No presente acórdão em análise, o Tribunal da
Comarca do Porto submeteu ao Tribunal de Justiça da União Europeia, um litígio
que opõe uma Agência de Viagens a um cliente que na sequência de graves
contrariedades durante um período de férias num empreendimento turístico, se
recusou a pagar á Agência o serviço prestado.
Objetivo
das questões
O
Tribunal nacional pretende essencialmente saber se, nos termos da Diretiva
90/314/CEE, o conceito de viagem organizada (com tudo incluído), e que delimita
o âmbito de aplicação da Diretiva, inclui igualmente o conceito de viagens «por
medida».
Enquadramento
Legal
A[1]. Artigo 2º da Diretiva 90/314/CEE
Para os
efeitos da presente diretiva, entende-se por:
1)
Viagem organizada: a combinação prévia de pelo menos dois dos elementos
seguintes, quando seja vendida ou proposta para venda a um preço com tudo
incluído e quando essa prestação exceda vinte e quatro horas ou inclua uma
dormida:
a)
Transporte;
b)
Alojamento;
c)
Outros serviços turísticos não subsidiários do transporte ou do alojamento que
representem uma parte significativa da viagem organizada.
A
faturação separada de diversos elementos de uma mesma viagem organizada não
subtrai o operador ou a agência às obrigações decorrentes da presente diretiva.
2) Operador:
a pessoa que organiza viagens organizadas de forma não ocasional e as vende ou
propõe para venda, diretamente ou por intermédio de uma agência.
3)
Agência: a entidade que vende ou propõe para venda a viagem organizada
elaborada pelo operador.
4) Consumidor:
a pessoa que adquire ou se compromete a adquirir a viagem organizada ('o
contratante principal') ou qualquer pessoa em nome da qual o contratante
principal se compromete a adquirir a viagem organizada ('os outros
beneficiários') ou qualquer pessoa a quem o contratante principal ou um dos
outros beneficiários cede a viagem organizada ('o cessionário').
5)
Contrato: o acordo que liga o consumidor ao operador e/ou à agência.»
Artigo 3º da Diretiva 90/314/CEE
1.
Qualquer descrição de uma viagem organizada comunicada pelo operador ou pela
agência ao consumidor, bem como o respetivo preço e as restantes condições do
contrato não devem conter elementos enganadores.
2. Caso
seja colocada à disposição do consumidor uma brochura, esta deve indicar de forma
legível, clara e precisa o preço e as informações apropriadas relativas aos
seguintes elementos:
a)
Destino, meios, características e categorias de transporte utilizados;
b) Tipo
de alojamento, sua situação, sua categoria ou nível de conforto e suas
características principais, bem como a sua homologação e classificação
turística ao abrigo da regulamentação do Estado-Membro de acolhimento em
questão;
c)
Refeições fornecidas;
d)
Itinerário;
e)
Informações de ordem geral referentes às condições aplicáveis aos cidadãos do
Estado ou dos Estados-Membros em questão em matéria de passaportes e vistos e
formalidades sanitárias necessárias param a viagem e a estadia;
f)
Montante ou percentagem do preço a pagar a título de adiantamento e calendário
para o pagamento do saldo;
g)
Número mínimo de pessoas necessárias para a viagem organizada se realizar e,
nesse caso, data-limite de informação do consumidor em caso de anulação.
As
informações contidas na brochura vinculam o operador ou a agência, com exceção
dos casos em que: a alteração dessas informações tenha sido inequivocamente
comunicada ao consumidor previamente à celebração do contrato; esse facto deve
ser expressamente referido na brochura; surjam posteriormente alterações na
sequência de um acordo entre as partes no contrato.»
Artigo 4° da Diretiva 90/314/CEE
1. a)
Antes da celebração do contrato, o operador e/ou a agência prestarão ao
consumidor, geral por escrito ou sob qualquer outra forma adequada, informações
de ordem geral referentes às condições aplicáveis aos cidadãos do Estado-Membro
ou dos Estados-Membros em questão, em matéria de passaportes e vistos,
nomeadamente quanto aos prazos necessários para a respetiva obtenção, bem como
informações relativas às formalidades sanitárias necessárias para a viagem e a
estadia;
b) Antes
do início da viagem, o operador e/ou a agência devem prestar ao consumidor, em
tempo útil, por escrito ou sob qualquer outra forma adequada, as seguintes informações:
i) Os
horários e os locais de escalas e correspondências, bem como a indicação do
lugar atribuído ao viajante, por exemplo o camarote ou o beliche, se se tratar
de um barco, ou o compartimento de couchettes ou a carruagem-cama, se se tratar
de um comboio;
ii) O
nome, endereço e número de telefone da representação local do operador e/ou da
agência ou, não existindo uma tal representação local, o nome, endereço e
número de telefone das entidades locais que possam assistir o consumidor em
caso de dificuldades.
