Com data de 26 de Janeiro de 2010, o Tribunal de
Justiça (Grande Secção) emitiu a sua sentença para o Processo C-118/2008 que opunha
a Transportes Urbanos y Servicios Generales SAL contra a Administración del
Estado.
Este processo tinha por objeto uma decisão
prejudicial, por parte do Supremo Tribunal Espanhol, acerca da violação por um
Estado-membro dos direitos conferidos aos particulares pelo direito comunitário
e ainda a obrigação de reparar o prejuízo, ato contrário á Constituição de um
Estado-Membro e ato contrário ao direito da União Europeia.
Factos e
Tramitação
No presente caso, coloca-se em questão o facto de
submeter uma ação fundada em responsabilidade do Estado a diferentes
modalidades processuais, no caso de essa ação ter por base a violação
legislativa de um norma comunitária ou de uma disposição constitucional, sendo
conforme com os princípios comunitários da equivalência e da efetividade.
Assim, a questão em análise foi remetida pela Seção
de Contencioso Administrativo do Tribunal Supremo Espanhol, no decorrer de um
litígio que opõe a Sociedade Transportes Generales SAL à Administration del
Estado, tendo sido julgado improcedente a ação fundada em responsabilidade
proposta contra o Estado espanhol por violação legislativa do direito
comunitário.
Porém, o litígio teve origem numa lei espanhola, que
limitava o direito de um sujeito passivo deduzir o IVA, relativo á compra de
bens ou de serviços financeiros através de subvenções e obrigava a apresentar
declarações periódicas, nas quais devia calcular os montantes de IVA
repercutidos e suportados, procedendo ao mesmo tempo ao pagamento do saldo
(autoliquidações), podendo no entanto, pedir retificação das autoliquidações e
exigir o reembolso dos pagamentos não devidos, dentro do prazo de quatro anos.
Ora, a referida Lei Espanhola foi declara
incompatível com os artigos 17º e 19º da Sexta Diretiva 77/388/CEE[1]
e, assim sendo, a Transportes Generales SAL que tinha efetuado autoliquidações,
ao abrigo da lei espanhola, respeitantes aos exercícios de 1999 e 2000 e cujo
direito já tinha prescrito no momento da prolação do acórdão Comissão/Espanha,
veio apresentar um pedido destinado a obter a indeminização do prejuízo sofrido,
bem como o reembolso dos montantes a que poderia ter direito nos presentes anos
de exercício.
Visto isto, o Conselho de Ministros Espanhol
indeferiu o pedido, com base em dois acórdãos do Tribunal Supremo, dos quais
resulta que “as ações fundadas em responsabilidade do Estado por violação do
direito comunitário estão sujeitas a uma regra de esgotamento prévio das vias
de recurso, administrativas e judiciais, contra o ato administrativo lesivo,
adotado em aplicação de uma lei nacional pretensamente contrária ao direito
comunitário, e baseando-se ainda, na falta de impugnação no prazo fixado de
quatro anos.
Após isto, a recorrente interpôs recurso da decisão
do Conselho de Ministros no Tribunal Supremo, que indeferiu o seu pedido de
indeminização, e reenviou para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) a
título prejudicial, a seguinte questão:
“É contrário aos princípios da equivalência e da
efetividade o facto de o Tribunal Supremo do Reino de Espanha, nos acórdãos de
29 de Janeiro de 2004 e de 24 de Maio de 2005, aplicar a ações fundadas em
responsabilidade do patrimonial do Estado legislador, baseadas em atos
administrativos adotados ao abrigo de uma lei declarada inconstitucional, uma
disciplina diferente da que reserva a ações baseadas em atos adotados ao abrigo
de uma norma declarada contrária ao direito comunitário?” .
Análise
Admissibilidade
da questão prejudicial
Contrariamente aquilo que o Governo espanhol
sustenta, a respeito da questão prejudicial e que efetivamente não colhe razão,
não existe nenhum limite quanto á natureza das normas nacionais que podem ser
indiretamente postas em causa no âmbito de um reenvio prejudicial destinado a
obter a interpretação do direito comunitário podendo estas serem,
perfeitamente, de origem jurisdicional.
