O termo
“sub-rogação” significa substituição, ou uma sucessão. Em linguagem jurídica, e
na sua modalidade relevante para o que aqui importa, nomeadamente de
sub-rogação pessoal, traduz uma transmissão de situações jurídicas, operada,
especificamente, pelo ato de cumprimento do transmissário, do crédito que verá
incorrer na sua esfera, ou seja, substitui-se o sujeito que estaria adstrito à
realização de uma obrigação, por outro sujeito, sem extinguir a obrigação. O
credor originário é substituído passando automaticamente a um terceiro
(sub-rogado), todas as garantias e direitos do primeiro.
No
âmbito do regime do contrato de seguro, uma breve análise a esta figura não
deixa antever dificuldades de maior. O seu funcionamento é simples. Escolhe,
como momento operativo, o do cumprimento da prestação indemnizatória pelo
segurador, devida em função do contrato de seguro, e despoletada pela
ocorrência do sinistro/acidente, a condição suspensiva latente daquela
obrigação. Os seus pressupostos são, em geral, o referido cumprimento, e a
existência de direitos ressarcitórios a serem transmitidos, na esfera do
segurado, contra terceiros, em virtude do sinistro.
Ademais,
é também típica a previsão de certas derrogações a este mecanismo, decorrentes,
por um lado, de imperativos de preservação da paz e harmonia familiar, e por
outro, da prevenção de um empobrecimento indireto do segurado, como
consequência do exercício dos direitos recebidos pelo segurador, contra determinados
terceiros. Assim, é comum o arredamento deste regime, quando o terceiro lesante
pertença ao agregado familiar do segurado, ou com ele tenha relações próximas
de ordem pessoal ou económica.
Também
recorrente, no entendimento doutrinário do instituto jurídico, é a sua
ancoragem no princípio indemnizatório, ditame estruturante no regime do
contrato de seguro, especificamente no seguro de danos. Clarificando,
previamente, o significado deste princípio, ele dita que ao seguro de danos
corresponde uma função ressarcitória, e que, por conseguinte, não pode o
segurado dele servir-se para auferir, em virtude do sinistro, um
enriquecimento, resultando para si uma situação mais vantajosa do que aquela em
que se encontraria na ausência do facto lesivo[1].
Previne-se, desta forma, que o contrato de seguro, ao qual cabe um importante e
benemérito papel na vida social, seja despromovido para os traços de um
contrato de jogo e aposta, abrigando-o dos ardis especulativos dos segurados.
Do mesmo
modo, é igualmente imprescindível acrescentar que no entendimento tradicional a
sub-rogação não é aplicável aos seguros de pessoas, em virtude da sua
associação ao princípio indemnizatório e dado o cariz das respetivas prestações[2].
O novo regime
português, veio impor alterações a esta concepção clássica, no seu art.
181º, inserido no capítulo das disposições comuns dos seguros de pessoas. Aqui
se dispõe a regra geral e supletiva de que as prestações com cariz
não-indemnizatório não implicam sub-rogação do segurador, admitindo-se
estipulação convencional em contrário. É, desta forma, reafirmada a ligação da
sub-rogação ao princípio indemnizatório, ao mesmo tempo que se o autonomiza da
modalidade de seguro em causa, que em si não é determinante do tipo de
prestação em causa[3]. Acordando
as partes em que esta se realize, o seu fundamento será apenas a autonomia
privada.
Moitinho
de Almeida teceu algumas críticas a esta nova disposição, sendo acompanhado por
Francisco Rodrigues Rocha[4]. Para
estes autores deve ser feita uma interpretação restritiva do preceito de forma
a não abranger os seguros de vida. Nesse âmbito, quaisquer cláusulas que
admitissem a sub-rogação seriam contrárias à boa-fé, e como tal nulas nos
termos do art. 15º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
A título
crítico, permitam-nos apenas dizer que não nos parece que se possa afirmar a priori que tais cláusulas sejam
contrárias à boa-fé, por tal pressupor sempre uma apreciação casuística (neste
caso orientada pelo art. 16º da LCCG).
