quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O Regime do Contrato de Trabalho Desportivo





O contrato de trabalho
Cumpre antes de iniciar qualquer desenvolvimento acerca das especificidades do contrato de trabalho desportivo, plasmadas na Lei n.º 28/98 de 26 de Junho, analisar o que é, de facto, o contrato de trabalho, de uma maneira breve e resumida, tentando aqui apenas uma introdução e enquadramento da matéria a desenvolver no presente relatório.

 Ora, a definição de contrato de trabalho, para efeitos de Código do Trabalho português, vem previsto no artigo 11.º do Código do Trabalho, que estatui que o contrato de trabalho é “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”, numa definição manifestamente infeliz quando comparada com a do artigo 1152.º do Código Civil, onde se prevê que o contrato de trabalho “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”, na opinião de Luís Manuel Teles Menezes Leitão[1], para onde remeto.

Assim, afiguram-se três os elementos essenciais do contrato de trabalho, que o sejam: a prestação de uma actividade (humana ou intelectual, objecto principal do contrato, prestação de facto positiva e continuada, em que o trabalhador se compromete em realizar a sua actividade, e não a alcançar determinado resultado), a subordinação jurídica (o trabalhador coloca-se sob a autoridade e direcção do empregador, tendo este um poder de direcção em relação àquele, em que são estabelecidas as actividades a desenvolver pelo trabalhador, um poder disciplinar[2] através do qual o empregador pode sancionar conduta indevida e contrária às suas instruções, por parte do trabalhador, assim como este último tem para com o empregador um dever de obediência, relativamente às suas ordens[3], salvo determinadas excepções[4]) e a retribuição (diga-se a contrapartida da prestação da actividade por parte do trabalhador - nexo sinalagmático existe entre ambas, indubitavelmente – plasmada no artigo 258.º n.º 1 do Código do Trabalho.

 Analisados os elementos essenciais do contrato de trabalho, cumpre pois uma breve análise às suas características qualificativas. Para tal, sigo de perto o escrito por Luís Menezes Leitão[5].

Deste modo, o contrato de trabalho afigura-se como um contrato: nominado e típico (a lei estabelece-o e reconhece-o, no Código do Trabalho e demais legislação), primordialmente não formal (não é exigível, por lei, forma especial[6], pelo que será válido qualquer que seja a forma adoptada[7] salvo excepções[8]), obrigacional (o contrato de trabalho gera, para as partes, diferentes obrigações, como o sejam a prestação da actividade pelo trabalhador, e o pagamento da retribuição pelo empregador – artigos 115.º e seguintes e 127.º, número 1, alínea b, respectivamente, do Código do Trabalho), oneroso (irá exigir um sacrifício económico para o trabalhador e empregador), sinalagmático (as obrigações supra referidas são recíprocas, estão entre si ligadas num efeito de causalidade), comutativo (não existe qualquer risco económico subjacente ao contrato, não sendo suficiente para classificar o contrato de trabalho como aleatório o risco do empregador não obter os resultados esperados), intuitu personae (qualidades do empregador e trabalhador são tidas em conta quando se celebra o contrato) e, por fim, de execução continuada (o tempo é elemento fundamental, pois presta-se uma actividade durante determinado período, assim como se atribui uma remuneração segundo esse mesmo período temporal).

Ora, vista a definição de contrato de trabalho, assim como as suas características qualificativas e os seus elementos essenciais, parece neste momento do presente relatório pertinente partir para a análise do regime do contrato de trabalho desportivo.

O Contrato de Trabalho Desportivo
Existem determinadas relações laborais, como o é a existente entre praticante desportivo e o seu empregador, que devido às suas especificidades e particularidades, merecem uma atenção especial por parte do legislador, que regula tais actividades num regime especial – diga-se a título de exemplo a Lei n.º 28/98 de 26 de Junho relativa ao contrato de trabalho desportivo -, sendo apenas aplicável o regime geral estabelecido para o contrato de trabalho quando tal seja compatível com as particularidades e exigências dos referidos contratos[9] – tal denomina-se por contratos de trabalho sujeitos a regime especial.

No âmbito de tais regimes surge-nos, portanto, o regime especial aplicável ao contrato de trabalho desportivo, inicialmente regulado pelo Decreto-Lei n.º 305/95 de 18 de Novembro, e hoje revogado pela Lei n.º 28/98 de 26 de Junho, em vigor, onde se estipulam as especificidades emergentes deste tipo de relação laboral, que vem responder à desadequação do regime do Direito do Trabalho geral à realidade desportiva, desadequação essa que a prática social demonstrou e comprovou.

Num enquadramento jurídico e temporal de tal regime próprio e especial, cumpre estatuir que este surgiu por imposição da Lei de Bases do Sistema Desportivo[10], revogada pela Lei de Bases do Desporto, entretanto também ela revogada pela Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, que foi aprovada pela Lei n.º 5/2007 de 16 de Janeiro e posteriormente alterada pela Lei n.º 74/2013 de 6 de Setembro, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto.

Por força do supra exposto, podemos definir o contrato de trabalho desportivo como o contrato pelo qual “o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva[11].

De modo a que seja realizada uma análise correctamente exposta e organizada, proponho que o presente relatório, acerca das especificidades do contrato de trabalho desportivo, siga a sistematização emergente da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho, cujo objecto não se centra apenas no regime laboral do praticante desportivo, mas também no contrato de formação desportiva, tentando sempre que possível, e de modo esclarecedor, estabelecer um paralelismo entre dois regimes – o geral, do Código do Trabalho, e o especial, da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho.

Do Direito subsidiariamente aplicável
De acordo com o estatuído no artigo 3.º da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho, é possível retirar que o Direito subsidiariamente aplicável às relações laborais desportivas será o regime do Código do Trabalho. Mais especificamente, cumpre também atentar no artigo 9.º do Código do Trabalho, que refere que no que diz respeito aos contratos de trabalho sujeitos a regime especial, se aplicarão, com carácter subsidiário, as regras gerais do Código do Trabalho, quando não sejam incompatíveis com as particularidades próprias de cada regime. Ora, é o que acontece no regime do contrato de trabalho desportivo, que por ser lei especial relativamente ao regime geral do Código do Trabalho, apenas verá aplicadas as regras gerais deste último em tudo que não seja objecto de regulamentação própria do seu regime específico[12].

Da Capacidade para celebrar Contrato de Trabalho
O artigo 4.º da Lei n.º 28/98 regula a capacidade para celebrar contratos de trabalho desportivo, de onde se retiram duas importantes ideias, diferentes mas interligadas entre si.