Enfim, cabe unicamente ao juiz nacional, e que
conhece o processo, apreciar a necessidade de uma decisão prejudicial, tal como
as suas questões ao TJUE, sendo que caso esteja em causa interpretação do
direito comunitário o Tribunal é obrigado a pronunciar-se.
Assim, como o Tribunal Supremo considera necessária
a decisão prejudicial, para poder proferir a sua decisão está é, obviamente,
admissível.
Principio
da efetividade
O princípio da efetividade do Direito da União
Europeia “postula que as autoridades nacionais devem garantir o efeito útil das
disposições europeias”[2]
sendo, portanto, um principio corolário do princípio da lealdade.
Visto isto, e no presente caso, o facto de submeter
a ação fundada em responsabilidade do Estado por violação do direito
comunitário ao esgotamento prévio das vias de recurso, administrativas e
judiciais, contra o ato administrativo na origem prejuízo, adotado com
fundamento na lei contrário ao direito comunitário, não infringe o principio da
efetividade da proteção jurisdicional, pois a jurisprudência em causa do
Tribunal Supremo é sustentada pelo facto de que a pessoa lesada poderia ter
obtido a reparação da totalidade do prejuízo invocado se tivesse contestado em
tempo útil a validade do ato que está na origem do prejuízo.
Portanto, a Transportes Generales SAL poderia ter
pedido, como a legislação espanhola lhe permitia, no prazo de quatro anos a
retificação das suas autoliquidações relativo as aos exercícios de 1999 e 2000 e
o reembolso dos pagamentos indevidos de IVA efetuados, e que acabou por não o
fazer. Perante isto, a recorrente principal condiciona a admissibilidade da
ação fundada em responsabilidade do Estado legislador por violação do direito
comunitário à impugnação prévia do ato administrativo na origem do prejuízo
levando, com fundamento na lei contrária ao direito comunitário, o Tribunal
Supremo limitar-se a submeter ação fundada em responsabilidade ao exercício de
repetição do indevido a que a recorrente no processo principal dispunha.
Em suma, o prazo de quatro anos previsto na
legislação espanhola respeita o princípio a efetividade.
Princípio
da equivalência
Este princípio “postula que as autoridades nacionais
devem assegurar que as pretensões decorrentes do direito da União Europeia
resultam tão protegidas quanto as pretensões decorrentes do direito nacional –
o que amplia consideravelmente os poderes do juiz, pois se o direito nacional
não oferece recurso efetivo ao particular, o juiz o deve criar”[3].
Desta forma, coloca-se a questão se as diferentes
modalidades processuais, a que o direito espanhol submete a ação fundada em
responsabilidade do Estado legislador, caso esta viole o direito comunitário ou
resulte de inobservância da constituição, não infringem o princípio da
equivalência.
É certo, que o requisito do esgotamento prévio das
vias de recurso contra o ato lesivo da Administração adotado em aplicação da
lei apenas se encontra previsto para as ações fundadas em responsabilidade do
Estado por violação do direito comunitário, e não para as ações baseadas em
violação legislativa da constituição.
No entanto, para que se aplique o princípio da
equivalência, é necessário que as duas ações sejam parecidas sendo, assim,
necessário compará-las do ponto de vista do seu objeto, da sua causa de pedir e
dos seus elementos essenciais. Ora, visto que as duas ações partilham o mesmo
objeto (indeminização do prejuízo) e da mesma causa de pedir (ilicitude do
comportamento lesivo), deve-se determinar se a ação fundada em responsabilidade
do Estado por violação legislativa do direito comunitário difere, nos seus
elementos essenciais, da ação fundada em responsabilidade do Estado por
inobservância da Constituição pela lei, a ponto de justificar o diferente
tratamento processual que é aplicado pela lei espanhola.
Assim, para justificar esta diferença de tratamento
processual entre as duas ações, o órgão jurisdicional de reenvio considera que
para o litigante, é mais difícil pôr em causa a constitucionalidade de uma lei
do que a sua compatibilidade com o direito comunitário.