A origem do conceito de Sub-rogação no Contrato de Seguro
Olhando,
brevemente, às raízes históricas do Instituto[5],
a sua vigência começou por ser meramente ligada a usos de comércio, tornando-se
comum a previsão de cláusulas de sub-rogação do segurador nos seguros de danos,
para fazer face às situações em que o sinistro fosse causado por terceiro,
habilitando o segurado a receber duas indemnizações. Esta prática encontrou
apoio na jurisprudência e doutrina contemporâneas fortemente inspiradas pela
tutela do princípio indemnizatório. Os ecos mais distantes do seu
reconhecimento vêm-nos de uma antiga tradição francesa que consagrava a
sub-rogação nos seguros marítimos que, inevitavelmente, viria a ser alargado
aos seguros terrestres seja por via da aplicação das normas da sub-rogação
legal, prevista no art. 1251º do Code Civil.
A primeira
consagração legislativa ocorreu no Código comercial de Ferreira Borges, de
1833, no seu art. 1788º. Refiram-se também, a sua contemplação no art. 808 do
H.G.B. alemão de 1861, (limitada ao seguro marítimo), no art. 22 da Loi sur le contrat d’assurance de 1874,
nos arts. 438 e 440 do Codice di
Commercio italiano de 1882, no art 780 do Código de Comercio espanhol de 1885 e no Código Comercial português
de 1888 de Veiga Beirão.
O que
começou por ser uma cláusula contratual socialmente típica, destinada a dar
cobertura a interesses particulares, culminou, assim, numa regra globalmente
consagrada, ancorada num princípio de ordem pública.
A sua aplicabilidade no Direito português
No
Direito nacional, as origens deste Instituto remontam ao Código Comercial de
1833, de Ferreira Borges, no seu art. 1788º. Com o advento do novo Código
Comercial, em 1888, passou a constar do respetivo art. 441[6],
o qual vigorou até 2008, altura em que foi aprovada a nova Lei do Contrato de
Seguro. Este art. denota uma clara influência do art. 438º do Codice di Commercio de 1882, então em
vigor, em termos do seu dispositivo, e estrutura da redação. A tradicional
ligação deste preceito ao princípio indemnizatório[7]
limitava o seu âmbito de aplicação aos seguros de danos sobre coisas, nos quais
não haja uma prestação previamente convencionada, por ser, tipicamente, aí que
se encontram prestações com uma finalidade ressarcitória[8].
Actualmente,
o Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril veio estabelecer um novo regime para o
contrato de seguro, ficando o tema em análise a ser regulado pelo seu art.
136º.
A génese
do regime manteve-se, exigindo-se dois pressupostos positivos para o
funcionamento da sub-rogação: o pagamento da indemnização pelo segurador, e a
existência de um crédito, na esfera do segurado, contra terceiro responsável pelo
sinistro[9]; e o
pressuposto negativo da não verificação de excepções à sub-rogação[10]. Aquele
pagamento servirá como medida da sub-rogação, que não poderá comportar um
direito a uma quantia superior.
A
eficácia da sub-rogação rege-se pela disciplina civil da sub-rogação em geral.
Assim, aplicam-se os arts. 593º e 594º do C.C., no que concerne à transmissão
de garantias e acessórios, e de exceções[11].
Sobre o segurador recai, também o ónus da prova dos elementos da
responsabilidade do terceiro.
São de
notar algumas alterações. Assim, o nº3 do artigo dispõe uma nova regra para o
concurso dos direitos do segurado e do segurador, quando haja sub-rogação
parcial, gozando o primeiro de preferência sobre o património do terceiro. Assim
se conciliou este regime com o da sub-rogação geral, neste aspeto regulada pelo
art. 593 nº 2 do C.C.
Ademais,
o nº4 enuncia um conjunto de terceiros relativamente aos quais a sub-rogação
não opera, em virtude da relação de proximidade que têm com o segurado.
