Códigos de Governo das Sociedades
Governação de Sociedades - Corporate Governance
O Governo de sociedades é, nas palavras do Doutor
Jorge Manuel Coutinho de Abreu “ (…) o complexo das regras (legais, estatutárias,
jurisprudenciais, deontológicas), instrumentos e questões respeitantes à
administração e ao controlo (ou fiscalização) das sociedades.”[1]. Por outras palavras, será
o sistema que cada sociedade adota para a sua administração e controlo
pressupondo uma separação entre os proprietários e os administradores das
sociedades para assim evitar o conflito de interesses e confusão de poderes
entre quem administra e controla, quem detém e quem fiscaliza a Sociedade. A
governação de sociedades (ou Governo de sociedades) encontra-se ligada de modo
mais próximo às sociedades emitentes de ações cotadas em bolsa pois foi em
virtude de escândalos relacionados com este tipo de sociedades que a governação
de sociedades passou a ser debatida tornou-se questão de debate.
O Governo de Sociedades surgiu denominado de Corporate
Governance na década de 70 nos Estados Unidos da América ligados ao
financiamento ilegal de companhas eleitorais que demonstrava as incapacidades
dos sistemas de administração e fiscalização das sociedades. Deste escândalo
surgem, já nos anos 90, códigos de boas práticas de governação que incidiam
fortemente sobre a atuação dos administradores e o controlo sobre as suas ações
e são então publicados, por mão do American Law Institute, os Principles
of Corporate Governance: Analysis and Recomendations. Já no início deste
século, são os escândalos ligados às sociedades WorldCom e Enron que fazem
surgir, no campo da legislação, o “Sarbanes-Oxley Act” em 2002.
Este movimento de interesse no Corporate
governance não se deixou ficar no outro lado do Atlântico, e, devido
igualmente a escândalos financeiros como os da Maxwell ou Polly Peck
Internacional, surge no Reino Unido o “Relatório Cadbury” em 1992 ainda
antes da publicação dos Princípios do American Law Institute. Este
documento tinha por principais questões o controlo e fiscalização da
administração e procurava aumentar o grau de fiabilidade das informações
financeiras que as sociedades transmitiam.
Após a chegada ao Reino Unido, as ideias de Corporate Governance vão-se
disseminando por todo o continente Europeu.
Os Códigos de Governo
Os dois documentos já referidos, os Principles
of Corporate Governance: Analysis and Recomendations e o “Relatório Cadbury”
são os primeiros exemplos do que são códigos de Governo. Contudo, uma definição
do que seria um código surge apenas em 2002 e é definido como “a non-binding
set of principles, standards or best practices, issued by a collective body,
and relating to the internal governance of corporations”[2]
e, em Portugal, Paulo Câmara define códigos de governo como “os conjuntos
sistematizados de normas de natureza recomendatória respeitantes ao bom governo
das sociedades.”[3]
Em suma será o conjunto de regras e recomendações onde se encontram definidos
os parâmetros que uma Sociedade deve seguir para um bom Governo societário.
Com estas definições podemos, desde já, retirar o carácter
não vinculativo destes Códigos, do seu incumprimento não decorre nenhuma sanção
jurídica[4]. Por essa razão se entende
que os Códigos de Governo são soft law, não são dotados de
coercibilidade, têm carácter recomendatório e indicam apenas as regras e boas
práticas pelas quais a sociedade se deve reger para assim prosseguir o seu fim.
Ao não serem uma lei formal cuja aplicação é imposta, eles são mais facilmente
aceites pelas Sociedades; há um sentimento geral, como a prática demonstra, que
cria ceticismo em relação à Lei e que de certa forma os Códigos conseguem
combater. Em função desta característica não há necessidade de os códigos serem
emitidos por uma autoridade pública podendo estes terem natureza privada e
serem emitidos pela própria sociedade[5]. Quanto ao nível ou tipo
de recomendações, os códigos variam muito e dentro do próprio código há
recomendações mais fortes com indicações mais específicas e outras que apenas
indicam objetivos de modo mais lato.