Em primeiro lugar, poderão celebrar contrato de trabalho desportivo os menores com idade superior a 16 anos, que reúnam os requisitos exigidos pela lei geral do Direito laboral. Ora, a capacidade para celebrar contrato de trabalho nos termos do Código do Trabalho vem prevista no artigo 13.º do Código do Trabalho, que nos remete para os “termos gerais do direito” e para o previsto no próprio Código. No que diz respeito aos princípios gerais do Direito, prevêem os artigos 122.º e seguintes do Código Civil que os menores são, em regra, incapazes para o exercício de direitos, sendo que no entanto o artigo 127.º do mesmo diploma consagra as excepções a tal incapacidade, e o artigo 129.º do mesmo diploma consagra que a incapacidade terminará quando o menor atinja a maioridade ou seja emancipado nos termos legais[13], o que lhe irá atribuir plena capacidade de exercício de direitos, como o ser parte num contrato de trabalho desportivo.

Em segundo lugar, cumpre referir que mesmo dada a possibilidade ao menor com idade superior a 16 anos de ser parte num contrato de trabalho desportivo, o contrato deverá sempre ser também subscrito pelo representante legal do menor, naquilo que podemos caracterizar como um ponto de conhecimento, responsabilização e garantia de segurança do representante legal, para com o menor. A violação de tal subscrição por parte do representante legal gerará a anulação do contrato de trabalho desportivo.

Da Forma do Contrato de Trabalho
No que à forma que o contrato de trabalho desportivo deve revestir diz respeito, releva a leitura do artigo 5.º da Lei n.º 28/98. Este artigo comporta especificidades diferenciadoras do contrato de trabalho desportivo relativamente ao previsto no regime geral aplicável aos contratos de trabalho regulados pelo Código do Trabalho, já que o primeiro deve, obrigatoriamente, ser reduzido a escrito, assim como deve ser assinado pelas partes no contrato – veja-se pois o artigo 5.º número 2 do Diploma em análise – e dele devem constar os elementos previstos e estatuídos nas alíneas a) a f) do mesmo número 2[14]. Para além disso, deve ser lavrado em duplicado[15]. A falta de verificação do supra referido acarretará a nulidade do contrato de trabalho, por força do artigo 220.º do Código Civil[16], sendo que esta será uma nulidade atípica na medida em que os seus efeitos operam simplesmente ex nunc, diga-se não retroactivamente, em virtude do estipulado no artigo 122.º, número 1, do Código do Trabalho[17] [18].

A análise à forma que deve revestir o contrato de trabalho desportivo não ficaria completa sem uma menção ao artigo 6.º da Lei 28/98, que dispensa uma acertada atenção conferida ao registo do contrato de trabalho desportivo, ou a modificações do mesmo[19] nas federações que sejam dotadas de utilidade pública desportiva, quando o praticante, ou diga-se, o trabalhador, preste a sua actividade em competições promovidas por essas mesmas federações[20], e nos termos específicos que sejam concebidos em cada regulamento de cada uma dessas federações[21]. A falta de registo será exclusiva e presumivelmente culpa da entidade empregadora.

Uma última palavra relativamente à protecção conferida ao trabalhador desportivo, neste caso acrescida, por força da necessidade de juntamente com o registo ter que ser provado, pelo empregador, que foi efectuado o seguro de acidentes de trabalho.

Da Duração do Contrato de Trabalho
Uma das grandes diferenças entre o regime geral e o regime especial da Lei n.º 28/98 salta à nossa vista aquando da leitura dos artigos 8.º e 9.º desse mesmo diploma, relativos pois à duração do contrato de trabalho. Passemos pois a analisar quais as diferenças entre ambos os regimes, assim como a descortinar o que justifica tal diferença.

Como sabemos, para efeitos de regime geral do Código do Trabalho, a regra é a de que o contrato de trabalho será celebrado por tempo indeterminado, nos termos dos artigos 139.º e seguintes do Código do Trabalho. No entanto, desde logo será possível perceber que a falta de um termo, para efeitos de regime de contrato de trabalho desportivo, será desajustada relativamente à função eminentemente temporária que um trabalhador praticante desportivo poderá prestar a título de trabalho, à sua entidade empregadora. Aqui reside uma enorme diferença entre os regimes em análise, já que no que diz respeito ao contrato de trabalho desportivo, a regra será a da obrigatoriedade de o contrato de trabalho ser celebrado a termo, com períodos mínimos e máximos de duração que infra exploraremos, o que se justifica devido ao curto período de tempo em que o trabalhador poderá, de forma adequada e ajustada, responder às necessidades da entidade empregadora, que com ele celebrou o contrato[22]. A suportar tal obrigatoriedade de aposição de termo a um contrato de trabalho desportivo, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2007.

Numa perspectiva de importância da existência de termo, existe um entendimento maioritário de que tal é apropriado e ajustado, tendo em vista as peculiaridades do contrato de trabalho desportivo, sendo ainda uma conquista do trabalhador desportivo no que respeita à sua liberdade de trabalho[23]. No entanto, traria mais estabilidade a um trabalhador desportivo que o contrato de trabalho que assina se reconduzisse ao sistema geral plasmado no Código do Trabalho, já que estaria ao seu dispor a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, em que o trabalhador poderia de forma autónoma e livre vir a denunciar o mesmo, nos termos do artigo 400.º do Código do Trabalho. Visa-se assim não a protecção do praticante desportivo, mas sim do fenómeno desportivo em si mesmo, o que leva a uma protecção, ainda que indirectamente, das Sociedades Anónimas Desportivas que empregam os praticantes desportivos.

O termo obrigatório da duração dos contratos de trabalho desportivo foi denominado por Raul Ventura[24] como um termo estabilizador. E estabilizador devido a duas importantes razões[25]: em primeiro lugar porque visa estabilizar a relação jurídica que liga ambas as partes no contrato de trabalho - empregador e praticante desportivo - durante a vigência do período temporal convencionado no contrato assinado por ambas as partes, mantendo-as vinculadas a esse mesmo contrato, durante tal período. Em segundo lugar, e aqui se denota a excessiva protecção conferida à entidade empregadora, ao invés da devida protecção ao trabalhador, na medida em que este último se mantém vinculado à prestação da actividade desportiva por determinado período de tempo, sendo por isso mais fácil ao empregador, findo esse prazo, a desvinculação para com o trabalhador, pelas mais diversas razões[26]. Como referimos supra, a existência de termo protege, em grande parte, o fenómeno desportivo, já que caso fosse dada a possibilidade, ao trabalhador, de se fazer valer da livre denúncia do contrato de trabalho, nos termos do artigo 400.º do Código do Trabalho, tal extinguiria por completo o desporto profissional, movimento cultural e económico que gera fluxos monetários acentuados por todo o mundo, em grande parte devido à expectativa que as massas criam quanto ao desenrolar do espectáculo desportivo, o que não iria ser assegurado de maneira nenhuma, já que o equilíbrio clubístico iria terminar, tendo as entidades empregadoras mais abastadas financeiramente o monopólio dos praticantes desportivos, sem qualquer medida de protecção a ser conferida às entidades empregadoras que, por outro lado, não contam com tantos recursos económico-financeiros, que lhes permitam competir com as primeiras. Assim, apenas o trabalhador se poderá desvincular de tal contrato caso exista justa causa, atendendo sempre ao princípio plasmado no artigo 406.º número 1 do Código Civil, do “pacta sunt servanda”.

