terça-feira, 11 de novembro de 2014

Análise do Acórdão Weber do TJUE





O Bundesgerichtshof submeteu ao TJUE a título prejudicial da interpretação do artigo 3º da Diretiva 1999/44/ CE do Parlamento Europeu e do Conselho e no âmbito de um litigo entre a Gebr Weber Gmbh (Weber), uma empresa que opera no setor da venda de materiais de construção, e o senhor Jürgen Wittner, que recebeu uns mosaicos defeituosos entregues por aquela empresa.

Objetivo das questões
O Tribunal nacional pretende essencialmente saber se, nos termos da diretiva o vendedor de bens defeituosos pode recusar o tipo de ressarcimento exigido pelo consumidor, como a substituição de bens defeituosos, nos casos em que o ressarcimento implique custos desproporcionalmente elevados para o vendedor, como no presente, e se assim não for, se o vendedor é obrigado a suportar os custos da remoção dos bens defeituosos de uma coisa na qual o consumidor os tenha integrado.

Enquadramento Legal
A.[1]
Artigo 3º da Diretiva 1999/44/CE
Direitos do consumidor
1. O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.

2. Em caso de falta de conformidade, o consumidor tem direito a que a conformidade do bem seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, nos termos do nº 3, a uma redução adequada do preço, ou à rescisão do contrato no que respeita a esse bem, nos termos do nº 5 e 6.

3. Em primeiro lugar, o consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso seja impossível ou desproporcionado.
Presume-se que uma solução é desproporcionada se implicar para o vendedor custos que, em comparação com a outra solução, não sejam razoáveis, tendo em conta:
- O valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade,
- A importância da falta de conformidade,
- A possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.
A reparação ou substituição deve ser realizada dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina.

4. A expressão "sem encargos" constante do nº 2 e 3 reporta-se às despesas necessárias incorridas para repor o bem em conformidade, designadamente as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.

5. O consumidor pode exigir uma redução adequada do preço, ou a rescisão do contrato:
- Se o consumidor não tiver direito a reparação nem a substituição, ou
- Se o vendedor não tiver encontrado uma solução num prazo razoável, ou
- Se o vendedor não tiver encontrado uma solução sem grave inconveniente para o consumidor.

6. O consumidor não tem direito à rescisão do contrato se a falta de conformidade for insignificante.

Artigo 8º da Diretiva 1999/44/CE
Direito nacional e proteção mínima
1. O exercício dos direitos resultantes da presente diretiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual.
2. Os Estados-Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais estritas, compatíveis com o Tratado, com o objetivo de garantir um nível mais elevado de proteção do consumidor.

B.
Preâmbulo da Diretiva 1999/44/CE
Considerando que, em caso de não conformidade do bem com o contrato, os consumidores devem ter o direito de obter que os bens sejam tornados conformes com ele sem encargos, podendo escolher entre a reparação ou a substituição, ou, se isso não for possível, a redução do preço ou a rescisão do contrato;

Considerando desde logo que os consumidores podem exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, a menos que isso se revele impossível ou desproporcionado; que, a desproporção deve ser determinada objetivamente; que uma solução é desproporcionada se impuser custos excessivos em relação à outra solução; que, para que os custos sejam excessivos, devem ser significativamente mais elevados que os da outra forma de reparação do prejuízo;

Factos/ Tramitação
Jünger Wittmer comprou à Weber 45m de mosaicos polidos pelo preço de 1382,27€.

No entanto, posteriormente apareceram marcas escuras na superfície dos mosaicos visíveis a olho. Sendo a solução a substituição integral dos mosaicos e o custo estimado seriam 5830, 57€.

Entretanto, a questão passou as várias instâncias, até chegar ao Bundesgerichtshof que decidiu suspender a instância e submeter ao TJUE as seguintes questões para decisão título prejudicial:
1. As disposições do Artigo 3º nº 3, primeiro e segundo parágrafos da Diretiva 1999/44/ CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativos a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativos, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional nos termos da qual o vendedor, em caso de falta de conformidade do bem de consumo entregue com o contrato, pode recusar o tipo exigido pelo consumidor se este implicar custos para o vendedor que, tendo em conta o valor que o bem o teria se não existisse falta de conformidade e a importância da falta de conformidade, não sejam razoáveis (absolutamente desproporcionadas)?

2. Em caso de resposta afirmativa á primeira questão: disposições do artigo 3º nº 2 e 3, terceiro paragrafo, da referida diretiva devem ser interpretadas no sentido de que, caso a conformidade do bem seja reposta através da substituição deste, vendedor deve suportar os custos de remoção do bem não conforme de uma coisa na qual o consumidor tinha integrado o bem, com a sua natureza e o fim a que se destina?

Análise
A Diretiva constitui uma medida de harmonização mínima, de determinados aspetos da venda de bens de consumo, logo não pode prejudicar as disposições e os princípios das legislações nacionais relativas aos regimes de responsabilidade contratual e extracontratual.

Assim, as duas questões relativas á interpretação do artigo 3º da diretiva com as quais o tribunal de reenvio procura apurar se J. Wittmer pode ter direito enquanto consumidor, de exigir do vendedor que suporte os custos da remoção dos mosaicos defeituosos em questão no processo principal visam essencialmente de terminar, em primeiro lugar, se o vendedor pode recusar ao abrigo da diretiva, mesmo num caso em que a reparação dos bens defeituosos é impossível, a substituição destes bens com o fundamento de que tal é desproporcionada e em segundo lugar, se os direitos conferidos ao consumidor pelo artigo 3º da diretiva incluem o direito de reclamar o reembolso dos custos de remoção dos bens defeituosos.