Os Códigos, por serem soft
law, não são Lei em sentido formal mas têm que se conformar com esta não
podendo chocar de qualquer forma ela. Assim sendo, os códigos de Governo são
complementares da Lei defendendo-se ainda os Códigos de Governo reduzem a
necessidade de criar mais normas legislativas sobre a administração e gestão
das sociedades. Por serem de cariz recomendatório não podem conter preceitos
que sejam cópia ou transposição do que está definido por Lei. O inverso
acontece, os códigos de Governo têm sido utilizados como forma de primeira aplicação
de regras que viriam a ser adotados a nível legislativo como Lei, ou seja, os
códigos de Governo são utilizados como “tubos de ensaio” de normas. Assim
encontramos vários casos em que regras constantes dos códigos conduzem a reformas legislativas; a partir de recomendações
presentes nos códigos de Governo que foram seguidas por todas as sociedades que
aplicam o Código, o legislador acabou por consagrar tal a nível legislativo.
Também de igual importância é o caracter mutável
destes códigos; no já referido “Relatório Cadbury” estava prevista a sua
própria revisão. Tal deve ser entendido tendo em conta a própria natureza deste
códigos; eles são de natureza recomendatórios e o limite que os separa dos
códigos normativos não é estanque, vai se movendo, logo os códigos de Governo
têm que acompanhar essa mudança.
Assim sendo, todos Estados-membros da União
Europeia (como em outros Estados), foram tentando resolver os problemas ligados
à governação de sociedades por meio de Códigos de Governo. Em virtude disso, em
1998 já existiam 10 na europa e nos inícios de 2002 já tinham sido publicados
mais 25[6]; de entre estes últimos 25
está incluído o Código de Governo português de então.
A nível supranacional nascem Os Princípios da
OCDE sobre Corporate Governance aprovados em 1999 pela própria OCDE[7] que foram revistos em
2004. Estes princípios assumiram um carácter mundial mesmo não sendo
vinculativos para os Estados que a eles aderiram: o seu objetivo era dar
indicações, fazer recomendações aos Estados para que realizassem mudanças
legislativas tendo em conta o que os princípios recomendavam. Este documento da
OCDE destaca-se por afirmar que as suas recomendações também são dirigidas aos
particulares tendo os Princípios sido realizados com a colaboração de
particulares[8].
Os Princípios da OCDE, devido á sua repercussão, acabaram por se tornar um
modelo para a criação de Códigos de Governo pelos Estados.
Uma vez que cada Estado
já tinha vários Códigos de governo no seu território, a OCDE já tinha também
publicado os Princípios sobre Corporate Governance, a União Europeia viu
que havia necessidade de criar, pelo menos, alguns padrões de corporate
governance sobre algumas matérias para unificar o que se foi fazendo nesta
área um pouco por toda a União Europeia. Em função disto surge em Junho de 2006
a Diretiva 2006/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Umas das
modificações mais importantes realizadas por esta diretiva foi a inclusão de um
novo artigo, o artigo 46º-A, na Diretiva 78/660/CEE do Conselho, relativa às
contas anuais das Sociedades. Este novo artigo criou a obrigação de as
Sociedades emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado
regulamentado, o colocarem no seu
relatório anual informação sobre o governo da Sociedade. Em Portugal a
transposição da Diretiva 2006/46/CE foi realizada por meio da inserção do
artigo 245º-A no Código de Valores Mobiliários[9].
O Código de Governo Português da CMVM
Portugal não ficou indiferente ao movimento de Corporate
Governance e por mão da CMVM[10] em Outubro de 1999 surge
o primeiro Código de Governo de Sociedades Português que foi precedido de um
período de consulta pública. O primeiro Código foi intitulado pela CMVM de Recomendações
da CMVM sobre o Governo das Sociedades Cotadas e admitiam, ab initio, o seu
carácter complementar relativamente á Lei e previam também futuras modificações
do seu conteúdo (foram realizadas modificações em 2001, 2003, 2005, 2007, 2010
e 2013[11]). A denominação de Código
de Governo de Sociedades surge com as alterações de 2007. Quanto ao seu
âmbito de aplicação, a versão originária das Recomendações indicava que
que se deveriam aplicar às Sociedades emitentes de ações cotadas em bolsa mas
não proibia a sua aplicação a todas as outras. Atualmente a situação mantem-se,
contudo, não podemos esquecer que estas normas são complementares do artigo
245º-A do código de Valores mobiliários e têm que se coadunar com este.