Quando
essas representações e esses organismos não existirem, o consumidor deve em
todos os casos dispor de um número telefónico de urgência ou de qualquer outra
informação que lhe permita estabelecer contacto com o operador e/ou a agência;
iii) No
caso de viagens e estadias de menores no estrangeiro, informações que permitam
estabelecer um contacto direto com esses menores ou com o responsável local
pela sua estadia;
iv)
Informação sobre a subscrição facultativa de um contrato de seguro que cubra as
despesas de anulação por parte do consumidor ou de um contrato de assistência
que cubra as despesas de repatriamento em caso de acidente ou de doença.
2. Os
Estados-Membros velarão por que sejam respeitados no contrato os seguintes
princípios:
a)
Consoante o tipo de viagem organizada em questão, o contrato incluirá pelo
menos as cláusulas constantes do anexo;
b) Todas
as cláusulas do contrato devem ser consignadas por escrito ou sob qualquer
outra forma que seja compreensível e acessível para o consumidor e devem
ser-lhe comunicadas antes da conclusão do contrato; o consumidor receberá uma
cópia do mesmo;
c) O
disposto na alínea b) não deve impedir a celebração tardia ou 'à última hora'
de reservas ou de contratos.
3. Caso
se veja impedido de participar na viagem organizada, o consumidor pode ceder a
sua reserva a uma pessoa que preencha todas as condições requeridas para a
viagem organizada, após ter comunicado o facto ao operador ou à agência num
prazo razoável antes da data de partida. A pessoa que cede a sua viagem
organizada e o cessionário são solidariamente responsáveis, perante o operador
ou a agência que sejam partes no contrato, pelo pagamento do saldo do preço,
bem como pelos eventuais custos adicionais ocasionados pela referida cessão.
4. a) Os
preços estabelecidos pelo contrato não são suscetíveis de revisão, exceto se o
contrato previr expressamente a possibilidade de revisão, tanto no sentido da
alta como no da baixa, e determinar as regras precisas de cálculo, unicamente
para ter em conta variações:
- do
custo dos transportes, incluindo o custo do combustível,
- dos
direitos, impostos ou taxas cobráveis sobre determinados serviços, tais como
taxas de aterragem, de desembarque ou de embarque nos portos e aeroportos,
- das
taxas de câmbio aplicadas à viagem organizada em questão;
b) Nos
vinte dias que precedem a data de partida prevista, o preço fixado no contrato
não pode ser aumentado.
B[2]. Regulamentação
Nacional
Artigo
17.º
Noção e
espécies
1 - São
viagens turísticas as que combinem dois dos serviços seguintes:
a)
Transporte;
b)
Alojamento;
c)
Serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento.
2 - São
viagens organizadas as viagens turísticas que, combinando previamente dois dos
serviços seguintes, sejam vendidas ou propostas para venda a um preço com tudo
incluído, quando excedam vinte e quatro horas ou incluam uma dormida:
a)
Transporte;
b)
Alojamento;
c)
Serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento,
nomeadamente os relacionados com eventos
desportivos, religiosos e culturais, desde que representem uma parte significativa da viagem.
3 - São
viagens por medida as viagens turísticas preparadas a pedido do cliente para
satisfação das solicitações por este definidas.
4 - Não
são havidas como viagens turísticas aquelas em que a agência se limita a
intervir como mera intermediária em vendas ou reservas de serviços avulsos
solicitados pelo cliente.
5 - A
eventual faturação separada dos diversos elementos de uma viagem organizada não
prejudica a sua qualificação legal nem a aplicação do respetivo regime.
Factos/Tramitação
Alberto
Carlos Lobo Gonçalves Garrido (Garrido) comprou à Sociedade Club-Tour e Turismo
SA, uma viagem, para a Grécia, que incluía bilhetes de avião e o alojamento por
duas semanas.
Por seu
lado, a Club-Tour contratualizou/comprou o alojamento de Garrido com a Club
Med, que tratou das reservas e estipulou o preço com tudo incluído.
Ora,
aquando da chegada da família Garrido ao empreendimento, deparou-se com enormes
problemas no seu alojamento, problemas esses que os impossibilitaram gozar as
suas férias plenamente, e apesar de terem solicitado a troca de espaço, tal
pedido não foi satisfeito.
