terça-feira, 11 de novembro de 2014

Análise ao Acórdão Club-Tour do TJUE






No presente acórdão em análise, o Tribunal da Comarca do Porto submeteu ao Tribunal de Justiça da União Europeia, um litígio que opõe uma Agência de Viagens a um cliente que na sequência de graves contrariedades durante um período de férias num empreendimento turístico, se recusou a pagar á Agência o serviço prestado.

Objetivo das questões
O Tribunal nacional pretende essencialmente saber se, nos termos da Diretiva 90/314/CEE, o conceito de viagem organizada (com tudo incluído), e que delimita o âmbito de aplicação da Diretiva, inclui igualmente o conceito de viagens «por medida».

Enquadramento Legal
A[1].  Artigo 2º da Diretiva 90/314/CEE
Para os efeitos da presente diretiva, entende-se por:
1) Viagem organizada: a combinação prévia de pelo menos dois dos elementos seguintes, quando seja vendida ou proposta para venda a um preço com tudo incluído e quando essa prestação exceda vinte e quatro horas ou inclua uma dormida:
a) Transporte;
b) Alojamento;
c) Outros serviços turísticos não subsidiários do transporte ou do alojamento que representem uma parte significativa da viagem organizada.
 A faturação separada de diversos elementos de uma mesma viagem organizada não subtrai o operador ou a agência às obrigações decorrentes da presente diretiva.

2) Operador: a pessoa que organiza viagens organizadas de forma não ocasional e as vende ou propõe para venda, diretamente ou por intermédio de uma agência.
3) Agência: a entidade que vende ou propõe para venda a viagem organizada elaborada pelo operador.
4) Consumidor: a pessoa que adquire ou se compromete a adquirir a viagem organizada ('o contratante principal') ou qualquer pessoa em nome da qual o contratante principal se compromete a adquirir a viagem organizada ('os outros beneficiários') ou qualquer pessoa a quem o contratante principal ou um dos outros beneficiários cede a viagem organizada ('o cessionário').
5) Contrato: o acordo que liga o consumidor ao operador e/ou à agência.»

Artigo 3º da Diretiva 90/314/CEE
1. Qualquer descrição de uma viagem organizada comunicada pelo operador ou pela agência ao consumidor, bem como o respetivo preço e as restantes condições do contrato não devem conter elementos enganadores.
2. Caso seja colocada à disposição do consumidor uma brochura, esta deve indicar de forma legível, clara e precisa o preço e as informações apropriadas relativas aos seguintes elementos:
a) Destino, meios, características e categorias de transporte utilizados;
b) Tipo de alojamento, sua situação, sua categoria ou nível de conforto e suas características principais, bem como a sua homologação e classificação turística ao abrigo da regulamentação do Estado-Membro de acolhimento em questão;
c) Refeições fornecidas;
d) Itinerário;
e) Informações de ordem geral referentes às condições aplicáveis aos cidadãos do Estado ou dos Estados-Membros em questão em matéria de passaportes e vistos e formalidades sanitárias necessárias param a viagem e a estadia;
f) Montante ou percentagem do preço a pagar a título de adiantamento e calendário para o pagamento do saldo;
g) Número mínimo de pessoas necessárias para a viagem organizada se realizar e, nesse caso, data-limite de informação do consumidor em caso de anulação.

As informações contidas na brochura vinculam o operador ou a agência, com exceção dos casos em que: a alteração dessas informações tenha sido inequivocamente comunicada ao consumidor previamente à celebração do contrato; esse facto deve ser expressamente referido na brochura; surjam posteriormente alterações na sequência de um acordo entre as partes no contrato.»

