O contrato de trabalho
Cumpre
antes de iniciar qualquer desenvolvimento acerca das especificidades do
contrato de trabalho desportivo, plasmadas na Lei n.º 28/98 de 26 de Junho,
analisar o que é, de facto, o contrato de trabalho, de uma maneira breve e
resumida, tentando aqui apenas uma introdução e enquadramento da matéria a
desenvolver no presente relatório.
Ora, a definição de contrato de trabalho, para
efeitos de Código do Trabalho português, vem previsto no artigo 11.º do Código
do Trabalho, que estatui que o contrato de trabalho é “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar
a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a
autoridade destas”, numa definição manifestamente infeliz quando comparada
com a do artigo 1152.º do Código Civil, onde se prevê que o contrato de
trabalho “é aquele pelo qual uma pessoa
se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou
manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”, na opinião de
Luís Manuel Teles Menezes Leitão[1], para onde
remeto.
Assim,
afiguram-se três os elementos essenciais do contrato de trabalho, que o sejam: a
prestação de uma actividade (humana ou intelectual, objecto principal do
contrato, prestação de facto positiva e continuada, em que o trabalhador se
compromete em realizar a sua actividade, e não a alcançar determinado
resultado), a subordinação jurídica (o trabalhador coloca-se sob a
autoridade e direcção do empregador, tendo este um poder de direcção em relação
àquele, em que são estabelecidas as actividades a desenvolver pelo trabalhador,
um poder disciplinar[2] através do
qual o empregador pode sancionar conduta indevida e contrária às suas
instruções, por parte do trabalhador, assim como este último tem para com o
empregador um dever de obediência, relativamente às suas ordens[3], salvo
determinadas excepções[4]) e a retribuição
(diga-se a contrapartida da prestação da actividade por parte do trabalhador -
nexo sinalagmático existe entre ambas, indubitavelmente – plasmada no artigo
258.º n.º 1 do Código do Trabalho.
Analisados os elementos essenciais do contrato
de trabalho, cumpre pois uma breve análise às suas características
qualificativas. Para tal, sigo de perto o escrito por Luís Menezes Leitão[5].
Deste
modo, o contrato de trabalho afigura-se como um contrato: nominado e típico
(a lei estabelece-o e reconhece-o, no Código do Trabalho e demais legislação), primordialmente
não formal (não é exigível, por lei, forma especial[6],
pelo que será válido qualquer que seja a forma adoptada[7]
salvo excepções[8]), obrigacional
(o contrato de trabalho gera, para as partes, diferentes obrigações, como o
sejam a prestação da actividade pelo trabalhador, e o pagamento da retribuição
pelo empregador – artigos 115.º e seguintes e 127.º, número 1, alínea b,
respectivamente, do Código do Trabalho), oneroso (irá exigir um
sacrifício económico para o trabalhador e empregador), sinalagmático (as
obrigações supra referidas são recíprocas, estão entre si ligadas num efeito de
causalidade), comutativo (não existe qualquer risco económico subjacente
ao contrato, não sendo suficiente para classificar o contrato de trabalho como
aleatório o risco do empregador não obter os resultados esperados), intuitu personae (qualidades do
empregador e trabalhador são tidas em conta quando se celebra o contrato) e,
por fim, de execução continuada (o tempo é elemento fundamental, pois
presta-se uma actividade durante determinado período, assim como se atribui uma
remuneração segundo esse mesmo período temporal).
Ora,
vista a definição de contrato de trabalho, assim como as suas características
qualificativas e os seus elementos essenciais, parece neste momento do presente
relatório pertinente partir para a análise do regime do contrato de trabalho
desportivo.
O Contrato de Trabalho Desportivo
Existem
determinadas relações laborais, como o é a existente entre praticante
desportivo e o seu empregador, que devido às suas especificidades e
particularidades, merecem uma atenção especial por parte do legislador, que
regula tais actividades num regime especial – diga-se a título de exemplo a Lei
n.º 28/98 de 26 de Junho relativa ao contrato de trabalho desportivo -, sendo
apenas aplicável o regime geral estabelecido para o contrato de trabalho quando
tal seja compatível com as particularidades e exigências dos referidos
contratos[9] – tal
denomina-se por contratos de trabalho sujeitos a regime especial.
No
âmbito de tais regimes surge-nos, portanto, o regime especial aplicável ao
contrato de trabalho desportivo, inicialmente regulado pelo Decreto-Lei n.º 305/95
de 18 de Novembro, e hoje revogado pela Lei n.º 28/98 de 26 de Junho, em vigor,
onde se estipulam as especificidades emergentes deste tipo de relação laboral,
que vem responder à desadequação do regime do Direito do Trabalho geral à
realidade desportiva, desadequação essa que a prática social demonstrou e
comprovou.
Num
enquadramento jurídico e temporal de tal regime próprio e especial, cumpre
estatuir que este surgiu por imposição da Lei de Bases do Sistema Desportivo[10], revogada
pela Lei de Bases do Desporto, entretanto também ela revogada pela Lei de Bases
da Actividade Física e do Desporto, que foi aprovada pela Lei n.º 5/2007 de 16
de Janeiro e posteriormente alterada pela Lei n.º 74/2013 de 6 de Setembro, que
criou o Tribunal Arbitral do Desporto.
Por
força do supra exposto, podemos definir o contrato de trabalho desportivo como
o contrato pelo qual “o praticante
desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva”[11].
De modo
a que seja realizada uma análise correctamente exposta e organizada, proponho
que o presente relatório, acerca das especificidades do contrato de trabalho
desportivo, siga a sistematização emergente da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho,
cujo objecto não se centra apenas no regime laboral do praticante desportivo,
mas também no contrato de formação desportiva, tentando sempre que possível, e
de modo esclarecedor, estabelecer um paralelismo entre dois regimes – o geral,
do Código do Trabalho, e o especial, da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho.
Do Direito subsidiariamente aplicável
De
acordo com o estatuído no artigo 3.º da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho, é
possível retirar que o Direito subsidiariamente aplicável às relações laborais
desportivas será o regime do Código do Trabalho. Mais especificamente, cumpre
também atentar no artigo 9.º do Código do Trabalho, que refere que no que diz
respeito aos contratos de trabalho sujeitos a regime especial, se aplicarão,
com carácter subsidiário, as regras gerais do Código do Trabalho, quando não
sejam incompatíveis com as particularidades próprias de cada regime. Ora, é o
que acontece no regime do contrato de trabalho desportivo, que por ser lei
especial relativamente ao regime geral do Código do Trabalho, apenas verá
aplicadas as regras gerais deste último em tudo que não seja objecto de
regulamentação própria do seu regime específico[12].
Da Capacidade para celebrar Contrato de Trabalho
O artigo
4.º da Lei n.º 28/98 regula a capacidade para celebrar contratos de trabalho
desportivo, de onde se retiram duas importantes ideias, diferentes mas
interligadas entre si.
