O Contrato de Locação Financeira: características essenciais
O RJCLF dá uma definição do que é o contrato de
locação financeira no seu artigo 1º dizendo que é “o contrato pelo qual uma das
partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de
uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que
o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele
determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele
fixados.” Desta definição podemos retirar as características essências deste
contrato: uma das partes – o locador - vai proporcionar o gozo de um bem a
outra parte – o locatário - e esta ultima tem o direito de exigir esse gozo; o
gozo é temporário (tem um limite estipulado no contrato) e retribuído (há lugar
ao pagamento de uma renda); o locador mantém a propriedade do bem durante todo
o contrato[1]; quanto ao bem, este é
adquirido ou mandado construir a um fornecedor pelo locador mas segundo as
indicações do locatário e este último poderá, no final do contrato, adquirir o
bem por um preço que será determinável pelo clausulado do contrato (por
exemplo, pelo valor remanescente do bem, ou seja, ao valor do bem vão ser
deduzidas as rendas já pagas e terá que pagar o valor em falta) ou então pode
optar por entregar o bem ao locador. A partir desta caracterização podemos,
desde logo, inferir que para ambas as partes nascem obrigações com a conclusão
do contrato que os artigos 9º e 10º do DL em causa enunciam mais
especificadamente podendo a partir desses deveres e direitos que nascem com o
contrato caracterizar cada uma das posições jurídicas em causa, a de locador e
a de locatário.
Ao nível da forma, o
artigo 3º do RJCLF dispõe que os contratos podem ser celebrados por documento particular,
mas no caso de imóveis, as assinaturas desse documento devem ser realizadas na
presença de um funcionário do registo no momento em que é pedido o próprio
registo; em relação aos móveis sujeitos a registo, é necessário que o locatário
aponha ao documento o número, data e entidade emitente do bilhete de identidade
ou cartão de cidadão ou outro documento equivalente no caso de ser estrangeiro
(artigo3º, nº4 do RJCLF). Caso não se verifiquem estas formalidades, o contrato
de locação será tido como nulo por falta de forma (artigo 220º do Código Civil
- CC)[2].
Tratando-se de imóveis ou móveis sujeitos a registo
é ainda necessário fazer o registo dos contratos de locação financeira (artigo
3º, nº5 do RJCLF e artigos 2º, nº1 alínea l) e 95º, nº1, alínea o) do Código de
Registo Predial).
Os contratos de locação financeira têm por objeto
“quaisquer bens suscetíveis de serem dados em locação” – artigo 2º, nº1 do
RJCLF; assim, vai incidir sobre bens móveis ou imóveis – artigo 1023º do CC,
principalmente no que diz respeito aos bem móveis, estes podem ser bens
corpóreos e incorpóreos[3].
Relativamente à duração do contrato, atualmente já
não estão consagrados na Lei limites mínimos[4] para o contrato, mas os
limites máximos mantêm-se. Assim, a lei diz-nos que, em relação aos bens
móveis, o contrato de locação não pode ultrapassar o “período presumível de
utilização económica da coisa”[5], ou seja, não há um limite
exato, vai depender do bem móvel que estiver em causa e da sua utilidade
económica. Quanto aos imóveis[6], será aplicável o nº2 do
artigo 6º do RJCLF e o prazo máximo será de 30 anos, nos casos em que esse
limite seja ultrapassado no contrato, considerar-se-á o prazo reduzido a este
limite. Caso o contrato anda diga sobre a duração do contrato, o nº3 do
artigo6º do RJCLF manda considerar o contrato celebrado pelos prazos de 18
meses ou 7 anos, consoante se trate de um bem móvel ou um bem imóvel,
respetivamente.
O regime previsto para a
locação da Lei civil será o regime supletivo do RJCLF (remissão, por exemplo,
dos artigo 9º, nº2 ou artigo 17º, nº1 do RJCLF) sempre que as disposições da
Lei civil não forem incompatíveis com os fins e o regime dos contratos de
locação financeira; aliás, o regime da locação prevista no regime geral do
código civil e o regime da locação financeira partilham algumas características[7].
A locação financeira assemelha-se a um regime especial de locação, contudo essa
não parece ser a sua melhor classificação e mais uma vez,
perfilhando a opinião de GRAVATO MORAIS[8], a locação financeira deve
ser incluída nos contratos de crédito, ainda que com características especiais.