A escolha do Código
Quando decide que vai aplicar um Código de Governo,
a Sociedade tem primeiro que escolher que Código quer aplicar dos que
existirem, e aqui podem existir códigos criados por entidades privadas ou
públicas e pode ainda a Sociedade criar o seu próprio sendo que neste último
caso a tendência é utilizar um existente (de origem privada ou pública) fazendo
algumas alterações.
Em Portugal, até às
modificações implementadas pelo Decreto-Lei nº185/2009 no artigo 245º-A do
código de Valores imobiliários, o Código utilizado em Portugal era o da CMVM:
com a nova alínea o) do nº1 deste artigo as sociedades que não estão obrigadas
por disposição legal ou regulamentar, podem, voluntariamente, aplicar um Código
de Governo. Perante esta abertura, pelo menos o Instituto Português de Corporate
Governance (IPCG) iniciou trabalhos para apresentação de um Código (que
viria a ser publicado em 2012). Em 2010 a CMVM realizou alterações no Código de
Governo e adotou o Regulamento nº1/2010 que abre a possibilidade de escolha de
código pelas Sociedades Cotadas. Contudo, cria um conjunto de exigências para a
escolha desse outro Código que limita a abertura realizada pois para respeitar todos essas exigências o Código seria
nada mais do que uma cópia do Código da CMVM[12].
Um exemplo diferente do nosso é o do Reino Unido
onde há uma predominância do UK Corporate Governance Code (consolidação
dos vários documentos que surgiram em função do Relatório Cadbury) mas
em que as próprias sociedades podem aplicar os seus próprios Códigos sem
grandes restrições.
Um problema que surge, principalmente num contexto europeu, é o que decorre
da situação de uma Sociedade estar a interagir com mais do que um país e pode
escolher o Código que aplica decidindo aplicar normas de vários; ou até num
mesmo Estado, como pode escolher e há diversidade de códigos, uma sociedade
decide que quer aplicar recomendações de vários. O code shopping (ou cherry
picking)[13]
e que nem sempre se mostra como uma situação favorável, pois embora permita
escolher as melhores recomendações de cada Código, pode tornar-se enganosa para
os investidores confundindo-os na identificação das normas de que códigos se
vão aplicar àquela situação.
O Regime de Comply or Explain – o Non-Compliance
A Regra de Comply or Explain
Atualmente não é possível falar de Códigos de
Governo enquanto instrumento de conformação do comportamento das Sociedades sem
falarmos no mecanismo utilizado para aplicação do Código: o regime de Comply
or Explain. Se traduzíssemos á letra esta expressão resultaria algo como:
“ou ages de acordo com o Código ou explicas/justificas porque não ages desse
modo”[14] Contudo, esta expressão
não está inteiramente correta, nas palavras de Paulo Câmara a formulação mais
correta seria “ (…) disclose if you comply with the code or explain why you
don’t”[15].Assim caracterizaria
corretamente este dever de informação das Sociedades: informa se concordas e
aplicas o Código e se não aplicas, explica porque não aplicas. Podemos assim
concluir que o Regime de comply or explain foi a forma encontrada para
que fosse emitida informação pelas sociedades sobre a aplicação do Código.
Sendo um instrumento de Soft Law e não tendo força vinculativa jurídica,
a sua aplicação nunca seria obrigatória e a sociedade nada dizendo, nada se
saberia sobre a aplicação de Códigos de Governo. Por outro lado, se tomássemos
à letra a expressão e só tivessem que dar a informação justificativa da não
aplicação do código, as Sociedades em que o Código era aplicado nada iriam
comunicar, logo, a formulação mais extensa é a que se apresenta mais correta.