Em
primeiro lugar, poderão celebrar contrato de trabalho desportivo os menores com
idade superior a 16 anos, que reúnam os requisitos exigidos pela lei geral do
Direito laboral. Ora, a capacidade para celebrar contrato de trabalho nos
termos do Código do Trabalho vem prevista no artigo 13.º do Código do Trabalho,
que nos remete para os “termos gerais do
direito” e para o previsto no próprio Código. No que diz respeito aos
princípios gerais do Direito, prevêem os artigos 122.º e seguintes do Código
Civil que os menores são, em regra, incapazes para o exercício de direitos,
sendo que no entanto o artigo 127.º do mesmo diploma consagra as excepções a
tal incapacidade, e o artigo 129.º do mesmo diploma consagra que a incapacidade
terminará quando o menor atinja a maioridade ou seja emancipado nos termos
legais[13], o que
lhe irá atribuir plena capacidade de exercício de direitos, como o ser parte
num contrato de trabalho desportivo.
Em
segundo lugar, cumpre referir que mesmo dada a possibilidade ao menor com idade
superior a 16 anos de ser parte num contrato de trabalho desportivo, o contrato
deverá sempre ser também subscrito pelo representante legal do menor, naquilo
que podemos caracterizar como um ponto de conhecimento, responsabilização e
garantia de segurança do representante legal, para com o menor. A violação de
tal subscrição por parte do representante legal gerará a anulação do contrato
de trabalho desportivo.
Da Forma do Contrato de Trabalho
No que à
forma que o contrato de trabalho desportivo deve revestir diz respeito, releva
a leitura do artigo 5.º da Lei n.º 28/98. Este artigo comporta especificidades diferenciadoras
do contrato de trabalho desportivo relativamente ao previsto no regime geral
aplicável aos contratos de trabalho regulados pelo Código do Trabalho, já que o
primeiro deve, obrigatoriamente, ser reduzido a escrito, assim como deve ser
assinado pelas partes no contrato – veja-se pois o artigo 5.º número 2 do
Diploma em análise – e dele devem constar os elementos previstos e estatuídos
nas alíneas a) a f) do mesmo número 2[14].
Para além disso, deve ser lavrado em duplicado[15].
A falta de verificação do supra referido acarretará a nulidade do contrato de
trabalho, por força do artigo 220.º do Código Civil[16],
sendo que esta será uma nulidade atípica na medida em que os seus efeitos
operam simplesmente ex nunc, diga-se
não retroactivamente, em virtude do estipulado no artigo 122.º, número 1, do
Código do Trabalho[17] [18].
A
análise à forma que deve revestir o contrato de trabalho desportivo não ficaria
completa sem uma menção ao artigo 6.º da Lei 28/98, que dispensa uma acertada
atenção conferida ao registo do contrato de trabalho desportivo, ou a
modificações do mesmo[19] nas
federações que sejam dotadas de utilidade pública desportiva, quando o
praticante, ou diga-se, o trabalhador, preste a sua actividade em competições
promovidas por essas mesmas federações[20],
e nos termos específicos que sejam concebidos em cada regulamento de cada uma
dessas federações[21]. A falta
de registo será exclusiva e presumivelmente culpa da entidade empregadora.
Uma
última palavra relativamente à protecção conferida ao trabalhador desportivo,
neste caso acrescida, por força da necessidade de juntamente com o registo ter
que ser provado, pelo empregador, que foi efectuado o seguro de acidentes de
trabalho.
Da Duração do Contrato de Trabalho
Uma das
grandes diferenças entre o regime geral e o regime especial da Lei n.º 28/98
salta à nossa vista aquando da leitura dos artigos 8.º e 9.º desse mesmo
diploma, relativos pois à duração do contrato de trabalho. Passemos pois a
analisar quais as diferenças entre ambos os regimes, assim como a descortinar o
que justifica tal diferença.
Como sabemos,
para efeitos de regime geral do Código do Trabalho, a regra é a de que o
contrato de trabalho será celebrado por tempo indeterminado, nos termos dos
artigos 139.º e seguintes do Código do Trabalho. No entanto, desde logo será
possível perceber que a falta de um termo, para efeitos de regime de contrato
de trabalho desportivo, será desajustada relativamente à função eminentemente
temporária que um trabalhador praticante desportivo poderá prestar a título de
trabalho, à sua entidade empregadora. Aqui reside uma enorme diferença entre os
regimes em análise, já que no que diz respeito ao contrato de trabalho
desportivo, a regra será a da obrigatoriedade de o contrato de trabalho ser
celebrado a termo, com períodos mínimos e máximos de duração que infra exploraremos,
o que se justifica devido ao curto período de tempo em que o trabalhador
poderá, de forma adequada e ajustada, responder às necessidades da entidade
empregadora, que com ele celebrou o contrato[22].
A suportar tal obrigatoriedade de aposição de termo a um contrato de trabalho
desportivo, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de
2007.
Numa
perspectiva de importância da existência de termo, existe um entendimento
maioritário de que tal é apropriado e ajustado, tendo em vista as
peculiaridades do contrato de trabalho desportivo, sendo ainda uma conquista do
trabalhador desportivo no que respeita à sua liberdade de trabalho[23]. No
entanto, traria mais estabilidade a um trabalhador desportivo que o contrato de
trabalho que assina se reconduzisse ao sistema geral plasmado no Código do
Trabalho, já que estaria ao seu dispor a celebração de um contrato de trabalho
por tempo indeterminado, em que o trabalhador poderia de forma autónoma e livre
vir a denunciar o mesmo, nos termos do artigo 400.º do Código do Trabalho.
Visa-se assim não a protecção do praticante desportivo, mas sim do fenómeno
desportivo em si mesmo, o que leva a uma protecção, ainda que indirectamente,
das Sociedades Anónimas Desportivas que empregam os praticantes desportivos.
O termo
obrigatório da duração dos contratos de trabalho desportivo foi denominado por
Raul Ventura[24] como um
termo estabilizador. E estabilizador devido a duas importantes razões[25]: em
primeiro lugar porque visa estabilizar a relação jurídica que liga ambas as
partes no contrato de trabalho - empregador e praticante desportivo - durante a
vigência do período temporal convencionado no contrato assinado por ambas as
partes, mantendo-as vinculadas a esse mesmo contrato, durante tal período. Em
segundo lugar, e aqui se denota a excessiva protecção conferida à entidade
empregadora, ao invés da devida protecção ao trabalhador, na medida em que este
último se mantém vinculado à prestação da actividade desportiva por determinado
período de tempo, sendo por isso mais fácil ao empregador, findo esse prazo, a
desvinculação para com o trabalhador, pelas mais diversas razões[26]. Como
referimos supra, a existência de termo protege, em grande parte, o fenómeno
desportivo, já que caso fosse dada a possibilidade, ao trabalhador, de se fazer
valer da livre denúncia do contrato de trabalho, nos termos do artigo 400.º do
Código do Trabalho, tal extinguiria por completo o desporto profissional,
movimento cultural e económico que gera fluxos monetários acentuados por todo o
mundo, em grande parte devido à expectativa que as massas criam quanto ao
desenrolar do espectáculo desportivo, o que não iria ser assegurado de maneira
nenhuma, já que o equilíbrio clubístico iria terminar, tendo as entidades
empregadoras mais abastadas financeiramente o monopólio dos praticantes
desportivos, sem qualquer medida de protecção a ser conferida às entidades
empregadoras que, por outro lado, não contam com tantos recursos
económico-financeiros, que lhes permitam competir com as primeiras. Assim, apenas
o trabalhador se poderá desvincular de tal contrato caso exista justa causa,
atendendo sempre ao princípio plasmado no artigo 406.º número 1 do Código
Civil, do “pacta sunt servanda”.