Deste modo, o termo estabilizador visa manter a saudável concorrência no mercado de trabalho desportivo, tendo sempre em conta a manutenção da estabilidade contratual entre as partes, e a boa organização das competições desportivas, assentes no equilíbrio entre todos os clubes - leia-se SAD’s, Sociedades Anónimas Desportivas -, principais empregadores de praticantes desportivos.

Quando estamos perante um contrato de trabalho celebrado a termo temos, claro, que analisar os períodos temporais mínimos e máximos para a sua celebração. Assim, analisando o artigo 8.º número 1 da Lei n.º 28/98, sabemos que o período mínimo de validade de um contrato de trabalho desportivo será de uma época desportiva – que para efeitos do número 5 do mesmo artigo será o período de tempo ao longo do qual se irá desenvolver a época desportiva, a ser fixado por cada modalidade pela respectiva federação dotada de utilidade pública desportiva, em prazo nunca superior a 12 meses – e o período máximo de duração do mesmo será de oito épocas desportivas. No que à duração mínima do contrato de trabalho diz respeito, releva referir as alíneas a) e b) do número 2 do artigo 8.º da Lei n.º 28/98, que consagram as devidas excepções a esse mesmo período mínimo de duração do contrato, para onde remeto.

Para alguns autores, diga-se a título de exemplo João Leal Amado[27], o prazo máximo de oito épocas desportivas é excessivo, ainda que na manutenção de interesses relevantes como os das entidades empregadoras, já que o trabalhador praticante desportivo não poderá “evoluir” na carreira desportiva para um outro patamar competitivo, por via de inicialmente ter celebrado um contrato de trabalho com uma duração excessiva.

A duração do contrato tem que ser especificada no próprio contrato, por força das disposições previamente analisadas do artigo 5.º número 2, alíneas d) e e) da Lei n.º 28/98. Caso não seja identificado o termo no contrato de trabalho desportivo, presumir-se-á este celebrado por uma época desportiva, ou para o restante da época desportiva em que tiver sido celebrado – artigo 8.º número 4 da Lei n.º 28/98.

Por fim, cumpre referir que o artigo 9.º da Lei n.º 28/98 estatui que em caso de violação da previsão de prazo mínimo ou máximo na celebração de contrato de trabalho desportivo[28], aplicar-se-ão, respectivamente, os prazos mínimo ou máximo ao contrato em causa.

Do Período Experimental
Atentando no atinente ao período experimental no contrato de trabalho desportivo, vemos que também este comporta especificidades que o distanciam do regime geral dos contratos de trabalho regulados pelo Código do Trabalho.

No que ao regime geral quanto ao período experimental diz respeito, os artigos 111.º e seguintes do Código do Trabalho estabelecem-no, sendo que o artigo 112.º, nos seus números 1 e 2, prevê a duração específica do período experimental para os contratos de trabalho celebrados sem termo e com termo aposto, respectivamente, tendo sempre em linha de conta a duração do contrato nestes últimos, assim como o tipo de actividades prestadas pelo trabalhador que se encontrará em período experimental.

Por outro lado, no regime específico do contrato de trabalho desportivo, o artigo 11.º da Lei n.º 28/98, prevê que a duração máxima do período experimental nunca poderá ir além de 30 dias, sendo reduzido a tal período caso as partes estipulem um prazo superior[29]. Ora, tal prazo é substancialmente mais curto que o previsto no artigo 112.º do Código do Trabalho. Garante-se ainda a proibição de existência de período experimental em caso de se estar perante um primeiro contrato de trabalho com um praticante desportivo que tenha previamente assinado, com a mesma entidade empregadora, um contrato de formação desportiva[30], numa tentativa do legislador proteger o trabalhador, na medida em que a apreciação do interesse na manutenção de um contrato de trabalho entre ambas as partes, mas com acentuados benefícios para o empregador, foi já previamente analisado enquanto esteve em vigor o contrato de formação desportiva em que foi parte o jovem praticante desportivo.

Em termos de cessação do período experimental, o legislador fixou, nos termos do artigo 11.º número 3 da Lei n.º 28/98, regras especiais, que se afiguram na opinião de Albino Mendes Baptista[31], estranhas de um ponto de vista de interesses a tutelar, já que na opinião do autor se esqueceu o legislador, a título exemplificativo, de que um praticante desportivo que sofra lesão grave pode querer ele mesmo denunciar o contrato de trabalho, por se encontrar desagradado com a experiência. É importante sempre garantir que o período experimental seja uma forma de ambas as partes, e não apenas a entidade empregadora, apreciarem o interesse numa futura manutenção do contrato de trabalho, facto que o legislador pareceu esquecer aquando da fixação das regras especiais para cessação do período experimental É importante atender aos interesses quer das entidades empregadoras, quer dos seus trabalhadores desportivos.

Dos Deveres das partes no Contrato de Trabalho
Os deveres das partes num contrato de trabalho sujeito ao regime geral encontram-se previstos nos artigos 126.º a 128º do Código do Trabalho, para onde remeto, sendo que se exige a boa-fé no exercício dos direitos e dos deveres quer do empregador, quer do trabalhador[32], assim como a colaboração entre ambas na prossecução de produtividade e promoção, a vários níveis, do trabalhador[33]. Os artigos 127.º e 128.º do Código do Trabalho elencam, respectivamente, os deveres da entidade empregadora e do trabalhador.