Em relação ao nascimento desta figura, ela nasce no
Reino unido com o “Relatório Cadbury” e o Código de Boa conduta (Code
of Best Practice) que o integrava. O Relatório recomendava às Sociedades
que o aplicavam que, junto com o seu relatório anual, fizessem uma declaração
expressa onde indicassem as recomendações do Relatório que aplicavam e aquelas
que desaplicavam justificando porque as tinham afastado; a “fiscalização” da
aplicação passava para o mercado onde os seus agentes apreciariam as políticas
de Governo da Sociedade. Como não tinha sanções associadas (e continua a não
ter), o Regime do Comply or explain transfere o “poder sancionatório”
para os investidores pois estes é que escolhem quais as sociedades com que
querem celebrar negócios e, como o que pretendem sempre é fazer bons
investimentos, vão escolher as sociedades que lhes dão mais provas de serem
estáveis e rentáveis e que têm um governo mais seguro. Ainda em relação ao
nascimento desta figura, numa das várias alterações que o Relatório Cadbury sofreu,
viria a instituir a obrigação de inclusão da declaração expressa sobre a
aplicação do Código de Governo como pressuposto de admissão para a Bolsa de
Londres.
Como já foi referido, Os
Princípios da OCDE sobre Corporate Governance foram um passo importante na
evolução dos Códigos de Governo, logo, também tiveram importância em relação ao regime de comply or explain.
Consagraram no Princípio V sobre a transparência e divulgação de informação da
Sociedade que as Sociedades devem divulgar as suas estruturas de governo de
sociedades assim como o Código de Governo que aplicam de modo a que essa
informação possa ser consultada e analisada pelos investidores[16].
Quanto à Diretiva 2006/46/CE, esta fez modificações
na Diretiva 78/660/CEE incluindo o artigo 46º-A[17], como já referi, que
criou a obrigação de prestar informação sobre a aplicação de códigos de Governo
devendo indicar quais as partes em que desaplicava o Código que adotava e
justificar essa desaplicação. Como também já indiquei, a transposição da
diretiva 2006/46/CE alterou o Código de Valores Mobiliários inserindo o artigo
245º-A. Quanto a este artigo, ele fez incluir um elenco relativamente extenso
das informações que se devem incluir no relatório anual sobre o Governo de
sociedades sendo que relativamente ao regime de comply or explain são de
maior relevo as alíneas n) e o) do nº1 ao referirem a obrigação de justificar a
não aplicação de preceitos do Código.
Os problemas da aplicação do Comply or Explain
Nenhuma Sociedade é legalmente sancionada por não aplicar um Código de
Governo, essa sanção é deixada aos próprios investidores que, ao não quererem
negociar com aquela sociedade que não aplica as “castiga” optando por negociar
com outras que aplicam códigos de Governo. Contudo, não aplicar um Código ou
não aplicar algumas normas nem sempre é negativo pois perante situações
especiais ou temporárias pode ser mais benéfico desaplicar o código (“one size
does not fit all”[18]). O non-complicance é,
assim, a não aplicação de Códigos de Governo ou apenas de algumas diretrizes
destes, o que por vezes pode ser a melhor decisão para a estabilidade da
sociedade. Contudo, tal só assim será se a sociedade justificar
convenientemente a desaplicação, tal irá elucidar corretamente os investidores
que continuarão a investir mesmo existindo esse incumprimento do Código.
Contudo, esta formulação irá conduzir a bons resultados se as justificações
forem realmente apresentadas tendo em conta os moldes em que foram feitas e se
forem exatas, o que na prática nem sempre acontece. Outro grande problema
deve-se ao facto de saber quem e como se controla a emissão das declarações de
cumprimento dos Códigos de Governo. Do já exposto podemos ver que nem a União
Europeia nem a OCDE formularam alguma recomendação sobre estas questões e são
estes os problemas que o Regime de Comply or explain nos apresenta atualmente,
que, em situações limite, pode retirar todos os benefícios que a aplicação de
um Código de Governo pode trazer.