Deste
modo, o termo estabilizador visa manter a saudável concorrência no mercado de
trabalho desportivo, tendo sempre em conta a manutenção da estabilidade
contratual entre as partes, e a boa organização das competições desportivas,
assentes no equilíbrio entre todos os clubes - leia-se SAD’s, Sociedades
Anónimas Desportivas -, principais empregadores de praticantes desportivos.
Quando
estamos perante um contrato de trabalho celebrado a termo temos, claro, que
analisar os períodos temporais mínimos e máximos para a sua celebração. Assim,
analisando o artigo 8.º número 1 da Lei n.º 28/98, sabemos que o período
mínimo de validade de um contrato de trabalho desportivo será de uma época
desportiva – que para efeitos do número 5 do mesmo artigo será o período de
tempo ao longo do qual se irá desenvolver a época desportiva, a ser fixado por
cada modalidade pela respectiva federação dotada de utilidade pública
desportiva, em prazo nunca superior a 12 meses – e o período máximo de
duração do mesmo será de oito épocas desportivas. No que à duração mínima do
contrato de trabalho diz respeito, releva referir as alíneas a) e b) do número
2 do artigo 8.º da Lei n.º 28/98, que consagram as devidas excepções a esse
mesmo período mínimo de duração do contrato, para onde remeto.
Para
alguns autores, diga-se a título de exemplo João Leal Amado[27],
o prazo máximo de oito épocas desportivas é excessivo, ainda que na manutenção
de interesses relevantes como os das entidades empregadoras, já que o
trabalhador praticante desportivo não poderá “evoluir” na carreira desportiva
para um outro patamar competitivo, por via de inicialmente ter celebrado um
contrato de trabalho com uma duração excessiva.
A
duração do contrato tem que ser especificada no próprio contrato, por força das
disposições previamente analisadas do artigo 5.º número 2, alíneas d) e e) da
Lei n.º 28/98. Caso não seja identificado o termo no contrato de trabalho
desportivo, presumir-se-á este celebrado por uma época desportiva, ou para o
restante da época desportiva em que tiver sido celebrado – artigo 8.º número 4
da Lei n.º 28/98.
Por fim,
cumpre referir que o artigo 9.º da Lei n.º 28/98 estatui que em caso de
violação da previsão de prazo mínimo ou máximo na celebração de contrato de
trabalho desportivo[28],
aplicar-se-ão, respectivamente, os prazos mínimo ou máximo ao contrato em
causa.
Do Período Experimental
Atentando
no atinente ao período experimental no contrato de trabalho desportivo, vemos
que também este comporta especificidades que o distanciam do regime geral dos
contratos de trabalho regulados pelo Código do Trabalho.
No que
ao regime geral quanto ao período experimental diz respeito, os artigos 111.º e
seguintes do Código do Trabalho estabelecem-no, sendo que o artigo 112.º, nos
seus números 1 e 2, prevê a duração específica do período experimental para os
contratos de trabalho celebrados sem termo e com termo aposto, respectivamente,
tendo sempre em linha de conta a duração do contrato nestes últimos, assim como
o tipo de actividades prestadas pelo trabalhador que se encontrará em período
experimental.
Por
outro lado, no regime específico do contrato de trabalho desportivo, o artigo
11.º da Lei n.º 28/98, prevê que a duração máxima do período experimental nunca
poderá ir além de 30 dias, sendo reduzido a tal período caso as partes
estipulem um prazo superior[29]. Ora, tal
prazo é substancialmente mais curto que o previsto no artigo 112.º do Código do
Trabalho. Garante-se ainda a proibição de existência de período experimental em
caso de se estar perante um primeiro contrato de trabalho com um praticante
desportivo que tenha previamente assinado, com a mesma entidade empregadora, um
contrato de formação desportiva[30], numa
tentativa do legislador proteger o trabalhador, na medida em que a apreciação
do interesse na manutenção de um contrato de trabalho entre ambas as partes,
mas com acentuados benefícios para o empregador, foi já previamente analisado
enquanto esteve em vigor o contrato de formação desportiva em que foi parte o
jovem praticante desportivo.
Em
termos de cessação do período experimental, o legislador fixou, nos termos do
artigo 11.º número 3 da Lei n.º 28/98, regras especiais, que se afiguram na
opinião de Albino Mendes Baptista[31],
estranhas de um ponto de vista de interesses a tutelar, já que na opinião do
autor se esqueceu o legislador, a título exemplificativo, de que um praticante
desportivo que sofra lesão grave pode querer ele mesmo denunciar o contrato de
trabalho, por se encontrar desagradado com a experiência. É importante sempre garantir
que o período experimental seja uma forma de ambas as partes, e não apenas a
entidade empregadora, apreciarem o interesse numa futura manutenção do contrato
de trabalho, facto que o legislador pareceu esquecer aquando da fixação das
regras especiais para cessação do período experimental É importante atender aos
interesses quer das entidades empregadoras, quer dos seus trabalhadores
desportivos.
Dos Deveres das partes no Contrato de Trabalho
Os
deveres das partes num contrato de trabalho sujeito ao regime geral
encontram-se previstos nos artigos 126.º a 128º do Código do Trabalho, para
onde remeto, sendo que se exige a boa-fé no exercício dos direitos e dos
deveres quer do empregador, quer do trabalhador[32],
assim como a colaboração entre ambas na prossecução de produtividade e
promoção, a vários níveis, do trabalhador[33].
Os artigos 127.º e 128.º do Código do Trabalho elencam, respectivamente, os
deveres da entidade empregadora e do trabalhador.
Por sua
vez, a Lei n.º 28/98, veio fixar deveres especiais para ambas as partes, nos
seus artigos 12.º e 13.º, que visam responder às necessidades práticas que o
mundo do desporto impõe às partes num contrato de trabalho desportivo. Passemos
então apenas à análise das particularidades abrangidas nestes dois artigos da
Lei que regula o contrato de trabalho desportivo, já que por força das
remissões feitas nos artigos 3.º desse mesmo diploma, assim como no artigo 9.º
do Código do Trabalho, os deveres das entidades empregadoras e dos
trabalhadores previstos no Código do Trabalho também se aplicarão ao regime
especial em mérito.
