo Decreto-Lei 131/2001, vieram-se revogar as exceções constantes no nº 2 do art.3º, que não consideravam os produtos do solo, pecuária, pesca e caça, não transformados, como produtos para efeitos desta responsabilidade. Esta alteração legislativa surge por força da chamada “doença das vacas loucas” e o alarme que trouxe à Europa que, por força do antigo regime, não era suscetível uma responsabilização dos donos das vacarias. Com estas alterações, alargou-se o campo de aplicação desta tutela a todos esses produtos por forma a aquietar o público em geral e restabelecer a confiança dos consumidores na segurança da produção agrícola.

Quanto ao defeito
Nos termos do artigo 4º do DL 383/89 entende-se que “um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação”.
Da interpretação deste artigo conjuntamente com o art.3º, al.b), do DL nº69/2005, que nos dá uma noção de produto seguro, retiramos que o cerne da noção de defeito repousa na falta de segurança legitimamente esperada do produto e não na falta de conformidade ou qualidade, aptidão ou idoneidade do produto para a realização do fim a que se destina.

Em relação à importância da “ conformidade ou qualidade do produto” é mais restrita que a segurança, há que referir que são frequentes os casos de produtos que causam danos na realização da específica função para que foram concebidos e fabricados. Pense-se no fármaco, idóneo e eficaz no uso a que se destina, mas causador de graves efeitos secundários; no rímel que provoca cegueira ao tocar no globo ocular; no brinquedo da criança e na esferográfica que, quando levado à boca intoxicam (…) conclui-se facilmente que a segurança do produto vai além da aptidão para o uso a que se destina.

De salientar que o produto pode ser impróprio (ineficaz) para o fim a que se destina - ou seja, não conforme com o contrato – e contudo não carecer de segurança, por este não representar perigo para a pessoa, como a máquina que não trabalha, o automóvel que não anda, a televisão que não funciona, a semente que não germina, a planta que não desenvolve (acórdão da Relação de Évora, de 5/2/2004 - Proc. N.º 1839/03-2).

Mas pode um produto não proporcionar um uso eficaz e seguro, com a falta de segurança, prejudicar o uso a que se destina ou com a sua ineficiência causar danos pessoais ou patrimoniais evitáveis pela utilização de (outro) produto idóneo ou eficaz – a título exemplificativo, pense-se no cinto de segurança, no airbag e no extintor de fogo que em determinado acidente não funcionam.[10]

A lei não exige que o produto ofereça um segurança absoluta, apenas a segurança com que legitimamente se pode contar (art.4º, n.º1, do Decreto-lei n.º383/89), pois existem “ riscos reduzidos compatíveis com a sua utilização e considerados conciliáveis com um elevado nível de proteção da saúde e segurança dos consumidores” (art.2º, al.b), do Decreto-lei nº69/2005; art.2º, al. b), da Directiva 2001/95/CE).

Não obstante a conformidade com as “normas” e regras legais, o produto se revelar perigoso para a saúde e segurança das pessoas, as autoridades competentes não ficam inibidas de adotarem as medidas necessárias para restringir a sua comercialização ou ordenar mesmo a sua recolha ou retirada do mercado (art.4º,n.º4, do Decreto-lei nº69/2005; art.3º, n.º4, da Directiva 2001/95/CE).

Naturalmente que cabe ao lesado a prova do defeito do produto e do nexo de causalidade adequado entre ele e o dano (art.342º, nº1, do Código Civil), a jurisprudência fala acerca destas situações:
- Ac. do STJ, de 5 de Março de 1996, in “Colectânea de Jurisprudência”, 1996,I,p.119;
- Ac. da Relação de Coimbra, de 8 de Abril de 1997, in “Colectânea de Jurisprudência”, 1997, II, p.38: “ tendo um automóvel estacionado numa garagem ardido, sem se fazer prova da causa do incêndio, improcede a ação de indemnização pelos danos sofridos”;
- Ac. da Relação de Lisboa, de 23 de Maio de 1995, in “Colectânea de Jurisprudência”, III, p.113: “ Os danos no próprio produto defeituoso não estão abrangidos no regime especial da responsabilidade civil do produtor” e “se o defeito é da coisa prestada, aquele que recebeu terá de provar a desconformidade, a existência de um defeito”;
- Ac. da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2001, in “Colectânea de Jurisprudência”, II, p.16: “Não fora a ação ter de claudicar irremediavelmente por o autor não ter logrado provar a existência de defeitos das tintas fabricadas e lançadas no mercado pela Ré, bem poderia a mesma estar comprometida por conexão, total ou parcial, do vício do uso que o próprio autor deu às mesmas tintas, caso se provasse que tal viciação do manuseamento ou aplicação ou uso tivesse sido absolutamente ou parcialmente essencial ao mau resultado da obra”. – Tratava este caso de tintas aplicadas em superfícies húmidas, com violação das recomendações técnicas constantes da respectiva ficha técnica.