Na opinião do autor, devemos ter em conta a estrutura tripartida do contrato de
locação financeira -locador, locatário e fornecedor - que se assemelha à
relação entre financiador, mutuário, e vendedor nos contratos de crédito, ou
sejam, em ambos temos dois contratos e apenas um dos sujeitos da relação
participa nos dois (num caso o locador, no outro, o mutuário). Neste dois tipos
de contratos encontramos uma relação creditícia cujos créditos estão, por
regra, nas mãos de uma entidade que se dedica àquele tipo de negócios (Bancos e
Sociedades de Locação Financeira); tanto no contrato de crédito como contrato
de locação, há uma troca das posições na realização das prestações, ou seja, no
caso da locação financeira, o fornecedor vai entregar o bem ao locatário e não
ao locador, mesmo tendo sido este que pagou a produção do bem, por sua vez, no
contrato de crédito, a entidade bancária não entrega o valor monetário ao
mutuário que pede mas entrega diretamente ao vendedor com quem o mutuário está
a realizar a compra. O autor evidencia ainda o nome que o legislador deu a este
contrato, utilizou o termo “financeiro”, e daí podemos retirar que queria
incluir a figura no âmbito das operações de crédito que são dos contratos
financeiros mais recorrentes.
A transmissibilidade de posições jurídicas no Contrato de Locação
Financeira
As relações contratuais não são estanques, as suas partes e objetos sofrem
alterações, por vezes extinguem-se, outras vezes são transmitidas para
terceiros. No caso da locação financeira, mesmo sendo uma relação com 3 partes,
os problemas relacionadas com as mudanças subjetivas da relação só ocorrem ao
nível do locador e o locatário. Esta transmissão não é algo inovador, a
possibilidade de transmissão de posições contratuais é possível em imensos
negócios, principalmente aqueles que não se relacionam com direitos de foro
pessoal (direitos de personalidade ou negócios de índole familiar). Assim
sendo, é preciso analisar estas mudanças de duas perspetivas: se são possíveis,
e em caso afirmativo, como se regula a transmissão no caso da transmissão da
posição de locador e no caso da transmissão da posição de locatário.
A transmissão de posição de Locador
Quanto à transmissão da posição de locador a lei
ajuda-nos ao admitir no artigo 11º, nº4 do RJCLF a possibilidade de transmissão
da posição dizendo ainda que o contrato se mantém mesmo sendo outro o locador,
não havendo qualquer referência à necessidade de assentimento por parte do
locatário. A Lei admite tal mas o RJDLF não dá mais informações sobre esta
transmissão sendo necessário recorrer às normas civilistas que regulam o
contrato de locação, como já referi, é o próprio regime deste contrato que
consagrou como supletivas as normas do CC. Assim sendo, o contrato de locação
está regulado entre os artigos 1022º e 1093º do CC[9] e é nos artigos 1057º a
1059º que encontramos os elementos necessários para caracterizar a transmissão
das posições de locador financeiro e locatário. O artigo 1057º do CC trata da
transmissão de posição de locador e retiramos de lá que o locador “novo”
ingressa na posição que o locador anterior tinha em todos os direitos e deveres
sem ser necessário outra formalidade para além das necessárias para o negócio[10] que esteve na base da
transmissão da posição de locador e das formalidades necessárias ao nível do
registo. Esta transmissão tem que ser compreendida tendo em conta também o
locatário, se com a transmissão criássemos um lapso temporal na execução do
contrato, interrompendo-o, o locatário ia encontra-se numa situação fragilizada
por o contrato se encontrar “suspenso” ou então, se assim não fosse, com a
mudança do locador (por exemplo, por a sociedade locadora ter vendido esse bem
a outra sociedade, ou por o locador ter falecido e lhe ter sucedido um herdeiro[11]), a outra opção seria a
de fazer o contrato de locação financeira caducar e celebrar um novo com o
locador novo. Em suma, sempre que se transmite a posição de locador, o novo
locador adquire o bem e adquire a posição de locador.