O Non-Compliance: os problemas das
fundamentações
Quando a Sociedade decide aplicar um Código de
Governo pode fazer a sua declaração de cumprimento de duas formas: pode
informar se cumpre norma por norma do código apresentando uma explicação por
cada norma afastada ou então, faz uma declaração de incumprimento informando
termos mais gerais sobre a aplicação ou não do Código. Em Portugal a declaração
de incumprimento faz-se indicando norma por norma como se pode constatar pelo
Relatório Anual sobre Governo das Sociedades cotadas em Portugal de 2012
realizado pela CMVM sobre a aplicação do seu Código de Governo[19].
Ao analisarmos as duas hipóteses, nenhuma é isenta
de problemas. Ao adotar uma declaração de incumprimento analisando norma por
norma podemos cair no que foi denominado de “ box ticking exercise”[20],
ou seja, as sociedades usam o Código apenas para atrair investimento sem
existir uma efetiva aplicação do mesmo. Não podemos, contudo, indicar as
sociedades como únicas responsáveis, os investidores que podem ou não
“castigar” as Sociedades têm que analisar com mais detalhe a sociedade sem ser
apenas para ver se “colocou as cruzes” em todas as normas do código ou não. Ao
mesmo tempo que cria esta possibilidade, o incumprimento apresentado norma por
norma leva, ainda, a que haja uma menor preocupação em apresentar bons
fundamentos para as normas que afastam explicando a situação especial da
Sociedade; ao ter que apresentar várias explicações, a sociedade acaba por
diminuir a qualidade destas. Por outro lado, uma declaração de incumprimento em
termos gerais faz com que a tarefa dos investidores de análise dos fundamentos
que levam ao afastamento se torne mais difícil pois a justificação pode não
abranger todas as situações em que houve desvio, pode haver uma justificação
cuja conexão com o respetivo desvio seja dificil de decifrar. Merece nota o
facto de que as justificações apresentadas pelas sociedades que fazem os relatórios
de incumprimento dando informação mais geral são de melhor qualidade do que as
apresentadas por sociedades como as portuguesas com base numa análise norma por
norma, segundo estudos que se têm realizado nos últimos anos[21].
Quanto à qualidade das
explicações surgem problemas que merecem destaque: as Sociedades dizem que não
aplicam certa recomendação do Código porque versa sobre matérias que não lhe
são aplicáveis quando o eram ou então faz o inverso, diz que aplica todo o
Código quando certas recomendações não se lhe são aplicáveis devido a fatores
como a sua estrutura de administração e fiscalização. Temos ainda o problema
das justificações completamente vazias de conteúdo ou então a ausência de
qualquer explicação, o que na prática conduz sempre á
falta de justificação. Mais uma vez é de enorme importância o papel dos
investidores que são os agentes de mercado mais interessados nestas
justificações; tem de partir deles grande parte da pressão sobre as sociedades
para que adotem os Códigos convenientemente e justifiquem os seus afastamentos
dizendo inclusive que medidas vão tomar em vez das que tomariam se tivessem
seguido o Código. Para de certa forma incentivar a prática pelas Sociedade a
apresentaram boas justificações, no seu último relatório sobre Corporate
Governance, a CMVM equiparou a não adoção de certa recomendação acompanhada de
uma boa justificação, a uma recomendação cumprida. Afirmaram ainda a ideia de
que, em certos casos, o afastamento daquela recomendação e aplicação de uma
outra solução seria muito mais benéfico para a sociedade do que a aplicação, sem
mais, do Código de Governo cuja aplicação afastam[22].
Sem retirar importância aos investidores, tendo em
conta os novos desafios económicos que a crise financeira atual trouxe, nasceu
a exigência, no âmbito europeu, de haver uma fiscalização maior da aplicação do
Regime de comply or explain: criou-se a ideia que é necessário existir
alguma entidade interna ou pública a analisar as informações que as Sociedades
expõem[23].
O sistema de fiscalização em Portugal: um modelo a
adotar pela União Europeia?
Em Portugal existe, desde 2001, uma fiscalização
das declarações de cumprimento que as Sociedades emitem, a CMVM analisa-as e
publica um Relatório anual apresentando os resultados de forma comparativa.