Por sua vez, a Lei n.º 28/98, veio fixar deveres especiais para ambas as partes, nos seus artigos 12.º e 13.º, que visam responder às necessidades práticas que o mundo do desporto impõe às partes num contrato de trabalho desportivo. Passemos então apenas à análise das particularidades abrangidas nestes dois artigos da Lei que regula o contrato de trabalho desportivo, já que por força das remissões feitas nos artigos 3.º desse mesmo diploma, assim como no artigo 9.º do Código do Trabalho, os deveres das entidades empregadoras e dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho também se aplicarão ao regime especial em mérito.

No que aos deveres, em especial, da entidade empregadora de um praticante desportivo diz respeito, comecemos a análise do artigo 12.º da Lei n.º 28/98. É dever da entidade empregadora o permitir que o praticante desportivo integre a respectiva selecção ou representação nacional, assim como a participação do mesmo nos trabalhos relativos à tal representação[34], numa tentativa de o legislador conseguir garantir, para o trabalhador desportivo, uma possibilidade de valorização pessoal e laboral, que lhe permitam uma evolução a nível profissional. Será também dever da entidade empregadora submeter o trabalhador a qualquer tratamento clínico necessário para que o trabalhador possa realizar a prestação desportiva que sustenta o seu contrato de trabalho – visa-se, nesta alínea b) do artigo 12.º, uma protecção acentuada do trabalhador, não permitindo à entidade empregadora abster-se de qualquer diligência essencial para que o trabalhador continue a sua vida profissional. Será também dever em especial da entidade empregadora o previsto no artigo 12.º alínea a), que passa pela obrigatoriedade de a entidade desportiva facultar as condições necessárias para que o trabalhador desenvolva e preste a sua actividade desportiva, assim como a preparação da própria prestação da actividade – pense-se em treinos, palestras, entre outros.

Por outro lado, serão deveres do trabalhador, também em especial, os plasmados no artigo 13.º da Lei n.º 28/98, que agora passo a analisar. Será dever do trabalhador praticante desportivo a participação nos treinos, estágios e outras formas de se preparar profissionalmente para as competições desportivas[35], assim como na respectiva selecção ou representação nacional[36] – visa-se aqui proteger a entidade empregadora de uma não diligente aplicação por parte do trabalhador, de forma a prestar a sua actividade, no âmbito do contrato desportivo. É ainda dever a manutenção de condição física apropriada e adequada à prática da actividade desportiva que está na base do contrato celebrado entre ambas as partes – uma protecção acrescida é aqui conferida à entidade empregadora, que verá garantida uma igual ou aprimorada preparação e disponibilidade física, por parte do trabalhador, em relação à que possuía à data da celebração do contrato de trabalho, de modo a garantir a melhor prestação da sua actividade[37]. Deve o trabalhador ainda sujeitar-se aos tratamentos e exames clínicos que sejam apropriados e necessários para a prática desportiva, garantindo assim que este está a contribuir e cooperar, com a entidade empregadora, para poder voltar a prestar a sua actividade física. Por fim, será um dever em especial do trabalhador o respeito pelas regras disciplinares da modalidade desportiva que pratica, assim como pela ética desportiva.

Da Retribuição
Como analisado supra, a retribuição é um dos elementos essenciais no contrato de trabalho, já que lhe confere a característica qualificativa de contrato oneroso, e serve de forma de manter um sinalagma entre as prestações de ambas as partes no contrato.

No regime geral do contrato de trabalho, e analisando os artigos 258.º e seguintes do Código do Trabalho, percebemos que existem regras fixadas características desse mesmo regime geral, que não cabe aqui explorar por se afastar do tema do trabalho. Cumpre apenas referir que a definição de retribuição é a que se encontra prevista no artigo 258.º número 1, que será uma prestação a que terá o trabalhador direito, em contrapartida da prestação da sua actividade.

Ora, a retribuição no regime especial atinente ao contrato de trabalho desportivo comporta particularidades que a diferenciam do regime geral acima referido, e que cabem aqui analisar. Assim sendo, para efeitos do artigo 14.º da Lei n.º 28/98, todas as prestações patrimoniais – atenção, patrimoniais é, de forma óbvia, diferente de pecuniárias – que a entidade empregadora, no âmbito do contrato de trabalho, realize para o trabalhador são consideradas retribuição, quer sejam pela prestação da sua actividade, quer se devam a resultados obtidos – pense-se aqui em prémios de jogo, entre outros. Relativamente a estes últimos, o número 3 do artigo 14.º do diploma em análise considera que estes se vencem – salvo estipulação contratual em contrário – “com a remuneração do mês seguinte” ao que se obtiveram tais resultados. Distanciou pois o legislador este regime do geral, em que se excluem do conceito de retribuição tais gratificações[38].

De realçar o número 2 do artigo 14.º da Lei n.º 28/98, que considera válida a cláusula contratual que implique o aumento ou a redução da retribuição, devido ao facto de subida ou descida de escalão por parte da entidade empregadora – visa-se salvaguardar os seus interesses, em detrimento dos interesses do praticante desportivo. Tal contrapõe-se ao previsto no artigo 129.º número 1 alínea d) do Código do Trabalho, relativo ao regime geral dos contratos de trabalho, em que se proíbe à entidade empregadora a diminuição da retribuição, salvo determinadas excepções – mais uma vez se compreende a incompatibilidade entre ambos os regimes, pelo que aqui também prevalecerá a lei especial. Não vale aqui, na opinião de Albino Mendes Baptista[39], o princípio laboral que estatui que para trabalho igual, deve a retribuição ser igual, tal como previsto no artigo 270.º do Código do Trabalho, por se mostrar tal princípio completamente desadequado à prática social desportiva.

Do Tempo de Trabalho
Mais um ponto em que ambos os regimes em estudo se afastam, em grande parte devido a necessidades de ordem prática no que respeita ao contrato de trabalho desportivo.

Atentando no regime geral, o tempo e duração do trabalho encontram-se previstos, entre outros, nos artigos 198.º, 241.º, 203.º e 232.º do Código do Trabalho, os quais estabelecem a definição e regras próprias para o período normal de trabalho, entre as quais os limites máximos desse mesmo período – oito horas diárias e quarenta horas semanais – o descanso obrigatório semanal – mínimo de um dia de descanso semanal – assim como os períodos e regras relativas às férias dos trabalhadores.