Grande parte das locações
financeiras tem por locador uma sociedade de locação financeira, e quando
analisamos a transmissão da posição de locador não devemos fazê-lo apenas
analisando casos em que o bem locado foi transmitido, mas tendo em atenção os
casos de cisão ou fusão de empresas. Quando ocorre a fusão de sociedades
ocorre, na maior parte dos casos, a extinção de sociedades[12],
sendo que o património, obrigações e os deveres das
que se extinguem são transferidos para a sociedade que se mantém ou para a que
surge e nesse património pode existir um bem, obrigações ou direitos relativos
a um contrato de locação financeira. O contrato mantém-se apenas existindo a
mudança subjetiva do locador, mudança essa que se configura praticamente como
formal pois até os sócios das sociedades extintas passam a fazer parte da
sociedade que se torna locadora, ao nível substancial a situação pode não
sofrer grandes alterações - artigo 112º do CSC. Relativamente á cisão[13], é-lhe aplicável o regime
da fusão por remissão do artigo 120º do CSC, logo, são de reconduzir os mesmos
argumentos, sendo que no caso da cisão pode até nem ocorrer a extinção de
sociedades não existindo, propriamente, mudança de locador. Neste contexto é
necessário referir o trespasse de estabelecimento comercial do locador, também
neste caso a posição de locador é transmitida para o adquirente do
estabelecimento sem que tal tenha sido incluída na venda, propriamente dita –
temos igualmente uma transmissão universal de posições jurídicas como acontece
com a posição de entidade empregadora.
Tendo em conta, principalmente, estes últimos casos
referidos, se compreende o uso da expressão “transmissão da posição contratual”
pelo artigo 11º, nº4 do RJCLF, pois em vários casos não vamos encontrar uma
venda do bem em si mas sim um conjunto de negócios que, por estarem ligados ao
locador, vão influir na conformação subjetiva da locação financeira.
A transmissão de posição de Locatário
Se em relação à transmissão da posição de locador a
situação apresenta-se de certa forma fácil de acompanhar e sem grandes
complexidades, quando se pretende transmitir a posição de locatário, as
formalidades são outras e há um conjunto de regras a seguir mais complexo.
O artigo 11º do RJCLF consagrou nos nºs 1 a 3 a disciplina da transmissão
da posição de locatário sendo ainda feita, também neste caso, uma remissão para
o regime civilístico da locação, no caso, para os artigos 1058º e 1059º do CC;
por sua vez, este último artigo, no seu nº 2, manda aplicar os artigos 424º e
seguintes do CC que regulam a cessão de posição contratual. Da análise dos
artigo 424º, nº1 do CC
retiramos que será necessário o consentimento do locador para a transmissão da
posição de locatário, quer isto dizer, que a cessão da posição de locatário só
produzirá efeitos com o consentimento do locador, podendo este ser anterior ou
posterior (nesse caso será ratificação)[14]
à transmissão da posição. Esta necessidade de consentimento por parte do
locador também se pode inferir a partir da obrigação do locatário de não ceder
o gozo do bem por cessão da sua posição jurídica, seja a título gratuito ou
oneroso, a não ser que a lei o permita ou o locador consinta (artigo 10º, nº1
alínea g) do RJCLF) e a partir do seu direito a poder onerar o seu direito
enquanto locatário desde que autorizado pelo locador (artigo 10º, nº2, alínea
d) do RJCLF). Caso o locatário transmita a posição sem o consentimento do
locador, tal deve ser entendido como uma violação do contrato de locação
financeira acarretando a possibilidade de resolução do contrato nos termos do
artigo 17º, nº1 do RJCLF e nos termos do CC, nos artigos 432º a 436º. Ao
locador assiste ainda a possibilidade de se opor à transmissão do contrato
sempre que prove que o novo locatário não apresenta garantias suficientes de
cumprimento do contrato - artigo 11º, nº3 do RJCLF. Esta necessidade de
consentimento tem que ser entendida analisando o risco do contrato de locação
financeira, é um contrato de crédito que foi realizado tendo em conta a pessoa
do locatário, a confiança no cumprimento do contrato que apresentava e
solvabilidade para pagamento das rendas; se fosse possível ceder a posição de
locatário sem mais o locador poderia deparar-se com novos locatários que não
apresentavam as condições necessárias para a manutenção do contrato podendo
acabar com rendas em atraso, processos judiciais para obter pagamento e ainda
ver um bem adquirido para um certo efeito completamente desvalorizado ou com a
sua utilidade económica reduzida[15].