Artigo 4° da Diretiva 90/314/CEE
1. a) Antes da celebração do contrato, o operador e/ou a agência prestarão ao consumidor, geral por escrito ou sob qualquer outra forma adequada, informações de ordem geral referentes às condições aplicáveis aos cidadãos do Estado-Membro ou dos Estados-Membros em questão, em matéria de passaportes e vistos, nomeadamente quanto aos prazos necessários para a respetiva obtenção, bem como informações relativas às formalidades sanitárias necessárias para a viagem e a estadia;
b) Antes do início da viagem, o operador e/ou a agência devem prestar ao consumidor, em tempo útil, por escrito ou sob qualquer outra forma adequada, as seguintes informações:
i) Os horários e os locais de escalas e correspondências, bem como a indicação do lugar atribuído ao viajante, por exemplo o camarote ou o beliche, se se tratar de um barco, ou o compartimento de couchettes ou a carruagem-cama, se se tratar de um comboio;
ii) O nome, endereço e número de telefone da representação local do operador e/ou da agência ou, não existindo uma tal representação local, o nome, endereço e número de telefone das entidades locais que possam assistir o consumidor em caso de dificuldades.
Quando essas representações e esses organismos não existirem, o consumidor deve em todos os casos dispor de um número telefónico de urgência ou de qualquer outra informação que lhe permita estabelecer contacto com o operador e/ou a agência;
iii) No caso de viagens e estadias de menores no estrangeiro, informações que permitam estabelecer um contacto direto com esses menores ou com o responsável local pela sua estadia;
iv) Informação sobre a subscrição facultativa de um contrato de seguro que cubra as despesas de anulação por parte do consumidor ou de um contrato de assistência que cubra as despesas de repatriamento em caso de acidente ou de doença.

2. Os Estados-Membros velarão por que sejam respeitados no contrato os seguintes princípios:
a) Consoante o tipo de viagem organizada em questão, o contrato incluirá pelo menos as cláusulas constantes do anexo;
b) Todas as cláusulas do contrato devem ser consignadas por escrito ou sob qualquer outra forma que seja compreensível e acessível para o consumidor e devem ser-lhe comunicadas antes da conclusão do contrato; o consumidor receberá uma cópia do mesmo;
c) O disposto na alínea b) não deve impedir a celebração tardia ou 'à última hora' de reservas ou de contratos.
3. Caso se veja impedido de participar na viagem organizada, o consumidor pode ceder a sua reserva a uma pessoa que preencha todas as condições requeridas para a viagem organizada, após ter comunicado o facto ao operador ou à agência num prazo razoável antes da data de partida. A pessoa que cede a sua viagem organizada e o cessionário são solidariamente responsáveis, perante o operador ou a agência que sejam partes no contrato, pelo pagamento do saldo do preço, bem como pelos eventuais custos adicionais ocasionados pela referida cessão.
4. a) Os preços estabelecidos pelo contrato não são suscetíveis de revisão, exceto se o contrato previr expressamente a possibilidade de revisão, tanto no sentido da alta como no da baixa, e determinar as regras precisas de cálculo, unicamente para ter em conta variações:
- do custo dos transportes, incluindo o custo do combustível,
- dos direitos, impostos ou taxas cobráveis sobre determinados serviços, tais como taxas de aterragem, de desembarque ou de embarque nos portos e aeroportos,
- das taxas de câmbio aplicadas à viagem organizada em questão;
b) Nos vinte dias que precedem a data de partida prevista, o preço fixado no contrato não pode ser aumentado.

B[2]. Regulamentação Nacional
Artigo 17.º
Noção e espécies
1 - São viagens turísticas as que combinem dois dos serviços seguintes:
a) Transporte;
b) Alojamento;
c) Serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento.
2 - São viagens organizadas as viagens turísticas que, combinando previamente dois dos serviços seguintes, sejam vendidas ou propostas para venda a um preço com tudo incluído, quando excedam vinte e quatro horas ou incluam uma dormida:
a) Transporte;
b) Alojamento;
c) Serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento, nomeadamente os  relacionados com eventos desportivos, religiosos e culturais, desde que representem  uma parte significativa da viagem.
3 - São viagens por medida as viagens turísticas preparadas a pedido do cliente para satisfação das solicitações por este definidas.
4 - Não são havidas como viagens turísticas aquelas em que a agência se limita a intervir como mera intermediária em vendas ou reservas de serviços avulsos solicitados pelo cliente.
5 - A eventual faturação separada dos diversos elementos de uma viagem organizada não prejudica a sua qualificação legal nem a aplicação do respetivo regime.

Factos/Tramitação
Alberto Carlos Lobo Gonçalves Garrido (Garrido) comprou à Sociedade Club-Tour e Turismo SA, uma viagem, para a Grécia, que incluía bilhetes de avião e o alojamento por duas semanas.

Por seu lado, a Club-Tour contratualizou/comprou o alojamento de Garrido com a Club Med, que tratou das reservas e estipulou o preço com tudo incluído.

Ora, aquando da chegada da família Garrido ao empreendimento, deparou-se com enormes problemas no seu alojamento, problemas esses que os impossibilitaram gozar as suas férias plenamente, e apesar de terem solicitado a troca de espaço, tal pedido não foi satisfeito.