No entanto, tais previsões não ofereciam aos trabalhadores desportivos resposta às suas necessidades, tão pouco às entidades empregadoras. Deste modo, o legislador encarregou-se de redigir os artigos 15.º e 16.º da Lei n.º 28/98, de forma a corrigir tal desajuste. Começou por abarcar no período normal de trabalho de um praticante desportivo, entre outros – veja-se o número 1 do artigo 15.º do diploma em análise -, o tempo que o trabalhador dispensou em viagens e estágios de concentração, anterior ou posteriormente à participação em competições desportivas. A duração dos referidos estágios de concentração deve limitar-se ao indispensável tendo em conta as exigências de cada modalidade[40], e pode essa duração ser fixada por convenção colectiva de trabalho[41]. Apenas referi a alínea c) do número 1 do artigo 15.º pois parece ser a que mais preocupações levanta para os trabalhadores desportivos, que embora não estejam a desempenhar a sua actividade, prestação devida no âmbito do contrato de trabalho, encontram-se sob ordens, dependência e em situações que decorrem de forma natural dessa mesma prestação.

Outra característica diferenciadora entre ambos os regimes reside no facto de em regra o trabalhador desportivo ter que prestar parte da sua actividade em dia normalmente de descanso semanal – sábado ou domingo -, sendo que nunca deixará de ter direito a um dia de descanso semanal, que quando não seja possível acontecer num dos referidos dias, transferir-se-á para data a acordar pelas partes ou, na falta de acordo, para o primeiro dia disponível[42] – o mesmo aplica-se a feriados, nos termos do número 3 do artigo 16.º da Lei n.º 28/98. Albino Mendes Baptista[43] entende ainda que é incompreensível que não tenha sido dispensada a devida atenção ao horário de trabalho de um praticante desportivo, já que este poderá não raras vezes ter que disputar competições desportivas em período nocturno – devido a interesses maiores como o são a arrecadação de receitas de bilheteira ou devidas pelas transmissões televisivas. No entanto, o mesmo autor entende que esta lacuna legislativa foi suprida através de contratação colectiva, ainda que de modo pouco eficaz – refere-nos, a título de exemplo, o artigo 22.º da Convenção Colectiva de Trabalho outorgada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e pelo Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol.

Do Poder Disciplinar do Empregador
O poder disciplinar da entidade empregadora, ou seja, a possibilidade de esta aplicar sanções justificadamente aos seus trabalhadores, quando estes tenham violado qualquer dos seus deveres contratuais laborais, comporta algumas diferenças entre os dois regimes supra mencionados, e tal deve-se inequivocamente a um importante aspecto: no contrato de trabalho desportivo, segundo autores como Albino Mendes Baptista[44] e João Leal Amado[45], o trabalhador é um importante activo patrimonial, que para além de prestar a sua actividade, pode vir ainda a produzir receitas futuras significativas para a entidade empregadora – pense-se nas transferências milionários ao nível do mundo do futebol, em que parte da receita de tal transferência definitiva de praticantes desportivos reverte para a prévia entidade empregadora. Deste modo, a grande diferença entre ambos os regimes encontra-se na verificação de raríssimas vezes as entidades empregadoras procederem ao despedimento dos seus trabalhadores praticantes desportivos. Deste modo, o legislador passou a conferir elevada importância à sanção pecuniária como forma de a entidade empregadora desportiva exercer o seu poder disciplinar, como se denota pela leitura do artigo 17.º da Lei n.º 28/98, em certa contraposição com o que é previsto nos artigos 328.º e seguintes do Código do Trabalho, relativos ao poder disciplinar no regime geral do contrato de trabalho. Cumpre esclarecer e relembrar que por remissão do artigo 3.º da Lei n.º 28/98, aplicar-se-á, em tudo que não se encontre regulado por essa mesma Lei, e não seja com ela incompatível, o previsto no Código do Trabalho. No entanto, garantem-se igualmente, através dos números 4 e 5 do artigo 17.º da Lei n.º 28/98, garantias que proporcionam ao trabalhador que não lhe sejam aplicadas, discricionária e aleatoriamente, sanções disciplinares não justificadas e desadequadas, como o são o procedimento disciplinar onde são conferidos ao trabalhador todos os meios de defesa ao seu dispor, assim como a garantia de que se deve ter em causa, na determinação da sanção, a gravidade da infracção, a culpa do trabalhador, assim como se garante que apenas lhe seja aplicada uma sanção por cada infracção.

Da Liberdade de Trabalho
Novamente nos deparamos com uma diferenciação entre os regimes até agora estudados, já que a prática desportiva se encarregou, desde cedo, de demonstrar que certas disposições aplicáveis à liberdade do trabalhador no regime geral não seriam adequadas no que diz respeito ao contrato de trabalho desportivo.

Começo por afirmar o carácter fundamental do princípio da liberdade no trabalho, constitucionalmente consagrado na nossa Constituição, no seu artigo 47.º. A liberdade no trabalho traduz-se, em palavras gerais, na possibilidade de o trabalhador, após o término do vínculo contratual que o liga à entidade empregadora, não ver limitada ou condicionada a opção que tenha na escolha de uma nova entidade empregadora – veja-se, para tal, o artigo 18.º número 1 da Lei n.º 28/98, que proíbe expressamente cláusulas que violem o acima exposto.

A necessidade de consagração de um regime diferenciado entre ambos os regimes provém, em parte, da existência do referido “termo estabilizador” supra analisado, já que sabemos que não terá o trabalhador praticante desportivo a possibilidade de denunciar o contrato de trabalho – conforme consta do artigo 26.º da Lei n.º 28/98, que infra analisaremos com mais pormenor – o que fará com que se restrinja a liberdade do trabalhador, quando comparado este regime com o regime geral do Código do Trabalho. De facto, como analisamos previamente, a existência de um termo estabilizador é essencial na manutenção da competitividade desportiva, numa saudável concorrência entre entidades empregadoras, e como forma de manter um mercado de trabalho activo e justo. No entanto, para alguns autores[46], seria necessário diminuir o período de duração máxima dos contratos de trabalho desportivos, já que a opção por tal duração poderá entrar em confronto com o princípio da liberdade do trabalho.

Uma outra diferença entre regimes se justifica aludindo ao pacto de não concorrência, previsto no Código do Trabalho no artigo 136.º, onde no seu número 2 se admitem cláusulas não ajustadas ao fenómeno desportivo, por via de uma limitação extrema da liberdade do praticante desportivo – veja-se a alínea b) do mesmo artigo, em contraposição com o número 1 do artigo 18.º da Lei n.º 28/98.