Por último, sempre que o locador dê o seu consentimento e depois se oponha
baseando-se no nº3 do artigo 11º do RJCLF, essa possibilidade deve ser-lhe
negada, deveria ter recusado o consentimento ab initio. Este regime
apresentado é o aplicável à transmissão inter vivos da posição jurídica,
no caso de transmissão por morte, será aplicável o artigo 1059º do CC que nos
diz que a posição contratual só será transmitida se tal tiver sido
estabelecido, por escrito, pelo locatário entretanto falecido. Caso o locatário
não deixe qualquer documento escrito, o contrato caduca nos termos do artigo
1051º, nº1, alínea d) do CC.
Relativamente à forma da cessão, ela terá que
seguir a forma exigida para o contrato que a faz nascer e tendo em conta o bem
em causa, se o contrato respeitar a forma, a cessão da posição será válida,
caso contrário, a cessão será inválida por falta de forma; quanto à prestação
do consentimento, ele deve respeitar as formalidades necessárias para a
realização da locação, ou seja, será necessária forma escrita[16].
No caso da locação de
bens de equipamento, a disciplina que o RJCLF consagra algumas alterações: o
artigo 11º, nº1 manda aplicar o artigo 115º do Regime do Arrendamento Urbano[17]
à transmissão da posição de locatário sendo que este artigo, tratando-se de uma
lei já revogada, tratava do trespasse de estabelecimento comercial e da
transmissão da posição de arrendatário. Em função disto, para aplicar esta
norma RJCLF é necessário que o contrato de locação financeira existente incida
sobre um bem de equipamento e que ocorra o trespasse de um estabelecimento
comercial. A primeira questão a resolver a de saber o que é um bem de
equipamento pois RJCLF não tem qualquer definição; assim, nas palavras de PINTO
DUARTE[18],
para que se considere uma coisa como bem de equipamento é necessário que “entre
ela e as mercadorias ou serviços vendidos pelo utilizador haja uma relação de
causalidade”, ou seja, é necessário que o bem em questão seja utilizado para o
regular funcionamento daquele estabelecimento; este conceito é muito aberto
pois o que releva não é o bem em si mas a sua função em relação com o
estabelecimento[19].
Assim, no caso de trespasse (o artigo atual, correlativo do artigo 115º do DL
321-B/90, de 15 de Outubro, é o 1112º do CC) em que junto com o estabelecimento
é trespassado um bem de equipamento em que o trespassante era locatário
financeiro, a cessão da posição contratual de locatário não necessita de
autorização do locador. Este afastamento da autorização do locador tem que ser
compreendida no âmbito da necessidade de permitir e facilitar os trespasses, se
fosse permitido ao locador autorizar ou não a cessão da posição contratual de
locatário (por exemplo, de uma montra/arca frigorífica de uma pastelaria)
poderíamos estar a impedir muitos trespasses de estabelecimento[20].
Caso o locador se aperceba que o negócio que deu lugar à cessão da posição de
locador não corresponde a um trespasse, poderá resolver o contrato por violação
do contrato de locação financeira, nos mesmos termos que
referi supra. Pode ainda ocorrer o contrário, no contrato de trespasse pode
ficar estabelecido que este não abrange o bem dado em locação financeira, logo,
aquela posição não se transmite. Este regime também vai ser aplicável, como
refere o nº1 do artigo 11º, parte final do RJCLF, à transmissão por morte do
estabelecimento comercial no caso do herdeiro ou legatário prosseguir a
atividade profissional exercida pelo de de cujus, ou seja, não será
necessária autorização do locador podendo, caso pretenda, opor-se à transmissão
por este não apresentar garantias suficientes de cumprimento do contrato; neste
caso, cabe ao herdeiro ou legatário comunicar a cessão da posição contratual
por morte do locatário primitivo ao locador e caso não o faça irá igualmente
culminar na possibilidade de resolução do contrato.
Embora não haja a necessidade de autorização do
locador financeiro, é necessário que este seja informado da mudança de
locatário (artigo 10º, nº1, alínea h) do RJCLF) de modo a tomar conhecimento de
quem é o novo locatário que lhe pagará as rendas a partir de então e para assim
poder lançar mão, caso pretenda, da faculdade do artigo 11º, nº4 do RJCLF de
forma informada, só conhecendo o locatário é que poderá apurar se ele acarreta
um maior risco para a manutenção do contrato de locação financeira. O locatário
primitivo terá 15 dias (a contar do registo do contrato, caso seja necessário)
para efetuar a comunicação sendo que nada impede que seja o novo locatário a
fazê-la (as normas dos artigos 1049º e artigo 1038º alíneas f) e g) são
aplicáveis – por remissão do artigo 10º, nº2 do RJCLF - não se apresentando
qualquer incompatibilidade com o regime da locação financeira). Mais uma vez,
no caso de não ser feita esta comunicação tal poderá resultar na resolução do
contrato por violação de dever de comunicação que impende sobre o locatário
primitivo (e também sobre o novo).