Neste
sentido, e pelos problemas ocorridos Garrido recusou-se a pagar o preço
acordado com a Club-Tour, que no seguimento deste episódio, intentou uma ação
civil contra Garrido para condenação a pagamento da devida importância,
baseando a sua pretensão no Artigo 2º nº 1 da Diretiva, anteriormente
apresentada
Posto
isto, e tendo por base a presente diretiva que tem por objetivo proteger o
consumidor de Serviços Turísticos, o Tribunal da Comarca do Porto submeteu ao
TJEU as seguintes questões prejudiciais:
1. “ As
viagens organizadas pela agência, a pedido e por iniciativa do consumidor ou de
um grupo restrito de consumidores em conformidade com as suas solicitações, que
incluam transporte e alojamento em empreendimento turístico, por um preço com
tudo incluído, excedendo vinte e quatro horas ou inclua uma dormida, são abrangidas
pelo âmbito de aplicação da noção prevista no artigo 2.° n.º 1, da diretiva
comunitária sobre 'viagens organizadas'?”
2. “A
expressão 'combinação prévia' constante dessa norma poderá ser interpretada
referindo-se ao momento em que o contrato é celebrado entre a agência e o
cliente?”
Análise
Primeira
questão prejudicial
Com esta
primeira questão o Juiz português tenta esclarecer se no âmbito do artigo 2º
nº1 da Diretiva, o conceito de viagem organizada (com tudo incluído) e se, este
último, engloba igualmente as viagens organizadas «por medida».
Neste
sentido, constatou-se que na disposição em causa a noção de viagem com «tudo
incluído» nada indica que as viagens «por medida» devam ser excluídas do âmbito
desta disposição, ou que mereça tratamento diferente relativamente à disposição
em geral. Assim, nos termos do artigo 2º nº 1 da Diretiva, para que uma
prestação possa ser qualificada como «com tudo incluído» é suficiente que a
combinação dos serviços turísticos vendida por uma agência de viagens por um
preço de tudo incluído preencha ou cumpra dois ou três tipos de prestações,
presentes na Diretiva ou disposição, e que caracterizam a referida prestação
(transporte, alojamento e outros serviços turísticos não subsidiários ao
transporte ou do alojamento que representam um aparte significativa da viagem
organizada («com tudo incluído»), ou que essa prestação ultrapasse as vinte e
quatro horas ou inclua uma dormida. Pelo contrário, a Diretiva não exige que a
prestação resulte de uma proposta da agência ao cliente, nem que corresponda, à
parte os aspetos indicados, num esquema rígido da própria prestação.
Segunda
questão prejudicial
Relativamente
à presente questão e com base na resposta à questão anterior deve-se considerar
como afirmativa, ou seja, a expressão «combinação prévia», pode ser
interpretada referindo-se ao momento em que o contrato é celebrado entre a
agência e o cliente, pois a partir do momento em que se conclui que o conceito
de viagem organizada («com tudo incluído») inclui as viagens «por medida», uma
resposta contrária a esta não faria sentido.
Conclusão
Por fim,
acerca destas questões, conclui-o o Tribunal de Justiça da União Europeia que:
1. “As
viagens organizadas pela agência, a pedido e por iniciativa do consumidor ou de
um grupo restrito de consumidores em conformidade com as suas exigências
específicas, que incluam transporte e alojamento num empreendimento turístico,
por um preço global com tudo incluído, excedendo vinte e quatro horas ou
incluindo uma dormida, são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 2° n.º
1, da Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1990, relativa às
viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados.”
2. “A
expressão 'combinação prévia', constante do artigo 2° n.º 1, da Diretiva
90/314, pode ser interpretada referindo-se ao momento em que o contrato é
celebrado entre a agência e o cliente.”
Na minha
opinião, pessoal e em relação ao caso em análise, a Diretiva 90/314/CEE
parece-me ser bastante clara e elucidativa quanto ao seu objeto e fins que
pretende regulamente. Visto que, todos os requisitos de aplicação da Diretiva
se encontram preenchidos as conclusões do TJUE fazem todo sentido.
Enfim e
ainda a respeito deste assunto, em relação ao caso concreto, sou da opinião que
A. C. Garrido deverá ter uma atenuação no preço final da viagem, pelos
problemas e danos que lhe foram causados, não sendo justo pagar a totalidade da
viagem, pois não pode usufruir a cem por cento a viagem que tinha comprado.
Por Pedro Pinheiro
Junho de 2012
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