Previne-se não só uma afetação indireta do património do segurado, como também a
perturbação das relações subjacentes, ao se impedir o segurador de intentar uma
ação que o segurado nunca proporia; por outra banda, não passam incólumes os
casos de dolo fraudulento dos lesantes, e são ressalvadas as hipóteses de
cobertura da responsabilidade destes lesantes por um outro contrato de seguro[12]
Por fim,
ao se optar pela expressão “terceiro responsável”, resolveram-se dúvidas de
interpretação suscitadas pelo regime anterior que se referia ao “terceiro
causador do sinistro” (parecendo assim excluir os responsáveis não
“causadores”, como, p. ex., os representantes legais)[13]
A natureza jurídica da Sub-rogação do Segurador
Relativamente
à natureza Jurídica da Sub-rogação é importante referir que a posição dominante
na doutrina, defende que nos termos dos arts.589º e segs. do C.C., é-lhe reconhecida
a natureza de uma transmissão legal de créditos, efeito que a lei associa ao ato
de pagamento de uma dívida alheia, se acompanhado de uma declaração reveladora
da intenção nesse sentido[14]. Esta
tese pressupõe a ultrapassagem do dogma de que o cumprimento extingue
inapelavelmente a obrigação.
Advém
ainda daqui, a necessária explanação, do que a doutrina entende também por sub-rogação
legal, prevista no art. 592º C.C. “(…) O
terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor
quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver
directamente interessado na satisfação do crédito”. Trata-se de uma norma
que opera uma sub-rogação supletiva, residualmente, não carecendo de
declarações de vontade, ao contrário das restantes. Depende, no entanto, da
verificação de certos pressupostos. De início, Vaz Serra propugnou, de iure constituendo, que o regime da
sub-rogação legal deveria conter, à imagem da lei francesa e italiana, uma
enumeração das várias situações típicas em que haja um interesse justificativo
da sub-rogação[15]. O legislador
acabou, porém, por adotar uma cláusula aberta, contendo, como único
pressuposto, a existência de um interesse direto do terceiro, na satisfação do
crédito alheio.
A
doutrina diverge quanto a este ponto:
A
doutrina tradicional é a que defende tratar-se, aqui, de uma sub-rogação
legal, nos termos em que acima foi descrita, e congrega a maioria da doutrina
nacional[16]. Contra
ela, milita a doutrina da cessão legal, que ergue um argumento fundamental:
o segurador atua no cumprimento de uma obrigação própria, e não na satisfação
de uma prestação alheia, neste caso a do terceiro lesante. Tal seria, tanto
entre nós como no Direito comparado, impeditivo da sua integração na factispecie da sub-rogação legal[17]. O
instituto caberia melhor nos moldes de uma cessão legal, com um argumento
histórico em favor: antes da sua positivação, a sua estipulação contratual
consistiria numa cessão voluntária. Mais recentemente, surgiram teses
intermédias que, aceitando as acenadas limitações da recondução do instituto à
sub-rogação legal, dizem estarmos em presença de uma forma peculiar de
transmissão de créditos. Por último, Francisco Rocha, retirando consequências
da sua concepção do fundamento desta sub-rogação, defende que está em causa um
produto da política legislativa que a ela subjaz, reconhecendo, aí, um
indicador da autonomia dogmática do Direito dos Seguros.
Seguiremos
agora para um breve comentário. Salvo melhor entendimento, parece-nos correto
afirmar que em primeiro lugar, temos que resistir à tentação positivista de
enquadrar o instituto «noutras disposições da lei» (art. 592º nº 1) sem passar
pelo pressupostos gerais da sub-rogação
legal. Quanto e estes, temos a referência a um interesse direto, e depois com o
requisito relativo ao ato do terceiro, que além do cumprimento não pede mais do
que «outra causa de satisfação do crédito compatível com a sub-rogação».
Como
crítica ao argumento da diversidade de causas, com que a tese clássica se
confronta, é de deixar claro que ele não implica necessariamente que se arrede,
sem mais, tal doutrina. Moitinho de Almeida releva que, partilhando as
prestações uma «natureza indemnizatória»[18],
tal é suficiente para se aceitar que a do segurador dá satisfação ao direito do
segurado sobre o terceiro.
Assim,
parece-nos que a doutrina a adotar seja a da sub-rogação legal. Note-se que a
vontade de cumprir uma obrigação se quadra bem na existência de um “interesse
direto”. Depois, o contrato de seguro tem, no fundo, uma finalidade
garantística
Fundamento da Sub-rogação do Segurador nos direitos do
Segurado
A
doutrina divide-se relativamente aos fundamentos da Sub-rogação do Segurador
nos direitos do segurado, assim, seguirá uma breve análise as várias posições
doutrinais nomeadamente a Doutrina do Princípio Indemnizatório, a Doutrina do
Dano do Segurador e os vários afloramentos destas doutrinas:
1) Doutrina do princípio indemnizatório:
Trata-se
da tese tradicional, quer da doutrina nacional, quer estrangeira[19]. Esta
defende que o instituto em causa encontra o seu fundamento no princípio
indemnizatório, que vigora no âmbito dos seguros de danos, ou, porventura com
maior rigor, rege as prestações com função ressarcitória no contrato de seguro.