Podemos falar de uma dupla fiscalização: se por uma lado temos os investidores
a avaliar a qualidade das declarações de cumprimento e das justificações
apresentadas sobre o Governo de sociedades e a decidir com base nisso com quem
realizam negócios, por outro lado temos a CMVM a analisar as declarações
emitidas pelas Sociedades e a publicar toda essa informação num relatório que é
público, não analisa o mérito da decisão de afastamento a nível empresarial mas
apenas o grau de observância do Código e a qualidade da justificação do sentido
de saber se é suficiente ou não.
O relatório emitido pela
CMVM faz uma análise comparativa entre as Sociedades que estão sujeitas ao seu
Código de Governo e ao tornar pública esta informação, ao apontar quem cumpriu
menos e não justifica, realiza o que tem sido defendido no seio Europeu de “name
and shame”[24]
e que utiliza a pressão social e a má publicidade que este Relatório traz a
quem não cumpre ,e funciona como estímulo para as Sociedades que já cumprem
para continuar a cumprir. Este tipo de fiscalização pública tem que ser entendida
tendo em conta o próprio nascimento dos Códigos de
Governo em Portugal, eles nascem por meio da CMVM e até à relativamente pouco
tempo só o Código da CMVM é que existia e era aplicado[25] ou usado como modelo pela
Sociedades. Apesar de se apresentar como um bom método de fiscalização que a
própria União Europeia indica como modelo a seguir para renovar a confiança da
efetividade do Regime de Comply or explain, na prática este sistema está
a falhar em Portugal devido aos atrasos da apresentação dos Relatórios por
parte da CMVM. A título de exemplo, se fosse um investidor que pretendesse
investir numa empresa portuguesa e recorresse aos Relatórios da CMVM, o último,
que foi editado em 2012, avaliava aos relatórios das sociedades apresentado em
2011 e que hoje pode já não ter qualquer efeito útil. Este desfasamento
temporal faz com que em Portugal um sistema que está, à partida muito bem
pensado, leve a conclusões erradas e injustas pois com uma diferença de 2 anos,
pelo menos, a factualidade subjacente aos dados de 2011 não é a mesma de agora.
Tendo em conta que a aplicação dos Códigos é de grande flexibilidade, uma
sociedade pode ter melhorado o seu desempenhado ou pelo contrário, ter deixado
de aplicar certos preceitos ou ter deixado de justificar no espaço temporal de
um ano. A publicidade dada ao Relatório emitido pela CMVM não será útil podendo
apenas ser usado como instrumento de estudo ou avaliação temporal do
cumprimento das Sociedades, mas para ser instrumento a ser utilizado pelos
investidores não servirá. Ainda de nota o facto de o Código de Governo da CMVM
estar constantemente a ser alterado o que leva a que o Código cujo cumprimento
é avaliado no Relatório da CMVM seja sobre um Código que já não está em vigor
no momento da publicação do Relatório.
Podemos afirmar que, pelo menos em teoria, temos um ótimo sistema de
fiscalização pública do cumprimento do Código de Governo da CMVM pelas
Sociedades. Contudo, na prática não parece ter melhores resultados do que
apenas a fiscalização realizada pela Sociedade em si por meio da sua
administração e acionistas e o controlo feito pelos investidores.
Por Catarina Faria
Dezembro de 2013
[1] Abreu,
Jorge Manuel Coutinho de, Governação das Sociedades Comerciais, Coimbra,
Almedina, 2010 (2ª edição), p.7.
[2] Weil,
Gotshal & Manges, Comparative Study of Corporate Governance Codes
Relevant to the European Union and Its Member States, por iniciativa da
Comissão Europeia, p.1, in
http://ec.europa.eu/internal_market/company/docs/corpgov/corp-gov-codes-rpt-part1_en.pdf,
consultado a 4/12/2013.
[3] AAVV, Código
de Governo das Sociedades Anotado, Coimbra, Almedina, 2012, p.13.
[4] Contudo,
o que se pretende com os Códigos de Governo é que a sanção venha do próprio
mercado, são investidores que devido á não aplicação de um Código de Governo
deixam de realizar negócios com essas sociedades por não lhes transmitirem
segurança.