No entanto, após análise dos números 2 a 6 do artigo 18.º da referida Lei, é possível perceber que mais uma vez, o legislador preocupou-se em proteger a entidade empregadora, através da fixação de possibilidade de por convenção colectiva se estabelecer uma justa indeminização, a pagar pela entidade empregadora com quem o praticante desportivo celebre novo contrato de trabalho, à antiga entidade empregadora, sendo que tal disposição vale apenas a nível nacional – a protecção em relação à anterior entidade empregadora visa assegurar que esta veja, de certo modo, recompensado o esforço financeiro que realizou na valorização e formação do seu anterior trabalhador. O número 4 do mesmo artigo visou precaver eventuais afrontas ao princípio da liberdade de trabalho do praticante desportivo, ainda que de forma em certo ponto indeterminada, já que se proíbe a desproporcionalidade do valor a pagar pela nova entidade empregadora, que caso se apresentasse demasiado dispendiosa, poderia coagir esta a não celebrar tal contrato de trabalho com o trabalhador, restringindo, em última instância, a sua liberdade, que poderá sempre ele próprio satisfazer a compensação atrás referida[47] – o trabalhador poderá ter que “comprar” a sua própria liberdade de trabalho, algo que se afigura estranho quando confrontado com um princípio que tem consagração na nossa Lei Fundamental. Por último cumpre referir que o não pagamento desta compensação não afectará a validade ou a eficácia do novo contrato de trabalho[48].

Da Cedência de Trabalhadores Praticantes Desportivos
Os artigos 19.º e 20.º da Lei n.º 28/98 explicitam o regime específico que se aplicará à cedência de trabalhadores desportivos, sendo que tal comporta necessários ajustes no que diz respeito ao regime geral plasmado no Código do Trabalho, previsto nos artigos 288.º e seguintes deste último diploma, em grande parte no que diz respeito à possibilidade e frequência de acontecimento de tal fenómeno – no regime do contrato desportivo acontece, indubitavelmente, com uma maior regularidade, a cedência de trabalhadores, enquanto no regime geral se olha com desconfiança para a cedência temporária de trabalhadores[49].

Num enquadramento justificativo de tamanha abertura no que refere à cedência de trabalhadores desportivos, cumpre referir que a curta duração de uma carreira desportiva, assim como a mobilidade no que concerne aos trabalhadores desportivos, assim o exigem, permitindo nos 15 a 20 anos de carreira de um trabalhador desportivo não se encontrar impedido de trabalhar por desinteresse da entidade empregadora. Há então que realçar que teve aqui o legislador em conta os interesses quer das entidades empregadoras, quer dos seus trabalhadores. Das entidades empregadoras pois é-lhes possível fazer valer os seus activos, que no momento lhe não trariam vantagens significativas, e que assim lhes permitirá obter certa vantagem patrimonial - cedência temporária em regra traduz-se em vantagem económica como contrapartida de tal cedência, como afirma Menezes Leitão[50] -, assim como reduzir custos com os seus trabalhadores, e formação do seu trabalhador num local mais adequado e ajustado às suas qualidades ao tempo da cedência. Teve também em conta o legislador o interesse dos trabalhadores, pois garante que estes não se encontrarão em situação de inactividade, podendo evoluir a nível profissional, almejando uma melhor posição contratual no contrato de trabalho que assinaram, ou que podem vir a assinar, com a sua ou com outra entidade empregadora.

Deste modo, será possível, nos termos do artigo 19.º número 1 da Lei n.º 28/98 a cedência de trabalhador, caso exista entre este e a sua entidade empregadora acordo para tal, sendo que se deve acordar tal situação por escrito, e tendo sempre em conta que o trabalhador irá exercer actividade que tenha por objecto a mesma actividade que subjaz ao contrato de trabalho que este celebrou com a entidade empregadora cedente[51].

O artigo 20.º do diploma em mérito dedica-se ao contrato de cedência do trabalhador, do qual deverá sempre constar o consentimento do trabalhador[52], e que poderá fazer variar a sua retribuição relativamente ao fixado no contrato de trabalho que este assinou com a cedente, ainda que nunca de modo prejudicial ao trabalhador[53] – visou aqui o legislador proteger o trabalhador que vai ser cedido. Garante-se ainda a transferência dos poderes da entidade empregadora cedente para a cessionária[54], visando que lhe seja possível, com toda a naturalidade, exercer os seus poderes de direcção e disciplinar, entre outros de não menor importância. Estatui-se no número 1 do artigo em análise que se aplicará, com as devidas adaptações, o previsto nos artigos 5.º e 6.º da Lei n.º 28/98, referentes à forma e ao registo do contrato de cedência, pelo que remetemos para o analisado previamente no presente relatório.

Da Cessação do Contrato de Trabalho
Deparamo-nos aqui com uma das mais importantes diferenças no que diz respeito ao regime geral do contrato de trabalho e ao regime previsto para o contrato de trabalho desportivo. Justifica-se pois uma comparação justificativa no que a tal diferenciação diz respeito, já que apenas após perceber as razões que estão na base de tal disparidade de regimes, fará sentido analisar as particularidades de cada um, em especial do contrato de trabalho desportivo.

O artigo 340.º do Código do Trabalho, nas suas várias alíneas, enuncia quais as modalidades possíveis para que se faça cessar um contrato de trabalho, no que ao regime geral diz respeito. Para lá remeto, sendo que infra irei analisar as principais diferenças entre as modalidades possíveis para a cessação do contrato, em ambos os regimes.

Por outro lado, o artigo 26.º número 1 da Lei n.º 28/98 também vem elencar as modalidades previstas para fazer cessar o contrato de trabalho desportivo. Entre as principais diferenças, cumpre referir que no regime especial o contrato pode cessar por abandono do trabalho e por rescisão pelas partes durante a vigência do período experimental, tal como analisado supra no presente relatório. Ora, não prevê a Lei especial a possibilidade de fazer cessar o contrato por extinção do posto de trabalho, por despedimento por inadaptação – tal seria completamente desajustado em relação àquilo que a vida desportiva tem demonstrado - e por denúncia do trabalhador[55].

E é sobre esta última modalidade, a denúncia por parte do trabalhador, que me irei debruçar aqui. Cumprirá aqui apenas realçar que a cessação do contrato de trabalho afecta diferentemente as partes envolvidas no contrato de trabalho, em ambos os regimes em apreço, já que no regime geral se afigura como uma situação de elevada gravidade para o trabalhador, que verá o seu sustento único retirado de si, ao passo que a cessação do contrato no regime desportivo se afigura mais grave para a entidade desportiva, que verá um activo patrimonial sair da sua esfera jurídica – não podendo portanto ser recompensada pelo sacrifício económico que realizou para a evolução e valorização patrimonial do seu trabalhador – e poderá vir a ter problemas a nível orgânico – pense-se num praticante desportivo influente no seio de uma equipa, que vê cessado o seu contrato de trabalho, e deixa de estar presente na estrutura diária da mesma.