É verdade, na jurisprudência que os efeitos de um
acórdão prejudicial de interpretação são, em princípio, retroativos tendo em
conta a natureza declarativa: a interpretação de uma norma comunitária dada
pelo Tribunal de Justiça clarifica, precisa o significado e o alcance da
referida norma tal como esta deveria ter sido entendida e aplicada a partir da
sua entrada em vigor, pelo que essa interpretação retroage à data da entrada em
vigor da norma interpretada, e ao ser interpretada desse modo, deve ser
aplicada mesmo em relações jurídicas nascidas e constituídas antes de ter sido
proferido o acórdão do Tribunal de Justiça.
Concomitantemente, mas por seu lado, relativamente
aos efeitos dos acórdãos do Tribunal Constitucional que declaram uma lei como
inconstitucional implica a nulidade da mesma, ou seja, o seu desaparecimento
externo.
Consequentemente, não existe diferença clara entre
os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de uma lei nacional pelo
Tribunal Constitucional Espanhol e os acórdãos prejudiciais de interpretação do
Tribunal de Justiça.
Paradoxalmente,
o Tribunal Supremo considera ainda que a impugnação do ato lesivo seria mais
frágil quando este tivesse sido adotado em aplicação de uma lei contrária ao
direito comunitário, do que quando tivesse sido adotado com fundamento numa lei
inconstitucional, está ligada a uma presunção de constitucionalidade de que a
lei espanhola goza.
Em suma,
na realidade, é apenas perante a Administração que a proteção contra a lei
incompatível com o direito comunitário é incontestavelmente mais forte do que a
proteção contra a lei inconstitucional.
Contudo,
e de forma, a não ser violado o princípio da equivalência, essa diferença não é
tal que justifique que a ação fundada em responsabilidade do Estado por
violação legislativa do direito comunitário dependa do esgotamento prévio de
todas as vias de recurso, contra o ato administrativo adotado com fundamento na
lei, quando o mesmo não é imposto no caso de uma ação fundada em
responsabilidade legislativa da constituição pela lei.
Conclusão
Por fim,
conclui-o o Tribunal de Justiça da União Europeia (Grande Secção) que:
“O
direito da União opõe-se a uma regra de um Estado-Membro, por força da qual uma
ação fundada em responsabilidade do Estado por violação desse direito por uma
lei nacional, declarada por um acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia
proferido no âmbito do artigo 226.° CE, só pode proceder se o demandante tiver
esgotado previamente todas as vias de recurso internas destinadas a contestar a
validade do ato administrativo lesivo, adotado com fundamento nessa lei, quando
a mesma regra não é aplicável a uma ação fundada em responsabilidade do Estado
por violação da Constituição pela mesma lei, declarada pelo órgão jurisdicional
competente.”.
Na minha
opinião a conclusão do TJUE para este caso em particular é a mais acertada,
pois, para além de tudo referido anteriormente deveremos ter ainda em atenção o
princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional,
“que implica a não aplicação do direito nacional incompatível com o Direito da
União, a supressão ou reparação das consequências de um ato nacional contrário
ao Direito da União, e a obrigação de os Estados-Membros fazerem respeitar o
Direito da União”[4].
Por Pedro Pinheiro
Janeiro de 2012
[1] Diretiva
77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das
legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de
negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria
coletável uniforme
[2] Silveira,
Alessandra, Princípios de Direito da União Europeia, Doutrina e
Jurisprudência, 2ª Edição (Atualizada e Ampliada), Quid Juris, 2011, pág.
104
[3] Silveira,
Alessandra, Princípios de Direito da União Europeia, Doutrina e
Jurisprudência, 2ª Edição (Atualizada e Ampliada), Quid Juris, 2011, pág.
104 e 105
[4] Silveira,
Alessandra, Princípios de Direito da União Europeia, Doutrina e
Jurisprudência, 2ª Edição (Atualizada e Ampliada), Quid Juris, 2011, pág.
104
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