No que
aos deveres, em especial, da entidade empregadora de um praticante desportivo
diz respeito, comecemos a análise do artigo 12.º da Lei n.º 28/98. É dever da
entidade empregadora o permitir que o praticante desportivo integre a
respectiva selecção ou representação nacional, assim como a participação do
mesmo nos trabalhos relativos à tal representação[34],
numa tentativa de o legislador conseguir garantir, para o trabalhador
desportivo, uma possibilidade de valorização pessoal e laboral, que lhe
permitam uma evolução a nível profissional. Será também dever da entidade
empregadora submeter o trabalhador a qualquer tratamento clínico necessário
para que o trabalhador possa realizar a prestação desportiva que sustenta o seu
contrato de trabalho – visa-se, nesta alínea b) do artigo 12.º, uma protecção
acentuada do trabalhador, não permitindo à entidade empregadora abster-se de
qualquer diligência essencial para que o trabalhador continue a sua vida
profissional. Será também dever em especial da entidade empregadora o previsto
no artigo 12.º alínea a), que passa pela obrigatoriedade de a entidade
desportiva facultar as condições necessárias para que o trabalhador desenvolva
e preste a sua actividade desportiva, assim como a preparação da própria
prestação da actividade – pense-se em treinos, palestras, entre outros.
Por
outro lado, serão deveres do trabalhador, também em especial, os plasmados no
artigo 13.º da Lei n.º 28/98, que agora passo a analisar. Será dever do
trabalhador praticante desportivo a participação nos treinos, estágios e outras
formas de se preparar profissionalmente para as competições desportivas[35], assim
como na respectiva selecção ou representação nacional[36]
– visa-se aqui proteger a entidade empregadora de uma não diligente aplicação
por parte do trabalhador, de forma a prestar a sua actividade, no âmbito do
contrato desportivo. É ainda dever a manutenção de condição física apropriada e
adequada à prática da actividade desportiva que está na base do contrato
celebrado entre ambas as partes – uma protecção acrescida é aqui conferida à
entidade empregadora, que verá garantida uma igual ou aprimorada preparação e
disponibilidade física, por parte do trabalhador, em relação à que possuía à
data da celebração do contrato de trabalho, de modo a garantir a melhor
prestação da sua actividade[37]. Deve o
trabalhador ainda sujeitar-se aos tratamentos e exames clínicos que sejam
apropriados e necessários para a prática desportiva, garantindo assim que este
está a contribuir e cooperar, com a entidade empregadora, para poder voltar a
prestar a sua actividade física. Por fim, será um dever em especial do
trabalhador o respeito pelas regras disciplinares da modalidade desportiva que
pratica, assim como pela ética desportiva.
Da Retribuição
Como
analisado supra, a retribuição é um dos elementos essenciais no contrato de
trabalho, já que lhe confere a característica qualificativa de contrato
oneroso, e serve de forma de manter um sinalagma entre as prestações de ambas
as partes no contrato.
No
regime geral do contrato de trabalho, e analisando os artigos 258.º e seguintes
do Código do Trabalho, percebemos que existem regras fixadas características
desse mesmo regime geral, que não cabe aqui explorar por se afastar do tema do
trabalho. Cumpre apenas referir que a definição de retribuição é a que se
encontra prevista no artigo 258.º número 1, que será uma prestação a que terá o
trabalhador direito, em contrapartida da prestação da sua actividade.
Ora, a
retribuição no regime especial atinente ao contrato de trabalho desportivo
comporta particularidades que a diferenciam do regime geral acima referido, e
que cabem aqui analisar. Assim sendo, para efeitos do artigo 14.º da Lei n.º
28/98, todas as prestações patrimoniais – atenção, patrimoniais é, de forma
óbvia, diferente de pecuniárias – que a entidade empregadora, no âmbito do
contrato de trabalho, realize para o trabalhador são consideradas retribuição,
quer sejam pela prestação da sua actividade, quer se devam a resultados obtidos
– pense-se aqui em prémios de jogo, entre outros. Relativamente a estes
últimos, o número 3 do artigo 14.º do diploma em análise considera que estes se
vencem – salvo estipulação contratual em contrário – “com a remuneração do mês seguinte” ao que se obtiveram tais
resultados. Distanciou pois o legislador este regime do geral, em que se
excluem do conceito de retribuição tais gratificações[38].
De
realçar o número 2 do artigo 14.º da Lei n.º 28/98, que considera válida a
cláusula contratual que implique o aumento ou a redução da retribuição, devido
ao facto de subida ou descida de escalão por parte da entidade empregadora –
visa-se salvaguardar os seus interesses, em detrimento dos interesses do
praticante desportivo. Tal contrapõe-se ao previsto no artigo 129.º número 1
alínea d) do Código do Trabalho, relativo ao regime geral dos contratos de
trabalho, em que se proíbe à entidade empregadora a diminuição da retribuição,
salvo determinadas excepções – mais uma vez se compreende a incompatibilidade
entre ambos os regimes, pelo que aqui também prevalecerá a lei especial. Não
vale aqui, na opinião de Albino Mendes Baptista[39],
o princípio laboral que estatui que para trabalho igual, deve a retribuição ser
igual, tal como previsto no artigo 270.º do Código do Trabalho, por se mostrar
tal princípio completamente desadequado à prática social desportiva.
Do Tempo de Trabalho
Mais um
ponto em que ambos os regimes em estudo se afastam, em grande parte devido a
necessidades de ordem prática no que respeita ao contrato de trabalho
desportivo.
Atentando
no regime geral, o tempo e duração do trabalho encontram-se previstos, entre
outros, nos artigos 198.º, 241.º, 203.º e 232.º do Código do Trabalho, os quais
estabelecem a definição e regras próprias para o período normal de trabalho,
entre as quais os limites máximos desse mesmo período – oito horas diárias e
quarenta horas semanais – o descanso obrigatório semanal – mínimo de um dia de
descanso semanal – assim como os períodos e regras relativas às férias dos
trabalhadores.
No
entanto, tais previsões não ofereciam aos trabalhadores desportivos resposta às
suas necessidades, tão pouco às entidades empregadoras. Deste modo, o
legislador encarregou-se de redigir os artigos 15.º e 16.º da Lei n.º 28/98, de
forma a corrigir tal desajuste. Começou por abarcar no período normal de
trabalho de um praticante desportivo, entre outros – veja-se o número 1 do
artigo 15.º do diploma em análise -, o tempo que o trabalhador dispensou em
viagens e estágios de concentração, anterior ou posteriormente à participação
em competições desportivas. A duração dos referidos estágios de concentração
deve limitar-se ao indispensável tendo em conta as exigências de cada
modalidade[40], e pode
essa duração ser fixada por convenção colectiva de trabalho[41].