De facto, no regime geral permite-se ao trabalhador, sem justa causa, a denúncia do contrato de trabalho, desde que respeite os prazos relativos ao aviso prévio em que deve comunicar à entidade empregadora tal denúncia, previstos no artigo 400.º do Código do Trabalho, sob pena de ser obrigado a pagar uma indeminização à entidade empregadora, nos termos do artigo 401.º do mesmo diploma. Ora, no regime específico do contrato de trabalho desportivo tal possibilidade não é dada ao trabalhador, muito por força do previamente exposto acerca do termo estabilizador, que caracteriza o contrato de trabalho desportivo, e respectivas vantagens – garantir o equilíbrio entre equipas, a concorrência saudável e um mercado de trabalho activo para os praticantes desportivos.

Excluída tal possibilidade da esfera do trabalhador, justificada por interesses maiores como o são os acima expostos e a protecção de todo o fenómeno desportivo profissional, cumpre analisar pois as restantes modalidades de cessação do contrato de trabalho ao dispor das partes no regime especial.

Começando pela caducidade, esta admite-se nos termos previstos também eles no regime geral previsto nos artigos 343.º e seguintes do Código do Trabalho, ou seja, verificado o termo do contrato, a impossibilidade superveniente do praticante desportivo, a título absoluto e definitivo, de praticar a sua actividade desportiva, assim como em caso de reforma do praticante desportivo. Alguns autores têm vindo a prever a possibilidade de aposição ao contrato laboral de condição resolutiva[56].

Analisando o despedimento, por parte da entidade empregadora, com justa causa, do seu trabalhador, na falta de especificação no regime especial de motivos que poderiam justificar a justa causa, aplicar-se-á subsidiariamente, por força do artigo 3.º da Lei n.28/98 e do artigo 9.º do Código do Trabalho o previsto no artigo 351.º deste último diploma, que elenca no seu número 2 as causas que podem motivar tal despedimento. De acordo com o estipulado no artigo 27.º da Lei em análise, em caso de despedimento com justa causa por parte da entidade empregadora, caso se prove a justa causa, o trabalhador incorrerá em responsabilidade civil nos termos dos artigos 798.º e 483.º número 1 do Código Civil, devido ao incumprimento do contrato de trabalho, sendo que a indeminização proveniente de tal responsabilidade jamais poderá exceder o valor que o próprio trabalhador receberia caso o contrato tivesse apenas cessado no seu termo[57]. Tal indeminização será também devida em caso de ilícito despedimento, ou por outras palavras, caso não se preencha o conceito indeterminado de justa causa que a entidade empregadora alegou como motivo para proceder ao despedimento, inclusivamente em caso de reintegração do trabalhador[58], por parte da entidade empregadora. Nos termos do número 3 do mesmo artigo, do montante indemnizatório devem ser deduzidas as quantias remuneratórias que o trabalhador venha a auferir de outra entidade empregadora, enquanto não se verifique o termo do inicial contrato de trabalho.

No que à rescisão durante o período experimental diz respeito, já supra foi analisada, para onde remeto.

  Atentando no despedimento colectivo, por força da aplicação subsidiária do regime geral, aplicar-se-á ao contrato de trabalho desportivo o previsto nos artigos 359.º e seguintes do Código do Trabalho.
Refira-se que o abandono do trabalho é, em termos de regime especial de contrato laboral desportivo, uma das modalidades previstas para fazer cessar o contrato, elencada na alínea g) do artigo 26.º número 1 da Lei n.º 28/98, que passa pelo facto de o trabalhador não se apresentar nos locais de trabalho especificados no contrato, e quando cumulativamente com tal falta de apresentação, se revele a intenção de o trabalhador não retomar a sua prestação de actividade – tal modalidade, para efeitos de regime geral, encontra-se prevista no artigo 403.º do Código do Trabalho. Note-se o número 2 do artigo 26.º da Lei n.º 28/98.

Por fim, analisemos a alínea d) do artigo 26.º número 1 da Lei n.º 28/98, que se prende com a rescisão com justa causa, por parte do trabalhador, do contrato de trabalho. Cumpre desde já realçar que também nesta modalidade se fará valer o previsto no número 1 do artigo 27.º da mesma Lei, já supra analisada em sede da modalidade de despedimento por justa causa, por parte da entidade empregadora, para onde desde já remeto. Importa também referir que nos termos do artigo 28.º do diploma em mérito, não será devida a compensação prevista no artigo 18.º da mesma Lei, referente à liberdade do contrato e previamente analisada, a favor da entidade empregadora que haja valorizado profissionalmente o trabalhador. Mais uma vez o legislador absteve-se de especificar aquilo que constituiria o conceito de justa causa, para efeitos de rescisão do contrato de trabalho desportivo, pelo que por força do artigo 3.º da Lei n.º 28/98 se aplicarão as disposições previstas no Código do Trabalho, no seu artigo 394.º número 2 nas suas várias alíneas, que dizem respeito ao regime geral do contrato de trabalho. Para além destes, e seguindo o pensamento de João Leal Amado[59], poderão constituir motivo de justa causa, para efeitos de regime especial, a violação de qualquer um dos deveres em especial da entidade empregadora, nos termos do artigo 12º da Lei n.º 28/98. O preenchimento do conceito indeterminado “justa causa” poder-se-á dever a dois tipos de comportamentos por parte da entidade empregadora: culposos e não culposos, sendo que dentro destes últimos podemos ainda ter casos em que nem são imputáveis, à entidade empregadora, tais comportamentos. Caberá sempre ao trabalhador que rescinda o seu contrato provar os danos com que arcou devido a tal rescisão, de acordo com o previsto no artigo 342.º número 1 do Código Civil, caso pretenda o pagamento da indeminização por parte da entidade empregadora – caso não o faça, o contrato cessa igualmente, mas não terá o trabalhador direito a qualquer quantia a título indemnizatório. Claro que esta prova de danos com que o trabalhador arcou não será necessária caso seja estipulado, em convenção colectiva, medida mais favorável, inclusive no que se refere a montantes máximos para efeitos de fixação do seu valor[60].

A título geral, diga-se aplicável a todas as modalidades de cessação do contrato de trabalho desportivo, aplicar-se-á o previsto no artigo 29.º da Lei n.º 28/98, que estipula a obrigatoriedade, para efeitos de eficácia da cessação, de comunicação, por parte de quem tenha promovido a cessação, às entidades previstas no artigo 6.º da mesma Lei, que promovem o registo do contrato de trabalho, ab initio.