 O artigo 4º do DL 383/89 ao não exigir uma segurança absoluta, permite que seja o juiz a valorar o defeito tendo em conta o interesse da comunidade e não às expectativas do respectivo lesado.

Elementos de Valoração do Defeito
Só ao juiz compete, tendo em conta o caso em concreto poder determinar o defeito do produto em causa. Todavia o legislador especificou algumas dessas circunstâncias a valorar pelo julgador, auxiliado por peritos, na complexa atividade de concretizar a noção elástica ou conceito indeterminado de falta de segurança legitimamente esperada: a apresentação do produto, a utilização que dele razoavelmente possa ser feito e o momento da sua entrada em circulação (art,4º, nº1, 2ª parte, do Decreto-lei n.º383/89).[11]

Tipologia de defeitos: Defeitos de conceção
Um produto pode ser defeituoso porque é ilegitimamente inseguro na sua conceção ou idealização. São os chamados defeitos de projeto ou “design” por inobservância do estado da ciência e da técnica.

 São chamados de defeitos de conceção, aos defeitos que surgem na fase de conceção idealização ou projeto do produto.

 Constituem assim, defeitos intrínsecos ou defeitos estruturais do produto, mal concebido ou idealizado.

Tipologia de Defeitos: Defeitos de fabrico
 O produto pode ser defeituoso porque é ilegitimamente inseguro ou perigoso no seu fabrico. São defeitos que surgem na fase de laboração, produção ou fabrico, em execução do projeto ou design perfeito, defeitos típicos da produção em massa, autonomizada e estandardizada, e devidos a falhas mecânicas ou/ e humanas da organização empresarial.

 Nestes defeitos, o produto afetado difere do resultado esperado pelo produtor, não se apresentando conforme ao padrão que este mesmo impôs.

Tipologia de Defeitos: Defeitos de Informação
Há produtos que podem ser inseguros por falta, insuficiência ou inadequação de informações, advertências ou instruções sobre o seu uso e perigos conexos.

 Apesar de não ser defeituoso na sua estrutura intrínseca, já que foi bem concebido e fabricado, o produto pode ser defeituoso porque o seu fabricante o pôs em circulação sem as instruções sobre o seu modo de emprego, sem qualquer tipo de advertência para os perigos que o seu uso acarreta, impróprio mas previsível, comporta, sem menção das contra-indicações da usa utilização, sem informações acerca das suas propriedades perigosas – p. ex. toxicidade, inflamabilidade, efeitos secundários (…).

Tipologia de Defeitos: Defeitos ou riscos do desenvolvimento
 Um produto pode ser defeituoso, por defeitos ingnoscíveis segundo o estado da ciência e da técnica ou estado da arte existente ao tempo do seu lançamento em comércio. São os chamados riscos de desenvolvimento, que afetam toda a série ( à semelhança dos defeitos de conceção e dos defeitos de informação), e encontram os seus principais casos no campo da indústria farmacêutica e química.

A questão que se coloca é a de saber se deveria o produtor ser responsabilizado por riscos de desenvolvimento?

Ora, em 1976 foi apresentada uma Directiva que abrangia este tipo de vícios na responsabilidade objetiva do produtor (art.1º). Contudo, o Parlamento Europeu propôs a sua exclusão do âmbito da Directiva.

Posteriormente, o Conselho de Ministros, acabou por aprovar uma solução de compromisso, solução constante da Directiva 85/374: uma responsabilidade objetiva (art.1º) que não se estende aos riscos de desenvolvimento, restrição está formulada como causa liberatória a provar pelo produtor (art.7º, al. e)), mas com possibilidade da sua (deles, riscos de desenvolvimento) inclusão nas legislações nacionais de transposição da Directiva, por derrogação da al. e) do art.7º (cfr. art.15º, n.º1, al.b)).

Portugal, como quase todos os Estados-membros, não fez uso desta opção, pelo que o produtor não é responsável se se provar (art.5º, al. e), do Decreto-lei nº383/89).  