Até este ponto analisamos o regime da transmissão
de posição de locatário pressupondo-o como pessoa singular, mas, tal como o
locador, o locatário pode ser uma pessoa coletiva e o regime até aqui
apresentado sofre algumas alterações.
No que se analisou
relativamente á cessão da posição contratual inter vivos não há nada que
se altere no caso de se tratar de uma sociedade, é permitida a transmissão e
dependendo dos casos poderá ou não ser necessária a autorização do locador
devendo seguir-se todos as formalidades enunciadas supra. Mas, no caso de
extinção de pessoa coletiva (ao contrario do de cujus que poderia, por
documento, conduzir à transmissão da posição de locatário financeiro) não
teremos a cessão da posição contratual porque o artigo 18º alínea a) do RJCLF
diz-nos que neste caso o locador pode resolver o contrato de locação
financeira, sem prejuízo de por convenção ter sido acordado entre locador e locatário financeiros a transmissão da posição de
locatário. Mas nem sempre será possível ao locador enveredar pela resolução do
contrato.
Recuperando o que já foi dito sobre a fusão de sociedades no âmbito da
transmissão de posição de locador, o artigo 18º, alínea a) do RJCLF não será
aplicável pois nestes casos temos uma transmissão universal dos direitos[21] da empresa que se
extingue, para a que se manteve ou criou. Também aqui colhem os argumentos
acima enunciados, não podemos falar de uma verdadeira mudança subjetiva, aquela
sociedade “continua a viver” dentro da pessoa da sociedade incorporante ou da
nova sociedade, os seus direitos e obrigações subsistem mesmo após a fusão. Se
não fosse permitida essa transmissão seriam criados entraves a estas operações
societárias sem qualquer fundamento tendo em conta até, que o locador ficará
“mais garantido” pois a nova sociedade ou, no caso de incorporação, a sociedade
incorporante, à partida, dispõem de um património maior para efetivar o
pagamento das rendas[22]. Relativamente à
possibilidade de o locador se opor à mudança de locatário, seguindo novamente a
posição de GRAVATO MORAIS[23], não deve ser permitida
pois não se pode entender que a fusão de sociedades caiba nos casos dos nºs 1 e
2 do artigo 11º do RJCLF. Quanto à necessidade de informar o locatário, também
aqui ela existe aplicando-se o artigo 10º, nº1 alínea h) do RJCLF pois só com a
comunicação é que a transmissão da posição se torna efetiva relativamente ao
locador e só no caso de não ser efetuada é que o locador poderá resolver o
contrato, mas neste caso nos termos do artigo 17º, nº 1 do RJCLF. Relativamente
à cisão, recuperando também o que já foi dito, também aqui encontramos mais
garantias para o locador pois em princípio a sociedade vai tornar-se mais
solida ao nível do seu património.
Por Catarina Faria
Maio de 2014
[1] A
propriedade do bem dado em locação financeira não é uma propriedade normal, ela
tem apenas uma vertente económica de garantia do contrato, mesmo que ocorra
alguma vicissitude que faça o contrato cair, a propriedade será sempre do
locador ficando tutelado pelo valor desta.
[2] GRAVATO MORAIS,
Manual de Locação Financeira, cit., p.88.
[3] Sobre a
Locação Financeira de Estabelecimento comercial enquanto bem móvel sui generis
e bem incorpóreo não puro, ver GRAVATO MORAIS, Manual de Locação Financeira, cit.
pp.44 e seguintes e «Locação Financeira de Estabelecimento comercial», Nos
20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, Homenagem aos Profs. Doutores A.
Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, Coimbra, Coimbra
Editora, 2007, pp. 619 a 635.
[4] No
regime anterior existia o limite mínimo de 18 meses quando o contrato incidia
sobre um bem móvel e de 7 anos no caso dos bens imóveis - artigo 6º, nº1 da
versão original do DL nº149/95.