O artigo 30.º da Lei em apreço, por outro lado, fixa a possibilidade de por meio de convenção colectiva se fixar uma convenção de arbitragem – meio alternativo de resolução de litígios que afasta a jurisdição dos tribunais estaduais através de vontade manifestada pelas partes – no que respeite a conflitos emergentes da celebração de contratos de trabalho desportivos, arbitragem essa institucionalizada que correrá termos junto das Comissões Arbitrais Paritárias, centros institucionalizados de resolução de litígios emergentes de contratos de trabalho desportivos, sempre em respeito pelos números 2 e 3 do artigo 30.º da Lei n.º 28/98.


Por João Nuno Barros


Janeiro de 2014



[1]“Direito do Trabalho”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ano de 2012, 3ª Edição, Almedina, página 96.
[2] Cfr. artigo 98.º do Código do Trabalho.
[3] Veja-se o artigo 128º, n.º 1 alínea e) do Código do Trabalho.
[4] Casos em que exista uma justa recusa em praticar tal ordem, por parte do trabalhador, previstos no Código do Trabalho.
[5] “Direito do Trabalho”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ano de 2012, 3ª Edição, Almedina, página 98.
[6] Veja-se o artigo 110.º do Código do Trabalho.
[7] Veja-se o artigo 219.º do Código Civil.
[8] A título exemplificativo, atente-se nos artigos 5.º n.º1, 101.º n.º2, 103.º n.º1, 158.º n.º 1, entre outros.
[9] Veja-se o artigo 9.º do Código do Trabalho.
[10] Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, posteriormente alterada.
[11] Cfr. o artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho.
[12] “Direito do Trabalho”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ano de 2012, 3ª Edição, Almedina, página 450.
[13] A título exemplificativo veja-se o artigo 132.º do Código Civil.
[14] No que à alínea c) diz respeito, veja-se o número 3 do artigo 5.º da Lei n.º 28/98, que estipula a obrigatoriedade de constar no contrato a parte certa da retribuição que o trabalhador irá auferir, assim como na eventualidade de existir uma parte variável de retribuição, devem constar do contrato as possíveis formas da parte variável, tal como os critérios utilizados para a fixação do montante a prestar ao trabalhador.
[15] Veja-se o artigo 5.º n.º 1 da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho.
[16] Por efeito da remissão feita nos artigos 3.º da Lei n.º 28/98 e do artigo 9.º do Código do Trabalho.
[17] “Contrato de Trabalho do Trabalhador Desportivo – Algumas considerações”, Bruno Bom Ferreira, ano de 2008, compilações doutrinais Verbo Jurídico.
[18] O contrato de trabalho nulo irá produzir efeitos relativamente ao tempo em que foi executado.
[19] Veja-se o artigo 6.º, n.º3 da Lei n.º 28/98.
[20] Veja-se o artigo 6.º, n.º1 da Lei n.º 28/98.
[21] Cfr. artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 28/98.
[22] Pense-se na idade de retiro dos desportistas profissionais, aproximadamente 35 anos de idade.
[23] “Vinculação versus Liberdade - O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo”, João Leal Amado, ano de 2002, Coimbra Editora, página 99.
[24] “A extinção da relação jurídica de trabalho”, Raul Ventura, Revista da Ordem dos Advogados, 1950, nº 1 e 2, páginas 251 e seguintes.
[25] “Contrato de Trabalho do Trabalhador Desportivo – Algumas considerações”, Bruno Bom Ferreira, ano de 2008, compilações doutrinais Verbo Jurídico, página 6.
[26] Maioritariamente refira-se a falta de qualidade da prestação desportiva em relação ao esperado pela entidade empregadora.
[27] “Vinculação versus Liberdade - O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo”, João Leal Amado, ano de 2002, Coimbra Editora, página 115.
[28] Cfr. o artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 28/98.
[29] Veja-se o nº1 do artigo 11º da Lei n.º 28/98.
[30] Cujo regime se encontra plasmado nos artigos 31.º e seguintes da Lei n.º 28/98.
[31] “Estudos sobre o contrato de trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 19.
[32] Veja-se o artigo 126.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[33] Veja-se o artigo 126.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
[34] Cfr. alínea c) do artigo 12.º da Lei n.º 28/98.
[35] Cfr. alínea a) do artigo 13.º da Lei n.º 28/98.
[36] Cfr. alínea b) do artigo 13.º da Lei n.º 28/98.
[37] Cfr. alínea c) do artigo 13.º da Lei n.º 28/98.
[38] Cfr artigo 260.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho.
[39] “Estudos sobre o contrato de trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 25.
[40] Cfr. artigo 15.º, n.º 3 da Lei n.º 28/98.
[41] Cfr. artigo 15.º, n.º 4 da Lei n.º 28/98.
[42] Cfr. artigo 16.º, n.º 2 da Lei n.º 28/98.
[43] “Estudos sobre o contrato de trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 20.
[44] “Estudos sobre o contrato de trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 21.
[45] “Vinculação versus Liberdade - O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo”, João Leal Amado, ano de 2002, Coimbra Editora, página 240.
[46] “Estudos sobre o contrato de trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 22.
[47] Cfr. artigo 18.º, n.º 6 da Lei n.º 28/98.
[48] Cfr. artigo 18.º, n.º 5 da Lei n.º 28/98.
[49] “Estudos sobre o contrato de trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 25.
[50] “Direito do Trabalho”, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ano de 2012, 3ª Edição, Almedina, página 453.
[51] Cfr. artigo 19.º, n.º 2 da Lei n.º 28/98.
[52] Cfr. artigo 20.º, n.º 2 da Lei n.º 28/98.
[53] Cfr. artigo 20.º, n.º 3 da Lei n.º 28/98.
[54] Cfr. artigo 20.º, n.º 4 da Lei n.º 28/98.
[55] J.M. Saraiva de Almeida, “A ruptura unilateral imotivada do Contrato de Trabalho Desportivo por iniciativa do praticante desportivo”, Minerva, 2002, n.º 1, páginas 93 a 113.
[56] “Vinculação versus Liberdade - O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo”, João Leal Amado, ano de 2002, Coimbra Editora, páginas 223 e seguintes.
[57] Cfr. o n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 28/98.
[58] Cfr. o n.º 2 do artigo 27.º da Lei n.º 28/98.
[59] “Vinculação versus Liberdade - O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo”, João Leal Amado, ano de 2002, Coimbra Editora, páginas 263 e 264.
[60] Veja-se a Convenção Colectiva de Trabalho outorgada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e pelo Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, BTE, 1ª série, n.º 33, de 8 de Setembro de 1999, artigo 48.º.



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