Quantos aos danos ressarciveis
Em virtude de um vazio na legislação, no que concerne a responsabilidade civil sem dano e a responsabilidade do produtor decorrente de produtos defeituosos, surge no nosso ordenamento jurídico o decreto-lei nº 383/89 de 6 novembro, que sofreu algumas alterações com o decreto-lei nº 131/2001 de 24 de Abril e que transpõe a para a nossa ordem jurídica interna a Directiva n.º 85/374/CEE, referente a matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituoso. Esta legislação surge como uma necessidade de obrigação de segurança para as pessoas, relativamente aos prejuízos que possam surgir com os produtos defeituosos, restando saber então que tipos de prejuízos estarão ao abrigo desta legislação.

Posto isto, convém referir que, os danos causados pelos produtos defeituosos que são indemnizáveis encontram-se tipificados no art.8º do decreto-lei nº 383/89, que nos indica o seguinte: “ São Ressarciveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino.”
Analisando o art.8º, podemos constatar que o legislador ao enunciar lesão pessoal, inclui não só os danos patrimoniais resultantes dos danos do produto defeituoso como também os danos não patrimoniais, com este sentido, esta norma leva a que valores constitucionais se encontrem protegidos, tais como, o direito à liberdade e à segurança previsto no art.27º da CRP e os direitos dos consumidores, que é o raiz fundamental desta norma, previsto no art.60º da CRP.

O Decreto-lei nº 383/89 no seu art.13º, consagra uma norma que permite a aplicação nas normas do direito comum, posto isto quanto a questão de nos referirmos à dimensão dos danos a indemnizar e quando falamos de danos emergentes, que correspondem aos prejuízos sofridos, isto é, à diminuição do património já existente do lesado, e lucro cessantes, que se referem aos ganhos que se frustraram, aos prejuízo que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência do dano, o seu património[12], retratados como danos patrimoniais indiretos, aplicamos a teoria da diferença e a equidade como critérios de compensação de danos futuros[13], que nos indica que a indemnização será a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos conforme o art.566º nº 1 e 2 do Código Civil, acontece que a graduação equitativa relativamente a indemnização devida pelo produtor em virtude de responsabilidade objetiva é proibida nos termos do art. 494 do C.C., no que concerne a uma possível fixação do dano patrimonial indireto de terceiros em caso de morte ou lesão pessoal, teremos que nos reger pelo disposto no art. 495 do C.C. e quanto ao valor que deve ser pago ao consumidor em virtude dos danos não patrimoniais provocados pelo produto, o mesmo será providenciado pelo art. 496 do C.C., sendo o seu montante fixado equitativamente pelo tribunal, acontece que este montante deve ser estar ao abrigo de um especial cuidado respeitando diversos critérios, nunca devendo estes critérios serem fixos, tratando-se assim de um julgamento por equidade, todavia a lei manda atender a diversas circunstâncias para que haja uma maior ou menor redução do valor a indemnizar tais como, o grau da culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado[14], bem como também as flutuações do valor da moeda e aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência[15], João Calvão da Silva[16] refere relativamente a este artigo 3 observações, que nos parece importante de referir, primeiro que nem todos os prejuízos decorrente dos danos produzidos pelo produto defeituoso serão ressarcidos, isto é, somente os danos que pela sua gravidade mereçam tutela do direito é que serão ressarciveis, esta ideia é também por nós defendido porque permite uma amplitude de decisões por parte do tribunal para considerar quais os tipos de danos que terão possibilidade de serem tutelados ou não pelo direito, numa segunda observação ao regime do art. 496 do C.C., e como por nós já foi referido anteriormente, refere-se ao regime da equidade, que por nós é considerado fundamental, e que traz uma grande responsabilidade ao juiz, que terá de ter em conta não só a gravidade das lesões, mas também a amplitude que a mesma terá para a vitima, para que ocorra justiça no caso concreto, a ultima observação de João Calvão da Silva, respeita à titularidade do direito ao ressarcimento, por morte da vitima, em que por exemplo quanto aos “danos não patrimoniais laterais” os titulares desse direito bem mencionados no nº2 do art.496 do C.C.