Este ditaria que ao segurado não é lícito cumular a prestação a receber pelo
segurador, em consequência do sinistro, e aquela que lhe seja devida por
terceiro, por ele responsável. Tal conformaria um enriquecimento injustificado,
cuja admissão subverteria a função do contrato de seguro, aproximando-o de um
contrato de jogo e aposta (ao qual, já no direito civil, é negada, em geral, a
validade jurídica – art. 1245º Código Civil). Por outro lado, o lesante não
poderia ver o seu dever de indemnizar extinto em consequência do exposto, e que
por isso, se daria a sua transmissão para a esfera do segurador[20].
Noutra
formulação, o princípio indemnizatório, previne o enriquecimento do segurado,
como se viu, o terceiro mantém a sua obrigação de indemnizar, e faz com que o
mercado segurador se desenvolva e viabilize progressivamente.[21]
Acresce
ainda que Moitinho de Almeida[22] faz uma
adaptação desta tese à doutrina portuguesa. Ele começa por referir que a tutela
do princípio indemnizatório exigiria a proscrição do cúmulo de prestações.
Avança uma explicação técnica, dizendo que a prestação do segurador extinguiria
o direito do segurado sobre o lesante, “por falta do seu elemento material, o
interesse”[23]. Depois,
justifica a transmissão desse direito (que de outra forma se veria extinto),
com a “natureza subsidiária”[24] que
reconhece, nestes casos à prestação do segurador. Contudo, muito recentemente,
esta doutrina tem sido alvo de algumas críticas.[25]
2) Doutrina do Dano do Segurador:[26]
Esta
posição doutrinal minoritária, defende que a relação entre o segurador e o
terceiro, resultante da sub-rogação, se funda num dano que o lesante provoca ao
segurador, pois ao causar o sinistro, constitui-o na obrigação, decorrente do
contrato de seguro, de indemnizar o segurado. Esta tese descende da concepção
da natureza da sub-rogação em geral, como consistindo numa indemnização que o
devedor sub-rogado paga ao terceiro que cumpre a prestação por si devida ao
credor, causando um dano ao seu património. Tal doutrina foi adoptada entre nós
por Vaz Serra[27].
A título
de crítica a esta tese, a doutrina aponta que, sendo que o segurador inclui na
sua cobertura de risco todos os eventos passíveis de acontecer que possam
causar o sinistro, dificilmente este se pode considerar um dano[28]. E que
mesmo a considerar que um dano foi provocado, teria aplicação o regime geral da
responsabilidade civil (483º e segs. C.C.). Outras críticas são feitas à
correspectiva tese relativa à sub-rogação em geral, e parecem-me, para aqui,
pertinentes. Assim, assinala-se que na sub-rogação há uma verdadeira
transmissão de um direito com os seus acessórios e garantias o que se coaduna
mal com a apregoada constituição de um dever indemnizatório[29].
Em
Portugal, Vaz Serra, cedo assumiu uma posição sui generis, em comentário a um acórdão do STJ, de 1960. Começando
por descrever a concepção dominante, ancorada no princípio indemnizatório, o
autor avança, contra ela, os argumentos de que, por um lado não fornece uma
explicação suficiente para a transmissão dos direitos do segurado para o
segurador, pois apenas proscreve um cúmulo de situações jurídicas na esfera do
primeiro; por outro, não considera os prémios, que são a prestação
correspectiva da indemnização[30].