[5] Esta
possibilidade de serem emitidos por uma entidade privada não foi incluída na
definição dada no estudo encomendado pela Comissão Europeia pois tal estava
fora do âmbito deste.
[6] Abreu,
Jorge Manuel Coutinho de, Governação das Sociedades Comerciais, Coimbra,
Almedina, 2010 (2ª edição), p.12.
[7] OCDE - Organisation
de coopération et de développement économiques (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico)
[8] OECD
Principles of Corporate Governance “(…)extensive consultations were held
with the private sector, labour, civil society and representatives from
non-OECD countries .”, p.4 e quanto à sua aplicação ao sector privado “(…)the
governance system is more likely to avoid over-regulation, support the exercise
of entrepreneurship and limit the risks of damaging conflicts of interest in
both the private sector and in public institutions.” p. 29 in
http://www.oecd.org/daf/ca/corporategovernanceprinciples/31557724.pdf
consultado a 5/12/2013.
[9] Este
artigo, após a sua inserção em 2006 pelo Decreto-Lei nº219/2006 de 2 de
Novembro viria a ser modificado pelo Decreto-Lei nº185/2009 de 12 de
Agosto.
[10] CMVM –
Comissão do Mercado de Valores Imobiliários
[11] As
versões de 2007, 2010 e 2013 podem ser consultadas em http://www.cmvm.pt/cmvm/recomendacao/recomendacoes/Pages/default.aspx.
[12] Artigo
1º do Regulamento nº1/2007 da CMVM in http://www.cmvm.pt/CMVM/Recomendacao/Circulares/Documents/Regulamento12007GovernodasSociedadesCotadasCons200.pdf,
consultado em 7/12/2013.
[13] AAVV, Código
de Governo das Sociedades Anotado, Coimbra, Almedina, 2012, p.13.
[14] Tradução
realizada com recurso a traduções literais de “comply” -
http://www.infopedia.pt/ingles-portugues/comply - e de “explain” -
http://www.infopedia.pt/ingles-portugues/explain.
[15] AAVV, Código
de Governo das Sociedades Anotado, Coimbra, Almedina, 2012, p.30.
[16] Princípio
V A.8) e F) dos Princípios da OCDE sobre Corporate Governance, in
http://www.oecd.org/daf/ca/corporategovernanceprinciples/31557724.pdf ,
consultado a 5/12/2013.
[17] In
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CONSLEG:1978L0660:20120410:PT:PDF
consultada a 5/12/2013.
[18] Padraig
Cronin and Frances Murphy, Slaughter and May, “Corporate Governance for main
Market and Aim Companies”, Reino Unido, London Stock Exchange, 2012, in
http://www.londonstockexchange.com/companies-and-advisors/aim/publications/documents/corpgov.pdf,
consultado a 5/12/2013.
[19] Disponível
in http://www.cmvm.pt/CMVM/Estudos/Em%20Arquivo/Documents/Relat%C3%B3rio%20Anual%20Governo%20Societ%C3%A1rio%202012_vf.pdf.
[20] RisKMetrics
Group, Study on Monitoring and Enforcement Practices in Corporate Governance
in the Member States, estudo da Comissão Europeia 2009 in
http://ec.europa.eu/internal_market/company/docs/ecgforum/studies/comply-or-explain-090923_en.pdf,
p.15.
[21] Idem,
pp.15, 170 e 171.
[22] CMVM,
Relatório Anual sobre Corporate Governance das Sociedades Cotadas em Portugal,2012
in http://www.cmvm.pt/CMVM/Estudos/Em%20Arquivo/Documents/RGS_2012.pdf,
cunsultado a 7/12/2013.
[23] Comissão
Europeia, Green Paper, The EU corporate governance framework, Bruxelas,
2011, in
http://ec.europa.eu/internal_market/company/docs/modern/com2011-164_en.pdf.
[24] RisKMetrics
Group, Study on Monitoring and Enforcement Practices in Corporate Governance
in the Member States, estudo da Comissão Europeia 2009 p.180
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