Apenas referi a alínea c) do número 1 do artigo 15.º pois parece ser a que mais
preocupações levanta para os trabalhadores desportivos, que embora não estejam
a desempenhar a sua actividade, prestação devida no âmbito do contrato de
trabalho, encontram-se sob ordens, dependência e em situações que decorrem de
forma natural dessa mesma prestação.
Outra
característica diferenciadora entre ambos os regimes reside no facto de em
regra o trabalhador desportivo ter que prestar parte da sua actividade em dia
normalmente de descanso semanal – sábado ou domingo -, sendo que nunca deixará
de ter direito a um dia de descanso semanal, que quando não seja possível acontecer
num dos referidos dias, transferir-se-á para data a acordar pelas partes ou, na
falta de acordo, para o primeiro dia disponível[42]
– o mesmo aplica-se a feriados, nos termos do número 3 do artigo 16.º da Lei
n.º 28/98. Albino Mendes Baptista[43] entende
ainda que é incompreensível que não tenha sido dispensada a devida atenção ao
horário de trabalho de um praticante desportivo, já que este poderá não raras
vezes ter que disputar competições desportivas em período nocturno – devido a
interesses maiores como o são a arrecadação de receitas de bilheteira ou
devidas pelas transmissões televisivas. No entanto, o mesmo autor entende que
esta lacuna legislativa foi suprida através de contratação colectiva, ainda que
de modo pouco eficaz – refere-nos, a título de exemplo, o artigo 22.º da
Convenção Colectiva de Trabalho outorgada pela Liga Portuguesa de Futebol
Profissional e pelo Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol.
Do Poder Disciplinar do Empregador
O poder
disciplinar da entidade empregadora, ou seja, a possibilidade de esta aplicar
sanções justificadamente aos seus trabalhadores, quando estes tenham violado
qualquer dos seus deveres contratuais laborais, comporta algumas diferenças
entre os dois regimes supra mencionados, e tal deve-se inequivocamente a um
importante aspecto: no contrato de trabalho desportivo, segundo autores como
Albino Mendes Baptista[44] e João
Leal Amado[45], o
trabalhador é um importante activo patrimonial, que para além de prestar a sua
actividade, pode vir ainda a produzir receitas futuras significativas para a
entidade empregadora – pense-se nas transferências milionários ao nível do
mundo do futebol, em que parte da receita de tal transferência definitiva de
praticantes desportivos reverte para a prévia entidade empregadora. Deste modo,
a grande diferença entre ambos os regimes encontra-se na verificação de
raríssimas vezes as entidades empregadoras procederem ao despedimento dos seus
trabalhadores praticantes desportivos. Deste modo, o legislador passou a
conferir elevada importância à sanção pecuniária como forma de a entidade
empregadora desportiva exercer o seu poder disciplinar, como se denota pela
leitura do artigo 17.º da Lei n.º 28/98, em certa contraposição com o que é
previsto nos artigos 328.º e seguintes do Código do Trabalho, relativos ao
poder disciplinar no regime geral do contrato de trabalho. Cumpre esclarecer e
relembrar que por remissão do artigo 3.º da Lei n.º 28/98, aplicar-se-á, em
tudo que não se encontre regulado por essa mesma Lei, e não seja com ela
incompatível, o previsto no Código do Trabalho. No entanto, garantem-se
igualmente, através dos números 4 e 5 do artigo 17.º da Lei n.º 28/98,
garantias que proporcionam ao trabalhador que não lhe sejam aplicadas,
discricionária e aleatoriamente, sanções disciplinares não justificadas e
desadequadas, como o são o procedimento disciplinar onde são conferidos ao
trabalhador todos os meios de defesa ao seu dispor, assim como a garantia de
que se deve ter em causa, na determinação da sanção, a gravidade da infracção,
a culpa do trabalhador, assim como se garante que apenas lhe seja aplicada uma
sanção por cada infracção.
Da Liberdade de Trabalho
Novamente
nos deparamos com uma diferenciação entre os regimes até agora estudados, já
que a prática desportiva se encarregou, desde cedo, de demonstrar que certas
disposições aplicáveis à liberdade do trabalhador no regime geral não seriam
adequadas no que diz respeito ao contrato de trabalho desportivo.
Começo
por afirmar o carácter fundamental do princípio da liberdade no trabalho,
constitucionalmente consagrado na nossa Constituição, no seu artigo 47.º. A
liberdade no trabalho traduz-se, em palavras gerais, na possibilidade de o
trabalhador, após o término do vínculo contratual que o liga à entidade
empregadora, não ver limitada ou condicionada a opção que tenha na escolha de
uma nova entidade empregadora – veja-se, para tal, o artigo 18.º número 1 da
Lei n.º 28/98, que proíbe expressamente cláusulas que violem o acima exposto.
A
necessidade de consagração de um regime diferenciado entre ambos os regimes
provém, em parte, da existência do referido “termo estabilizador” supra analisado, já que sabemos que não terá o
trabalhador praticante desportivo a possibilidade de denunciar o contrato de
trabalho – conforme consta do artigo 26.º da Lei n.º 28/98, que infra
analisaremos com mais pormenor – o que fará com que se restrinja a liberdade do
trabalhador, quando comparado este regime com o regime geral do Código do
Trabalho. De facto, como analisamos previamente, a existência de um termo
estabilizador é essencial na manutenção da competitividade desportiva, numa
saudável concorrência entre entidades empregadoras, e como forma de manter um
mercado de trabalho activo e justo. No entanto, para alguns autores[46], seria
necessário diminuir o período de duração máxima dos contratos de trabalho
desportivos, já que a opção por tal duração poderá entrar em confronto com o
princípio da liberdade do trabalho.
Uma
outra diferença entre regimes se justifica aludindo ao pacto de não
concorrência, previsto no Código do Trabalho no artigo 136.º, onde no seu
número 2 se admitem cláusulas não ajustadas ao fenómeno desportivo, por via de
uma limitação extrema da liberdade do praticante desportivo – veja-se a alínea
b) do mesmo artigo, em contraposição com o número 1 do artigo 18.º da Lei n.º
28/98.
No
entanto, após análise dos números 2 a 6 do artigo 18.º da referida Lei, é
possível perceber que mais uma vez, o legislador preocupou-se em proteger a
entidade empregadora, através da fixação de possibilidade de por convenção
colectiva se estabelecer uma justa indeminização, a pagar pela entidade
empregadora com quem o praticante desportivo celebre novo contrato de trabalho,
à antiga entidade empregadora, sendo que tal disposição vale apenas a nível
nacional – a protecção em relação à anterior entidade empregadora visa
assegurar que esta veja, de certo modo, recompensado o esforço financeiro que
realizou na valorização e formação do seu anterior trabalhador. O número 4 do
mesmo artigo visou precaver eventuais afrontas ao princípio da liberdade de
trabalho do praticante desportivo, ainda que de forma em certo ponto
indeterminada, já que se proíbe a desproporcionalidade do valor a pagar pela
nova entidade empregadora, que caso se apresentasse demasiado dispendiosa,
poderia coagir esta a não celebrar tal contrato de trabalho com o trabalhador,
restringindo, em última instância, a sua liberdade, que poderá sempre ele próprio
satisfazer a compensação atrás referida[47]
– o trabalhador poderá ter que “comprar” a sua própria liberdade de trabalho,
algo que se afigura estranho quando confrontado com um princípio que tem
consagração na nossa Lei Fundamental. Por último cumpre referir que o não
pagamento desta compensação não afectará a validade ou a eficácia do novo
contrato de trabalho[48].