Mais propriamente no que respeita à segunda questão, o tribunal de reenvio pretende apurar se as disposições do artigo 3º nº 2 e 3, da diretiva devem ser interpretados no sentido de que, nos casos em que a conformidade do bem deve ser reposta através de substituição, o consumidor pode exigir que o vendedor suporte os custos da remoção dos bens não conformes de uma coisa na qual, de forma coerente com a sua natureza e o fim a que se destinam, o consumidor os tenha integrado.

Argumentos das partes
Questão 2
Weber, em conjunto com os Governos Austríaco, Belga e Alemão entendem que a segunda questão deve ser respondida negativamente, por compreenderem que essencialmente, num caso destes, o vendedor é responsável pela entrega de bens em conformidade com o contrato de compra e venda. Consequentemente, em caso de uma falta de conformidade, que deve ser verificada no momento da entrega é exigível ao vendedor, de acordo com o artigo 3º nº 2 e 3, da Diretiva, que reponha a conformidade dos bens defeituosos, isto é, no caso de substituição que entregue bens que estejam em conformidade.

E, assim sendo, as suas obrigações não podem ser estendidas a para além disso, por exemplo, de forma a incluir, como é sugerido no presente caso a remoção dos bens defeituosos que foram utilizados pelo consumidor, depois da entrega, de acordo com a sua vontade.

Ou seja, no fundo tudo gira em torno da obrigação do vendedor entregar novamente bens isentos de defeito e não podem ser interpretadas de modo a lhe impor a obrigação adicional de suportar os custos da remoção.

Por outro lado, a Comissão e os Governos Polaco e Espanhol sustentam que num caso de bens não conformes, o vendedor tem que suportar os custos de remoção desses bens, e portanto, propõe que a segunda questão seja respondida pela afirmativa.

Ou seja, são do entendimento que o consumidor tem, através da substituição de ser colocado na situação que estaria se lhe tivessem sido entregues bens isentos de defeitos, o que significa que se necessário os bens não conformes têm de ser removidos e serem instalados bens isentos de defeitos.

Argumentos das partes
Questão 1
Nesta questão o Tribunal de reenvio pretende, essencialmente, saber se o artigo 3º da Diretiva deve ser interpretado como e opondo a uma legislação nacional ao abrigo da qual o vendedor que vende bens de consumo não conformes pode, num caso em que a reparação dos bens defeituosos deva ser considerada impossível, recusar a solução alternativa, escolhida pelo consumidor, da substituição destes bens, se esta solução for desproporcionada, na medida em que imponha ao vendedor custos não razoáveis, em comparação com o valor dos bens isentos de defeito e a importância da falta de conformidade.

No entanto, é da opinião do advogado geral que esta questão não se coloca no caso em apreço, por concluir que o consumidor não pode, como parte do seu direito á substituição dos bens defeituosos, exigir que o vendedor suporte os custos da remoção de bens defeituosos como os que estão em causa.

Weber considera inadmissível suportar a substituição por custos não razoáveis.

Portanto, considera-se que as partes devem encontrar em equilíbrio através de uma proporcionalidade relativa entre as duas partes, tal como refere a Diretiva no seu preâmbulo.

A titulo subsidiário, a primeira questão submetida pelo Bundesgerichtshof deve ser respondida no sentido de que o primeiro e segundo parágrafos do artigo 3º nº 3, da Diretiva devem ser interpretadas como se opondo a uma legislação nacional nos termos da qual o vendedor, no caso de ter vendido bens de consumo não conformes com o contrato, pode, nos casos em que a reparação dos bens defeituosos é impossível recusar a solução alternativa, escolhida pelo consumidor de substituir estes bens, quando esta solução seja desproporcionada, na medida em que imponha ao vendedor, em comparação com o valor dos bens isentos de defeito e com a importância da falta de conformidade, custos razoáveis.

Conclusão
Por fim, conclui-o o Tribunal de Justiça da União Europeia que:
Nos casos em que a conformidade dos bens com o contrato é reposta através da sua substituição, os direitos conferidos ao consumidor pelo artigo 3º, nº 2 e 3 da Diretiva, não incluem, o direito a exigir que o vendedor suporte os custos da remoção dos bens não conformes de uma coisa na qual, de forma coerente com a sua natureza e o fim a que se destina, o consumidor os tenha integrado.

Por seu lado, entende-se que o primeiro e segundo parágrafos do artigo 3º da Diretiva devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional nos termos da qual o vendedor, no caso de ter vendido bens de consumo não conformes com o contrato, pode, nos casos em que a reparação dos bens defeituosos é impossível, recusar a solução alternativa, escolhida pelo consumidor, de substituir estes bens, na medida em que imponha ao vendedor, em comparação com o valor dos bens isentos de defeitos e com a importância da falta de conformidade, custos não razoáveis.

Na minha opinião, pessoal e em relação ao caso em análise, foi dada prioridade à resolução do preço, em deterioramento da resolução do contrato em si próprio, coisa que por vezes pudera levar a determinadas injustiças na esfera do consumidor, contudo o critério/princípio da proporcionalidade aqui utilizado, parece-me ser o melhor instrumento para analisar e averiguar estas situações.

Visto isto, e em relação ao principio de harmonização mínima devemos considerar que, “as diretivas de harmonização mínima dão aos Estados-membros da União a faculdade de adotarem ou conservarem disposições “mais estritas”, “mais rigorosas” ou, simplesmente, “ mais favoráveis à proteção do consumidor”[2].



Por Pedro Pinheiro


Janeiro de 2012



[1] Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas. 
[2] Artigo sobre Direito dos Contratos, Serra, Catarina de 30 de Outubro de 2011.



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