[5] Artigo
6º nº1 do RJCLF.
[6] GRAVATO MORAIS entende
que este este prazo também deve ser aplicável aos bens móveis que, pelas suas
características, não percam valor com o uso ou o decorrer do tempo (dá os
exemplos de uma obra de arte ou o próprio estabelecimento comercial)
aproximando a duração da utilidade económica desses bens à dos imóveis; esta
interpretação aplica ainda ao disposto no artigo 6º do nº4 do RJCLF – Gravato
Morais, Manual de Locação Financeira, cit. pp. 142 e 143.
[7] Para uma
análise das semelhanças e diferenças entre locação e locação financeira, ver
Diogo LEITE DE CAMPOS, «Locação Financeira (Leasing) e Locação», Revista
da Ordem dos Advogados, vol. III, 2002, pp.759 a 775 e GRAVATO MORAIS,
Manual de Locação Financeira, cit. pp.60 e seguintes.
[8] AVATO MORAIS,
Manual de Locação Financeira, cit. pp.328 a 332.
[9] Também
estão incluídos os artigos referentes à sublocação
[10] As
formalidades que se tenham que respeitar relativamente ao negócio que conduziu
à transmissão relevam para o negócio em si, são exigidas por esse negócio e não
por se transmitir a posição.
[11] Na
esteira de MENEZES LEITÃO, o artigo 1057º deve aplicar-se às
transmissões da posição de locador inter vivos e mortis causa - LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol.
III,8ª Edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 206.
[12] A fusão
das empresas pode ocorrer por incorporação ou por concentração: no primeiro
caso temos uma sociedade vai absorver uma outra, também já existente, no
segundo tipo, temos duas ou mais sociedades que se unem para formar uma outra
sociedade (artigo 94º, nº4 do Código das Sociedades Comerciais - CSC) – ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito das Sociedades, vol. I,
3ª Edição, Coimbra, Almedina, 2011, p.1123.
[13] A cisão
pode ser simples, quando destaca uma parte do seu património para se formar uma
nova sociedade, pode ser cisão-dissolução, quando uma sociedade de separa em
vários patrimónios, dissolvendo-se, sendo que cada um desses patrimónios
formaram novas sociedades ou então pode ser uma cisão-fusão, quando a sociedade
destaca algumas partes do seu património para fundir com outras sociedades –
artigo 118, nº1 do CSC.
[14] Neste
sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/04/2010 relatado por
Francisco Caetano onde ainda feita menção de que essa ratificação pode ser
tácita, não há necessidade de ser expressa.
[15] Esta
redução da utilidade económica pode acontecer no caso de o locatário “novo” e
faltoso estar a usar o bem sem o pagar quando poderia estar a ser utilizado por
outra entidade ou até por não entregar o bem e ser necessário recorrer a
tribunal para reaver o bem, quando tal ocorresse o tempo útil do bem já teria
desaparecido ou estar muito reduzido – basta pensão na locação financeira de
tecnologia informática ou de telecomunicações que rapidamente se tornam
obsoletas.
[16] Acórdão
do Tribunal da Relação de Coimbra citado na nota 15.
[17] DL
321-B/90, de 15 de Outubro.
[18] RUI PINTO DUARTE,
Escritos sobre Leasing e Factoring, Cascais, Principia, 2001, p.58.
[19] Sobre a
possibilidade de um bem imóvel poder configurar um bem de equipamento ver GRAVATO MORAIS,
Manual de Locação Financeira, cit. p. 149 e RUI PINTO DUARTE, Escritos
sobre Leasing e Factoring, cit., pp.58 e 59.
[20] A
lógica em questão é também aplicada ao arrendamento, tendo em conta a
importância do imóvel para um estabelecimento, se estivesse na mão do locador a
cessão da posição de arrendatário, estaria a ser colocado em causa o valor do
estabelecimento e a possibilidade de trespasse, ainda que com última alteração,
o regime tenha desfavorecido a transmissão de estabelecimento.
[21] Artigo
112º, alínea a) do CSC.
[22] Se
antes da fusão o locador tinha o património apenas do locatário para realizar
os pagamentos, após a fusão, a massa patrimonial cresce, passando a ter, pelo
menos, o património de duas sociedades, ainda que fundidas.
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