Da Cedência de Trabalhadores Praticantes Desportivos
Os
artigos 19.º e 20.º da Lei n.º 28/98 explicitam o regime específico que se aplicará
à cedência de trabalhadores desportivos, sendo que tal comporta necessários
ajustes no que diz respeito ao regime geral plasmado no Código do Trabalho,
previsto nos artigos 288.º e seguintes deste último diploma, em grande parte no
que diz respeito à possibilidade e frequência de acontecimento de tal fenómeno
– no regime do contrato desportivo acontece, indubitavelmente, com uma maior
regularidade, a cedência de trabalhadores, enquanto no regime geral se olha com
desconfiança para a cedência temporária de trabalhadores[49].
Num
enquadramento justificativo de tamanha abertura no que refere à cedência de
trabalhadores desportivos, cumpre referir que a curta duração de uma carreira
desportiva, assim como a mobilidade no que concerne aos trabalhadores desportivos,
assim o exigem, permitindo nos 15 a 20 anos de carreira de um trabalhador
desportivo não se encontrar impedido de trabalhar por desinteresse da entidade
empregadora. Há então que realçar que teve aqui o legislador em conta os
interesses quer das entidades empregadoras, quer dos seus trabalhadores. Das
entidades empregadoras pois é-lhes possível fazer valer os seus activos, que no
momento lhe não trariam vantagens significativas, e que assim lhes permitirá
obter certa vantagem patrimonial - cedência temporária em regra traduz-se em
vantagem económica como contrapartida de tal cedência, como afirma Menezes
Leitão[50] -, assim
como reduzir custos com os seus trabalhadores, e formação do seu trabalhador
num local mais adequado e ajustado às suas qualidades ao tempo da cedência.
Teve também em conta o legislador o interesse dos trabalhadores, pois garante
que estes não se encontrarão em situação de inactividade, podendo evoluir a
nível profissional, almejando uma melhor posição contratual no contrato de trabalho
que assinaram, ou que podem vir a assinar, com a sua ou com outra entidade
empregadora.
Deste
modo, será possível, nos termos do artigo 19.º número 1 da Lei n.º 28/98 a
cedência de trabalhador, caso exista entre este e a sua entidade empregadora
acordo para tal, sendo que se deve acordar tal situação por escrito, e tendo
sempre em conta que o trabalhador irá exercer actividade que tenha por objecto
a mesma actividade que subjaz ao contrato de trabalho que este celebrou com a
entidade empregadora cedente[51].
O artigo
20.º do diploma em mérito dedica-se ao contrato de cedência do trabalhador, do
qual deverá sempre constar o consentimento do trabalhador[52],
e que poderá fazer variar a sua retribuição relativamente ao fixado no contrato
de trabalho que este assinou com a cedente, ainda que nunca de modo prejudicial
ao trabalhador[53] – visou
aqui o legislador proteger o trabalhador que vai ser cedido. Garante-se ainda a
transferência dos poderes da entidade empregadora cedente para a cessionária[54], visando
que lhe seja possível, com toda a naturalidade, exercer os seus poderes de
direcção e disciplinar, entre outros de não menor importância. Estatui-se no
número 1 do artigo em análise que se aplicará, com as devidas adaptações, o
previsto nos artigos 5.º e 6.º da Lei n.º 28/98, referentes à forma e ao
registo do contrato de cedência, pelo que remetemos para o analisado
previamente no presente relatório.
Da Cessação do Contrato de Trabalho
Deparamo-nos
aqui com uma das mais importantes diferenças no que diz respeito ao regime
geral do contrato de trabalho e ao regime previsto para o contrato de trabalho
desportivo. Justifica-se pois uma comparação justificativa no que a tal
diferenciação diz respeito, já que apenas após perceber as razões que estão na
base de tal disparidade de regimes, fará sentido analisar as particularidades
de cada um, em especial do contrato de trabalho desportivo.
O artigo
340.º do Código do Trabalho, nas suas várias alíneas, enuncia quais as
modalidades possíveis para que se faça cessar um contrato de trabalho, no que
ao regime geral diz respeito. Para lá remeto, sendo que infra irei analisar as
principais diferenças entre as modalidades possíveis para a cessação do
contrato, em ambos os regimes.
Por
outro lado, o artigo 26.º número 1 da Lei n.º 28/98 também vem elencar as
modalidades previstas para fazer cessar o contrato de trabalho desportivo.
Entre as principais diferenças, cumpre referir que no regime especial o
contrato pode cessar por abandono do trabalho e por rescisão pelas partes durante
a vigência do período experimental, tal como analisado supra no presente
relatório. Ora, não prevê a Lei especial a possibilidade de fazer cessar o
contrato por extinção do posto de trabalho, por despedimento por inadaptação –
tal seria completamente desajustado em relação àquilo que a vida desportiva tem
demonstrado - e por denúncia do trabalhador[55].
E é
sobre esta última modalidade, a denúncia por parte do trabalhador, que me irei
debruçar aqui. Cumprirá aqui apenas realçar que a cessação do contrato de
trabalho afecta diferentemente as partes envolvidas no contrato de trabalho, em
ambos os regimes em apreço, já que no regime geral se afigura como uma situação
de elevada gravidade para o trabalhador, que verá o seu sustento único retirado
de si, ao passo que a cessação do contrato no regime desportivo se afigura mais
grave para a entidade desportiva, que verá um activo patrimonial sair da sua
esfera jurídica – não podendo portanto ser recompensada pelo sacrifício
económico que realizou para a evolução e valorização patrimonial do seu
trabalhador – e poderá vir a ter problemas a nível orgânico – pense-se num
praticante desportivo influente no seio de uma equipa, que vê cessado o seu
contrato de trabalho, e deixa de estar presente na estrutura diária da mesma.
De
facto, no regime geral permite-se ao trabalhador, sem justa causa, a denúncia
do contrato de trabalho, desde que respeite os prazos relativos ao aviso prévio
em que deve comunicar à entidade empregadora tal denúncia, previstos no artigo
400.º do Código do Trabalho, sob pena de ser obrigado a pagar uma indeminização
à entidade empregadora, nos termos do artigo 401.º do mesmo diploma. Ora, no
regime específico do contrato de trabalho desportivo tal possibilidade não é
dada ao trabalhador, muito por força do previamente exposto acerca do termo
estabilizador, que caracteriza o contrato de trabalho desportivo, e respectivas
vantagens – garantir o equilíbrio entre equipas, a concorrência saudável e um
mercado de trabalho activo para os praticantes desportivos.