Tomando
posição sobre a matéria, o autor diz-nos que, mediante o contrato de seguro, o
segurador se substitui ao segurado no confronto de quaisquer danos que sobre a
coisa segura recaiam. Como contrapartida, tal «implica igualmente a atribuição
dos direitos conexos com a perda ou deterioração dele, pelo que o segurador, no
cálculo dos prémios, tem já em conta o direito de sub-rogação»[31]. Assim,
«o segurador não quer obrigar-se a pagar o montante do seguro de maneira a
suportar sempre o encargo definitivo do prejuízo, mas só oferecer ao segurado
uma garantia contra danos que eventualmente lhe sejam causados»[32]
Na nossa
modesta opinião, esta doutrina é passível de apresentação de uma crítica. É que
dizer que o segurador «no cálculo dos prémios, tem já em conta o direito de
sub-rogação» não nos parece, de todo, compatível com a afirmação de que a
prestação do mesmo, nos casos em que haja sub-rogação, é contrapartida dos
prémios pagos, nem com a propugnação do devolvimento dos prémios pagos (no
fundo, coerente com a anterior afirmação). Se o segurador calcula o prémio,
considerando a hipótese de sub-rogação, o mais natural é que o prémio não
“pague” por ela.
Resta-nos
apenas fazer um breve comentário as doutrinas em análise. Em primeiro lugar,
julgamos que são de afastar algumas críticas feitas à doutrina tradicional.
Antes de mais, levantar, contra pretensa prevenção do enriquecimento sem causa,
o argumento de que ambos os direitos que assistem ao segurado são providos de
uma causa (enquanto facto jurídico apto a produzir tais efeitos). O que se quer
prevenir é que a função social do contrato de seguro, no seio do qual a
indemnização deve ser o contrapeso do pagamento do prémio, seja subvertida,
tornando-se numa aposta, pelo segurado, na eventualidade feliz de ver o risco
consumado, sendo colocado em situação mais vantajosa do que estaria na ausência
de contrato. Não está, portanto, em jogo, o instituto do enriquecimento sem
causa num sentido mais estrito, nomeadamente como surge regulado pelos arts.
473º e segs. do Código Civil. Como tal, parece-nos também que perde algum
terreno a afirmação de que a aplicação do princípio indemnizatório se confina à
relação jurídica criada pelo contrato de seguro. Está em causa um princípio,
logo poderá influir sobre outra relação que não a sobredita.
Quanto aos
prémios, estes são devidos, independentemente de ter sido despoletada a
prestação do segurador. O que, no nosso modesto entender, se configura como
correspetivo do prémio, é uma prestação, a cargo do segurador, que se pode
equiparar, de certo modo, às obrigações de pati,
ou sujeições[33].
No
restante, reiteramos, no essencial, a doutrina de Vaz Serra e Genovese, não
obstante as críticas acima feitas[34]. Assim,
sempre que haja um terceiro responsável, a prestação do segurador vê o seu fundamento
alterado, para ser afeta a um fim de garantia de solvência imediata, e não já
de suportação definitiva do dano que recaiu sobre a coisa.
Conclusão
Concluindo,
consideramos ainda relevante, apresentar a distinção entre sub-rogação e
direito de regresso, figuras que são, por vezes confundidas pela
doutrina e jurisprudência, quando vistas no âmbito do direito dos seguros[35]. Assim,
tomando as duas figuras na sua configuração geral, o direito de regresso
consiste numa situação jurídica surgida ex
novo na esfera do seu titular, à custa do qual foi extinta uma relação
creditória anterior da qual era parte, e que fica assim reintegrado até à sua
parcela de dívida (como sucede, paradigmaticamente, nas obrigações solidárias
com pluralidade de devedores do art. 524º do C.C.); ao passo que a sub-rogação
é uma forma de transmissão de créditos, juntamente com as suas garantias e
acessórios, e exceções[36].
A este
propósito, refira-se que também no direito dos seguros vigora um típico direito
de regresso, no correto sentido do termo, no âmbito do seguro de danos, de
responsabilidade civil, de acordo com o art. 144º do RJCS. Assim, o segurador
tem, nestes casos, um direito de regresso contra o tomador de seguro ou
segurado, caso este tenha causado dolosamente o sinistro.
A
propósito do regime anterior, Moitinho de Almeida defendia uma interpretação
extensiva do art 441º do C.Com. para abranger os casos de seguro de
responsabilidade civil em que o segurado obtivesse, em consequência do
sinistro, direitos contra terceiros, pois aplicar-se-ia a mesma lógica assente
na prevenção de um enriquecimento por meio do seguro[37].
Cabe
ainda indagar se a sub-rogação opera automaticamente, por efeito legal
associado ao pagamento pelo segurador, ou se de um direito potestativo que lhe
permite exercê-la.