Neste sentido, e pelos problemas ocorridos Garrido recusou-se a pagar o preço acordado com a Club-Tour, que no seguimento deste episódio, intentou uma ação civil contra Garrido para condenação a pagamento da devida importância, baseando a sua pretensão no Artigo 2º nº 1 da Diretiva, anteriormente apresentada

Posto isto, e tendo por base a presente diretiva que tem por objetivo proteger o consumidor de Serviços Turísticos, o Tribunal da Comarca do Porto submeteu ao TJEU as seguintes questões prejudiciais:
1. “ As viagens organizadas pela agência, a pedido e por iniciativa do consumidor ou de um grupo restrito de consumidores em conformidade com as suas solicitações, que incluam transporte e alojamento em empreendimento turístico, por um preço com tudo incluído, excedendo vinte e quatro horas ou inclua uma dormida, são abrangidas pelo âmbito de aplicação da noção prevista no artigo 2.° n.º 1, da diretiva comunitária sobre 'viagens organizadas'?”

2. “A expressão 'combinação prévia' constante dessa norma poderá ser interpretada referindo-se ao momento em que o contrato é celebrado entre a agência e o cliente?”

Análise
Primeira questão prejudicial
Com esta primeira questão o Juiz português tenta esclarecer se no âmbito do artigo 2º nº1 da Diretiva, o conceito de viagem organizada (com tudo incluído) e se, este último, engloba igualmente as viagens organizadas «por medida».

Neste sentido, constatou-se que na disposição em causa a noção de viagem com «tudo incluído» nada indica que as viagens «por medida» devam ser excluídas do âmbito desta disposição, ou que mereça tratamento diferente relativamente à disposição em geral. Assim, nos termos do artigo 2º nº 1 da Diretiva, para que uma prestação possa ser qualificada como «com tudo incluído» é suficiente que a combinação dos serviços turísticos vendida por uma agência de viagens por um preço de tudo incluído preencha ou cumpra dois ou três tipos de prestações, presentes na Diretiva ou disposição, e que caracterizam a referida prestação (transporte, alojamento e outros serviços turísticos não subsidiários ao transporte ou do alojamento que representam um aparte significativa da viagem organizada («com tudo incluído»), ou que essa prestação ultrapasse as vinte e quatro horas ou inclua uma dormida. Pelo contrário, a Diretiva não exige que a prestação resulte de uma proposta da agência ao cliente, nem que corresponda, à parte os aspetos indicados, num esquema rígido da própria prestação.

Segunda questão prejudicial
Relativamente à presente questão e com base na resposta à questão anterior deve-se considerar como afirmativa, ou seja, a expressão «combinação prévia», pode ser interpretada referindo-se ao momento em que o contrato é celebrado entre a agência e o cliente, pois a partir do momento em que se conclui que o conceito de viagem organizada («com tudo incluído») inclui as viagens «por medida», uma resposta contrária a esta não faria sentido.

Conclusão
Por fim, acerca destas questões, conclui-o o Tribunal de Justiça da União Europeia que:
1. “As viagens organizadas pela agência, a pedido e por iniciativa do consumidor ou de um grupo restrito de consumidores em conformidade com as suas exigências específicas, que incluam transporte e alojamento num empreendimento turístico, por um preço global com tudo incluído, excedendo vinte e quatro horas ou incluindo uma dormida, são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 2° n.º 1, da Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados.”
2. “A expressão 'combinação prévia', constante do artigo 2° n.º 1, da Diretiva 90/314, pode ser interpretada referindo-se ao momento em que o contrato é celebrado entre a agência e o cliente.”

Na minha opinião, pessoal e em relação ao caso em análise, a Diretiva 90/314/CEE parece-me ser bastante clara e elucidativa quanto ao seu objeto e fins que pretende regulamente. Visto que, todos os requisitos de aplicação da Diretiva se encontram preenchidos as conclusões do TJUE fazem todo sentido.
Enfim e ainda a respeito deste assunto, em relação ao caso concreto, sou da opinião que A. C. Garrido deverá ter uma atenuação no preço final da viagem, pelos problemas e danos que lhe foram causados, não sendo justo pagar a totalidade da viagem, pois não pode usufruir a cem por cento a viagem que tinha comprado.

Por Pedro Pinheiro


Junho de 2012



[1] 1 Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens
organizadas, férias organizadas e circuitos organizados

[2] Decreto-Lei n.º 209/97, de 13 de Agosto de 1997 que regula o acesso e o exercício da atividade das agências de viagens e turismo 



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