Excluída
tal possibilidade da esfera do trabalhador, justificada por interesses maiores
como o são os acima expostos e a protecção de todo o fenómeno desportivo
profissional, cumpre analisar pois as restantes modalidades de cessação do
contrato de trabalho ao dispor das partes no regime especial.
Começando
pela caducidade, esta admite-se nos termos previstos também eles no regime
geral previsto nos artigos 343.º e seguintes do Código do Trabalho, ou seja,
verificado o termo do contrato, a impossibilidade superveniente do praticante
desportivo, a título absoluto e definitivo, de praticar a sua actividade
desportiva, assim como em caso de reforma do praticante desportivo. Alguns
autores têm vindo a prever a possibilidade de aposição ao contrato laboral de
condição resolutiva[56].
Analisando
o despedimento, por parte da entidade empregadora, com justa causa, do seu
trabalhador, na falta de especificação no regime especial de motivos que
poderiam justificar a justa causa, aplicar-se-á subsidiariamente, por força do
artigo 3.º da Lei n.28/98 e do artigo 9.º do Código do Trabalho o previsto no
artigo 351.º deste último diploma, que elenca no seu número 2 as causas que
podem motivar tal despedimento. De acordo com o estipulado no artigo 27.º da
Lei em análise, em caso de despedimento com justa causa por parte da entidade
empregadora, caso se prove a justa causa, o trabalhador incorrerá em
responsabilidade civil nos termos dos artigos 798.º e 483.º número 1 do Código
Civil, devido ao incumprimento do contrato de trabalho, sendo que a
indeminização proveniente de tal responsabilidade jamais poderá exceder o valor
que o próprio trabalhador receberia caso o contrato tivesse apenas cessado no
seu termo[57]. Tal
indeminização será também devida em caso de ilícito despedimento, ou por outras
palavras, caso não se preencha o conceito indeterminado de justa causa que a
entidade empregadora alegou como motivo para proceder ao despedimento,
inclusivamente em caso de reintegração do trabalhador[58],
por parte da entidade empregadora. Nos termos do número 3 do mesmo artigo, do
montante indemnizatório devem ser deduzidas as quantias remuneratórias que o
trabalhador venha a auferir de outra entidade empregadora, enquanto não se
verifique o termo do inicial contrato de trabalho.
No que à
rescisão durante o período experimental diz respeito, já supra foi analisada,
para onde remeto.
Atentando no despedimento colectivo, por
força da aplicação subsidiária do regime geral, aplicar-se-á ao contrato de
trabalho desportivo o previsto nos artigos 359.º e seguintes do Código do
Trabalho.
Refira-se
que o abandono do trabalho é, em termos de regime especial de contrato laboral
desportivo, uma das modalidades previstas para fazer cessar o contrato, elencada
na alínea g) do artigo 26.º número 1 da Lei n.º 28/98, que passa pelo facto de
o trabalhador não se apresentar nos locais de trabalho especificados no
contrato, e quando cumulativamente com tal falta de apresentação, se revele a
intenção de o trabalhador não retomar a sua prestação de actividade – tal
modalidade, para efeitos de regime geral, encontra-se prevista no artigo 403.º
do Código do Trabalho. Note-se o número 2 do artigo 26.º da Lei n.º 28/98.
Por fim,
analisemos a alínea d) do artigo 26.º número 1 da Lei n.º 28/98, que se prende
com a rescisão com justa causa, por parte do trabalhador, do contrato de
trabalho. Cumpre desde já realçar que também nesta modalidade se fará valer o
previsto no número 1 do artigo 27.º da mesma Lei, já supra analisada em sede da
modalidade de despedimento por justa causa, por parte da entidade empregadora,
para onde desde já remeto. Importa também referir que nos termos do artigo 28.º
do diploma em mérito, não será devida a compensação prevista no artigo 18.º da
mesma Lei, referente à liberdade do contrato e previamente analisada, a favor
da entidade empregadora que haja valorizado profissionalmente o trabalhador.
Mais uma vez o legislador absteve-se de especificar aquilo que constituiria o
conceito de justa causa, para efeitos de rescisão do contrato de trabalho
desportivo, pelo que por força do artigo 3.º da Lei n.º 28/98 se aplicarão as
disposições previstas no Código do Trabalho, no seu artigo 394.º número 2 nas
suas várias alíneas, que dizem respeito ao regime geral do contrato de
trabalho. Para além destes, e seguindo o pensamento de João Leal Amado[59], poderão
constituir motivo de justa causa, para efeitos de regime especial, a violação
de qualquer um dos deveres em especial da entidade empregadora, nos termos do
artigo 12º da Lei n.º 28/98. O preenchimento do conceito indeterminado “justa
causa” poder-se-á dever a dois tipos de comportamentos por parte da entidade
empregadora: culposos e não culposos, sendo que dentro destes últimos podemos
ainda ter casos em que nem são imputáveis, à entidade empregadora, tais
comportamentos. Caberá sempre ao trabalhador que rescinda o seu contrato provar
os danos com que arcou devido a tal rescisão, de acordo com o previsto no
artigo 342.º número 1 do Código Civil, caso pretenda o pagamento da
indeminização por parte da entidade empregadora – caso não o faça, o contrato
cessa igualmente, mas não terá o trabalhador direito a qualquer quantia a
título indemnizatório. Claro que esta prova de danos com que o trabalhador arcou
não será necessária caso seja estipulado, em convenção colectiva, medida mais
favorável, inclusive no que se refere a montantes máximos para efeitos de
fixação do seu valor[60].
A título
geral, diga-se aplicável a todas as modalidades de cessação do contrato de
trabalho desportivo, aplicar-se-á o previsto no artigo 29.º da Lei n.º 28/98,
que estipula a obrigatoriedade, para efeitos de eficácia da cessação, de
comunicação, por parte de quem tenha promovido a cessação, às entidades
previstas no artigo 6.º da mesma Lei, que promovem o registo do contrato de
trabalho, ab initio.
O artigo
30.º da Lei em apreço, por outro lado, fixa a possibilidade de por meio de
convenção colectiva se fixar uma convenção de arbitragem – meio alternativo de
resolução de litígios que afasta a jurisdição dos tribunais estaduais através
de vontade manifestada pelas partes – no que respeite a conflitos emergentes da
celebração de contratos de trabalho desportivos, arbitragem essa
institucionalizada que correrá termos junto das Comissões Arbitrais Paritárias,
centros institucionalizados de resolução de litígios emergentes de contratos de
trabalho desportivos, sempre em respeito pelos números 2 e 3 do artigo 30.º da
Lei n.º 28/98.