A tese
do direito potestativo surge positivada no Direito espanhol e amparada pela doutrina
e jurisprudência italiana[38] devido à
rutura entre sub-rogação e princípio indemnizatório.
Em
Portugal, a doutrina maioritária propugna a tese da automaticidade. Por um
lado, como decorrência do operar do princípio indemnizatório, vedando-se, logo
à partida, o cúmulo de créditos. Moitinho de Almeida avança e recorda, ainda,
que de acordo com a tese clássica, um “interregno” entre o momento do pagamento
e o da transmissão levaria a que o dever do terceiro não tivesse um sujeito ativo[39]. Também a
associação à sub-rogação geral permite concluir pela automaticidade da
transmissão.
No nosso
ponto de vista, parece-nos esta última a doutrina mais adequada.
Por João Braga Ferreira e Patrícia Fernandes
Julho de 2013
[1] Sobre este princípio, no Direito português, vide a obra geral de referência de José
Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra
Ed, 1999, p. 145 e segs.
[2] Antigono Donati, Trattato del Diritto delle Assicurazione Private, cit. p. 466 e
447; Moitinho de Almeida, O contrato de
seguro, cit., p. 220; José Vasques, Contrato
de Seguro, cit., p. 152; Francisco Rodrigues Rocha, Da Sub-rogação no Contrato de Seguro, cit. p. 126.
Veja-se,
também, Ac. STJ 22-02-2011 (Helder Roque), proc. 667/06.8TBOHP.C2.S1. Contra,
Ac. TRP 11-12-2006 (Fonseca Ramos), proc. 0656392.
[3] José Alves Brito, in Pedro Romano Martinez… [et al.], Lei do Contrato de Seguro Anotada, cit. p. 536.
[4] Moitinho de Almeida, O novo regime jurídico do contrato de seguro. Breves considerações
sobre a protecção dos segurados, CDP 26 (2009) pp. 13 e 14; Francisco
Rodrigues Rocha, Da Sub-rogação no
Contrato de Seguro, cit. p. 127.
[5]
Pauto-me, aqui, pelas referências feitas em Antigono Donati, Trattato del
Diritto delle Assicurazione Private, vol. II, Giuffrè ed., Milano, 1954, p. 463
e segs.; e em Francisco Rodrigues Rocha, Da
Sub-rogação no Contrato de Seguro, cit.
p. 34 e seg.
[6] Assim dizia: art. 441º O segurador que pagou a
deterioração ou perda dos objectos segurados fica sub-rogado em todos os
direitos do segurado contra o causador do sinistro, respondendo o segurado por
todo o acto que possa prejudicar esses direitos § .Se a indemnização só recair
sobre parte do dano ou perda, o segurador e o segurado concorrerão a fazer
valer esses direitos em proporção à soma que a cada um fôr devida
[7] Cunha Gonçalves, Commentario ao Codigo Comercial portuguez, vol. II, 1916, p. 577;
Pinheiro Torres, Ensaio Sôbre o Contrato
de Seguro, Tipografia Sequeira, 1939, p. 128; Moitinho de Almeida, O contrato de seguro no Direito português e
comparado, Lisboa, 1971, p. 216; José Vasques, Contrato de Seguro, cit., p. 152.
[8] Moitinho de Almeida, O contrato de seguro no Direito português e comparado, p. 219 e
220, defendendo a extensão do dispositivo aos seguros de danos de
responsabilidade civil quando há um direito de regresso do segurado contra
terceiros.
[9] José Vasques, Contrato
de Seguro, cit., p. 154 e 155;
Arnaldo Costa Oliveira, in Pedro
Romano Martinez… Lei do Contrato de
Seguro Anotada, 2ª ed., Almedina, 2011, p. 468.
[10] Ac. TRP 22-01-2009 (Mário Fernandes), proc.
0836196, ainda aplicando, porém, o regime anterior.
[11] Arnaldo Costa Oliveira, in Pedro Romano Martinez… [et al.], Lei do Contrato de Seguro Anotada, cit. p. 468; Ac. TRL 19-12-2007 (proc. 2819/2007-6; Ac. TRP
2.3.2010), proc. 3180/04.2TJVNF.P1 .