O Decreto-Lei nº 131/2001 veio alterar o enunciado de alguns artigos do Decreto-Lei nº 383/89, mas no que concerne ao art.8, apesar de efetuar alterações não veio alterar, o cerne da questão no que diz respeito a quais os tipos de consumidores que podem usufruir deste decreto-lei, porque na 2ª parte desse mesmo artigo ao referir que, são ressarciveis os danos quando o uso ou consumo do produto seja destinado a domínio privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino, está com esta enunciação do artigo, somente a proteger o consumidor em sentido estrito, esta é a opinião de João Calvão da Silva[17], a qual também é adotada por nós, assim só aquele que usar o produto para um fim privado, “deve entender-se por uso ou consumo privado, a utilização feita pelo consumidor da coisa destruída ou defeituosa, para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, por contraposição a um fim profissional, ou comercial”[18], é que poderá usufruir das condições previstas no decreto-lei 383/89, assim será coisa de domínio privado uma máquina de café utilizada em casa de habitação, já se a mesma máquina de café for utilizada numa empresa a mesma já não se enquadrara na definição prevista no art. 8 e o consumidor já não poderá usufruir dos direitos decorrentes do respetivo decreto-lei, neste sentido vai também ao encontro a jurisprudência portuguesa seguindo também a opinião de João Calvão da Silva, como é o caso de um acórdão da Relação de Coimbra, que nos indica que, “ Apenas são Ressarciveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente esse destino”[19], no caso em discussão tratava-se de uma viatura automóvel que transportava mercadorias com um fim comercial e, portanto, profissional logo o consumidor por muita razão que tivesse em virtude dos danos provocados pelo produto defeituoso não o poderia usar mão deste decreto-lei para fazer prevalecer o seu direito, já seria diferente se tivesse a transportar a mercadoria com o intuito de um uso ou consumo privado.

No sentido de verificar que tipo de dano está ao abrigo do disposto no decreto-lei nº 383/89, o art.9º, alterado pelo decreto-lei nº 131/2001, indica que só são indemnizáveis os danos causados na medida que excederem o valor de 500 euros, sendo que este tipo de danos, incidem sobre os danos que o produto defeituoso provoque em coisas diversas desse mesmo produto, isto quer dizer que a norma do art.9 não se aplica a todo e qualquer tipo de dano, encontrando-se estes sempre sujeitos a aplicação do direito comum, como bem nos diz João Calvão da Silva existem outros tipos de danos e os mesmo não se aplicam a este art.9º como por exemplo, os danos resultantes do global do produto, isto é os que se encontram no próprio produto defeituoso, e não nas múltiplas partes que fazem o conjunto do produto, os chamados danos patrimoniais primários ou puros, que são os danos que não implicam que ocorra uma violação de direito absolutos, e os danos subsequentes que possam advir da destruição ou deterioração dessas mesmas coisas de uso privado[20].


Por André Lages, João Pinheiro e Rui Aires Pereira


Maio de 2014



[1] JOÃO CALVÃO DA SILVA in  Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança,p.183
[2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Setembro de 2010, relator Serra Baptista

[3] Cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, de 1 de Março de 2007, relator Pereira Rodrigues
[4] JOÃO CALVÃO DA SILVA in  Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança,p.184
[5] Através do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Setembro de 2010, relator Serra Baptista
[6] Cfr. preâmbulo DL 383/89
[7] Também conforme o art.1º, al.e), i) 1ª parte do Decreto-Lei 69/2005
[8] Também conforme o art.1º, al.e), i) 2ª parte do Decreto-Lei 69/2005
[9] Presunção iuris et iure, não admite prova em contrário.
[10] JOÃO CALVÃO DA SILVA, Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança, p.197.
[11] JOÃO CALVÃO DA SILVA in  Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança,p.201
[12] Lima, Pires de e Varela, Antunes, Código Civil Anotado Volume I 4ª edição, pág. 579 nota 1, Coimbra Editora
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2010, relator: Serra Baptista
[14] Lima, Pires de e Varela, Antunes, Código Civil Anotado Volume I 4ª edição, pág. 497 nota 1, Coimbra Editora. 
[15] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Fevereiro de 2007, Relator: Roque Nogueira.
[16] JOÃO CALVÃO DA SILVA in  Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança,p.217 a 220
[17] JOÃO CALVÃO DA SILVA in  Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança,p.221
[18] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de Abril de 2004, Relator: DR. Monteiro Casimiro
[19] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de Abril de 2004, Relator: DR. Monteiro Casimiro
[20] JOÃO CALVÃO DA SILVA in  Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança,p.222



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