Por João Nuno Barros
Janeiro de 2014
[1]“Direito do Trabalho”, Luís
Manuel Teles de Menezes Leitão, ano de 2012, 3ª Edição, Almedina, página 96.
[2] Cfr. artigo 98.º do Código do
Trabalho.
[3] Veja-se o artigo 128º, n.º 1
alínea e) do Código do Trabalho.
[4] Casos em que exista uma justa
recusa em praticar tal ordem, por parte do trabalhador, previstos no Código do
Trabalho.
[5] “Direito do Trabalho”, Luís
Manuel Teles de Menezes Leitão, ano de 2012, 3ª Edição, Almedina, página 98.
[6] Veja-se o artigo 110.º do
Código do Trabalho.
[7] Veja-se o artigo 219.º do
Código Civil.
[8] A título exemplificativo,
atente-se nos artigos 5.º n.º1, 101.º n.º2, 103.º n.º1, 158.º n.º 1, entre
outros.
[9] Veja-se o artigo 9.º do Código
do Trabalho.
[10] Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro,
posteriormente alterada.
[11] Cfr. o artigo 2.º, alínea a),
da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho.
[12] “Direito do Trabalho”, Luís
Manuel Teles de Menezes Leitão, ano de 2012, 3ª Edição, Almedina, página 450.
[13] A título exemplificativo
veja-se o artigo 132.º do Código Civil.
[14] No que à alínea c) diz
respeito, veja-se o número 3 do artigo 5.º da Lei n.º 28/98, que estipula a
obrigatoriedade de constar no contrato a parte certa da retribuição que o
trabalhador irá auferir, assim como na eventualidade de existir uma parte
variável de retribuição, devem constar do contrato as possíveis formas da parte
variável, tal como os critérios utilizados para a fixação do montante a prestar
ao trabalhador.
[15] Veja-se o artigo 5.º n.º 1 da
Lei n.º 28/98 de 26 de Junho.
[16] Por efeito da remissão feita
nos artigos 3.º da Lei n.º 28/98 e do artigo 9.º do Código do Trabalho.
[17] “Contrato de Trabalho do
Trabalhador Desportivo – Algumas considerações”, Bruno Bom Ferreira, ano de
2008, compilações doutrinais Verbo Jurídico.
[18] O contrato de trabalho nulo irá
produzir efeitos relativamente ao tempo em que foi executado.
[19] Veja-se o artigo 6.º, n.º3 da Lei
n.º 28/98.
[20] Veja-se o artigo 6.º, n.º1 da Lei
n.º 28/98.
[21] Cfr. artigo 6.º, n.º 2, da Lei
n.º 28/98.
[22] Pense-se na idade de retiro dos
desportistas profissionais, aproximadamente 35 anos de idade.
[23] “Vinculação versus Liberdade -
O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante
Desportivo”, João Leal Amado, ano de 2002, Coimbra Editora, página 99.
[24] “A extinção da relação jurídica
de trabalho”, Raul Ventura, Revista da Ordem dos Advogados, 1950, nº 1 e 2,
páginas 251 e seguintes.
[25] “Contrato de Trabalho do
Trabalhador Desportivo – Algumas considerações”, Bruno Bom Ferreira, ano de
2008, compilações doutrinais Verbo Jurídico, página 6.
[26] Maioritariamente refira-se a
falta de qualidade da prestação desportiva em relação ao esperado pela entidade
empregadora.
[27] “Vinculação versus Liberdade -
O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante
Desportivo”, João Leal Amado, ano de 2002, Coimbra Editora, página 115.
[28] Cfr. o artigo 8.º, n.º 1 da Lei
n.º 28/98.
[29] Veja-se o nº1 do artigo 11º da Lei
n.º 28/98.
[30] Cujo regime se encontra
plasmado nos artigos 31.º e seguintes da Lei n.º 28/98.
[31] “Estudos sobre o contrato de trabalho
desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 19.
[32] Veja-se o artigo 126.º, n.º 1 do
Código do Trabalho.
[33] Veja-se o artigo 126.º, n.º 2 do
Código do Trabalho.
[34] Cfr. alínea c) do artigo 12.º da
Lei n.º 28/98.
[35] Cfr. alínea a) do artigo 13.º da
Lei n.º 28/98.
[36] Cfr. alínea b) do artigo 13.º
da Lei n.º 28/98.
[37] Cfr. alínea c) do artigo 13.º
da Lei n.º 28/98.
[38] Cfr artigo 260.º, n.º 1, alínea
b) do Código do Trabalho.
[39] “Estudos sobre o contrato de
trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 25.
[40] Cfr. artigo 15.º, n.º 3 da Lei
n.º 28/98.
[41] Cfr. artigo 15.º, n.º 4 da Lei
n.º 28/98.
[42] Cfr. artigo 16.º, n.º 2 da Lei
n.º 28/98.
[43] “Estudos sobre o contrato de
trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 20.
[44] “Estudos sobre o contrato de
trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 21.
[45] “Vinculação versus Liberdade -
O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante
Desportivo”, João Leal Amado, ano de 2002, Coimbra Editora, página 240.
[46] “Estudos sobre o contrato de
trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 22.
[47] Cfr. artigo 18.º, n.º 6 da Lei
n.º 28/98.
[48] Cfr. artigo 18.º, n.º 5 da Lei
n.º 28/98.
[49] “Estudos sobre o contrato de
trabalho desportivo”, Albino Mendes Baptista, 2006, Coimbra Editora, página 25.
[50] “Direito do Trabalho”, Luís
Manuel Teles de Menezes Leitão, ano de 2012, 3ª Edição, Almedina, página 453.
[51] Cfr. artigo 19.º, n.º 2 da Lei
n.º 28/98.
[52] Cfr. artigo 20.º, n.º 2 da Lei
n.º 28/98.
[53] Cfr. artigo 20.º, n.º 3 da Lei
n.º 28/98.
[54] Cfr. artigo 20.º, n.º 4 da Lei
n.º 28/98.
[55] J.M. Saraiva de Almeida, “A
ruptura unilateral imotivada do Contrato de Trabalho Desportivo por iniciativa
do praticante desportivo”, Minerva, 2002, n.º 1, páginas 93 a 113.
[56] “Vinculação versus Liberdade -
O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante
Desportivo”, João Leal Amado, ano de 2002, Coimbra Editora, páginas 223 e seguintes.
[57] Cfr. o n.º 1 do artigo 27.º da
Lei n.º 28/98.
[58] Cfr. o n.º 2 do artigo 27.º da
Lei n.º 28/98.
[59] “Vinculação versus Liberdade -
O processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante
Desportivo”, João Leal Amado, ano de 2002, Coimbra Editora, páginas 263 e 264.
[60] Veja-se a Convenção Colectiva
de Trabalho outorgada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e pelo
Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, BTE, 1ª série, n.º 33, de 8
de Setembro de 1999, artigo 48.º.
Sem comentários:
Enviar um comentário