[12] Arnaldo Costa Oliveira, in Pedro Romano Martinez… [et al.], Lei do Contrato de Seguro Anotada, p. 471 e 472.
[13] Arnaldo Costa Oliveira, in Pedro Romano Martinez… [et al.], Lei do Contrato de Seguro Anotada, cit. p. 465 e segs.
[14] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, cit., p.
357; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, cit., p. 49.
[15] Vaz Serra, Sub-rogação nos direitos do credor,
cit., p. 34 e segs.
[16] Remete-se para o enunciado de autores em Francisco
Rodrigues Rocha, Da Sub-rogação no Contrato de Seguro, cit. p. 127 e 128.
[17]Antonio La Torre, Le Assicurazioni, cit., p. 222; Francisco Rodrigues Rocha, Da Sub-rogação no Contrato de Seguro, cit.
p. 128 e segs.
[18] Moitinho de Almeida, O contrato de seguro, cit., p. 214
[19] Permita-se-me remeter, ilustrativamente, para o
elenco de autores feito em Francisco Rodrigues Rocha, Da Sub-rogação no Contrato de Seguro, cit. p.45-48.
[20] Francisco Rodrigues Rocha, Da Sub-rogação no Contrato de Seguro, cit. p. 43
[21] Antigono Donati, Trattato del Diritto delle Assicurazione Private, cit. p. 465 e
466.
[22] Moitinho de Almeida, O contrato de seguro, cit., p. 211 e segs., seguindo, aqui, a
doutrina de Anteo Genovese, Il fondamento
razionale della surroga dell’assicuratore, Assicurazioni, 1968, I, p. 15-49
[23]
Moitinho de Almeida, O contrato de
seguro, cit., p. 211.
[24]
Moitinho de Almeida, O contrato de
seguro, cit., p. 216.
[25]
Esta posição suscita algumas críticas: em primeiro lugar, não parece haver uma
causa de extinção de direitos, no ordenamento português, consistente no
desaparecimento de um “interesse” a eles subjacente; depois, o exemplo com que
o autor ilustra a sua tese afigura-se mais como uma novação, do que uma mera
perda de interesse, com efeitos extintivos.
[26]
Francisco Rodrigues Rocha, Da Sub-rogação
no Contrato de Seguro, cit. p. 49 e 50., indicando, como defensor desta
tese, Manfredi.
[27]
Sub-rogação nos direitos do credor, em
BMJ, nº 37 (1953), p. 5, nota 1.
[28]
Anteo Genovese, Il fondamento razionale
della surroga dell’assicuratore, cit., p. 18
[29]
Antunes Varela, Das Obrigações em Geral,
vol II, 7ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 355; Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 6ª ed.,
Almedina, 2008.
[30] Vaz Serra, Sub-rogação
do segurador (a propósito do acórdão do STJ de 8-1-1960), in RLJ 94 (1961),
nº3204 p. 227.
[31] Vaz Serra, Sub-rogação
do segurador, cit. p. 227.
[32] Vaz Serra, Sub-rogação
do segurador, cit. p. 228.
[33] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português I – Parte Geral, Tomo I,
Almedina, 2005 p. 357 e 358; José de Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, vol. III, Coimbra editora, 2002, p.
102.
[34] Tal entendimento chega a encontrar eco na jurisprudência, em Ac. TRP 22-01-2009 (Mário Fernandes),
proc. 0836196.
[35] José Vasques, Contrato de Seguro, cit., p. 159.
[36] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, cit., p.
346. O autor refere, ainda, que nas legislações francesa e italiana, as duas
figuras se confundem; Vaz Serra, Sub-rogação nos direitos do credor, cit., p.
64, propõe uma disciplina idêntica à daqueles países. Vide, ainda Ac. STJ
21-01-2003 (Garcia Marques), proc. 02A4110, e Ac. TRP 02-03-2010 (Vieira e
Cunha), proc. 3180/04.2TJVNF.P1.
[37] Moitinho de Almeida, O contrato de seguro, cit., p.
220 e 221.
[38] Antonio La Torre, Le Assicurazioni, cit., p. 227;
Emilio Pasanisi, Ancora sulla natura e sul fondamento della surroga
assicurativa, cit. p. 534; Francisco Rodrigues Rocha, Da Sub-rogação no
Contrato de Seguro, cit. p. 70 e segs.
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