O
mercado interno, insere-se num regime jurídico-económico bastante complexo,
sendo necessário fazer uma breve análise, a toda a problemática da integração
económica.
A
integração económica não se encontra definida de forma inequívoca pela
doutrina, no entanto, para F. Perroux, a integração consiste na reunião de
elementos para formar um todo ou aumentar a coesão de um todo que já existe.
Esta definição de integração, conjuga, quer a integração económica
internacional, quer a integração nacional.
A
integração económica abarca um leque alargado de vantagens, como as economias
de escala, o reforço da capacidade de negociação, e sobretudo a intensificação
da concorrência. Isto é, a existência de um vasto mercado aberto, conduz a uma
competição entre as empresas dos diversos Estados-Membros, levando a que elas
se modernizem, se reestruturem, reduzam os custos, melhorem a qualidade dos
produtos, e por conseguinte, baixem os preços.
No
entanto, pese tudo isto, a integração económica, também se depara com algumas
dificuldades, nomeadamente ao nível das disparidades do desenvolvimento
económico e social entre os participantes no processo de integração, a
resistência psicológica das populações, e a própria opinião pública.
Posto
isto, há a realçar ainda que a integração económica percorreu várias fases até
chegar ao momento actual, ou seja, desde a zona de comércio livre e união
aduaneira, passando pelo mercado comum e união económica e monetária, atingindo
então, o estádio de mercado interno.
As
características do mercado interno estão presentes no art. 26º e segs. do TFUE,
tendo como principal objectivo a eliminação quer das barreiras resultantes do
dirigismo privado, ou seja, comportamentos anticoncorrenciais das empresas,
quer das barreiras estatais que se opõem à livre circulação de produtos e ao
livre exercício de actividades económicas.
A noção
de mercado interno é muito ampla como referiu o TJCE no Ac. de 5/5/1982, no
caso Schul. Seguindo esta linha de orientação, o nº 2 do art. 26º do TFUE,
dispôs que: “O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no
qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços, e dos
capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados.”
Com base
nesta definição, cumpre fazer uma breve referência às matérias relativas às “quatro
liberdades” e posteriormente, às regras da concorrência.
Para se
obter a realização plena do mercado interno da União a eliminação dos entraves
à livre circulação de mercadorias não bastava; era necessário, um nível
superior de integração económica.
O
mercado interno teria que englobar a livre circulação de bens, mas também a
livre circulação de todos os factores de produção, desde o capital, trabalho,
iniciativas empresariais, até à prestação de serviços.
Se
existisse apenas uma simples liberalização ao nível das trocas
intracomunitárias, sem qualquer outra medida, isto motivaria uma desigualdade,
isto é, que os Estados mais ricos, mais evoluídos, com meios de produção mais
eficientes, se superiorizassem nesse mercado aberto, face a outros Estados
menos desenvolvidos.
Assim
sendo, as assimetrias existentes, ao invés de diminuírem, iriam,
progressivamente aumentar.
Daqui
decorre a importância do disposto no nº 2 do art. 26º do TFUE, e como
consequência disso, a enorme relevância que assumiu no quadro europeu, a livre
circulação de pessoas, a liberdade de estabelecimento e de prestação de
serviços e a liberdade de circulação de capitais.
Depois
destas breves notas introdutórias, é pertinente realizar uma análise um pouco
mais aprofundada sobre o regime da concorrência da U.E. pois a questão
apresentada na aula, e que serve como pano de fundo a toda esta análise,
insere-se no âmbito da integração, mais precisamente no mercado interno, e no
regime concorrencial.
No caso
apresentado, temos que, um produtor de relógios de topo manufacturados,
pretende distribui-los pela U.E., e para isso realiza um contrato de
distribuição selectivo, com apenas um revendedor por Estado-Membro. Lady
Emerald, impunha uma série de condições contratuais aos seus distribuidores,
condições essas que teriam de ser seguidas à risca.
O
problema nesta questão, acontece quando, em Bruxelas um outro relojoeiro tem interesse
em ser fornecido por ela. Essa pretensão é recusada por Lady Emerald, que
alega, entre outros motivos, as obrigações contratuais de exclusividade, o
perfil do candidato que não se adequava aos seus produtos, visto que ele,
apesar de reputado, seguia umas linhas muito modernas, e uma politica de
marketing inadequada, no entender dela.
É com
base nesta problemática levantada, nesta situação extremamente interessante que
será importante analisar a questão concorrencial e elaborar uma hipotética
solução para o caso, sempre tendo em conta uma das partes.
Sendo
assim, e apenas como abordagem muito ligeira, penso que existem alguns pontos
essenciais que têm que ser focados.
No
mercado de concorrência, todos os agentes económicos, têm que ver os seus
interesses acautelados, e por isso, no mercado comum, não pode imperar a lei do
mais forte, mas sim, uma concorrência leal.
Antes de
mais, é importante realçar, que os Tratados não nos oferecem uma definição de concorrência. No entanto, através da
jurisprudência do TJ, podemos concluir que estamos perante, não de uma completa
liberdade de acção das empresas, mas apenas, perante uma concorrência efectiva
e eficaz.
Essa
concorrência é efectiva e eficaz, se as empresas virem salvaguardadas a
liberdade de acesso ao mercado e se tiverem liberdade de acção para tomarem as
suas decisões; e se, por outro lado, os consumidores utilizarem a liberdade de
escolha em função do preço e da qualidade dos bens e serviços que lhes são
oferecidos.
Vale a
pena agora atentar nos artgs. 101º e 102º do TFUE, pois estes serão
fundamentais para a solução apresentada para o caso em análise.
O art.
101º nº 1 proíbe os acordos entre empresas, as decisões de associações de
empresas e as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros, que
possam falsear a concorrência no seio do mercado interno; por seu turno, o art.
102º sanciona o abuso de posição dominante no mercado interno.
Relativamente
ao art. 101º, é de realçar que o cartel pressupõe uma acção comum de duas ou
mais empresas, e pode resultar de acordos entre empresas, de decisões de
associações de empresas, ou de práticas concertadas. Quando estamos perante
situações destas, o 101º no 1º proíbe os carteis. Para alem disso, a própria
susceptibilidade, ou seja, a mera tentativa ou intenção das ententes, de
restringir, impedir, ou falsear a concorrência, é suficiente para que o cartel
seja proibido.
O art.
101º nº 2, dispõe que são nulos, os acordos que esta disposição proíbe.
No
entanto o art. 101º tem uma particularidade, que é o seu nº 3. Aqui encontra-se
a possibilidade de isenção da interdição dos carteis.
Para que
isso suceda, é necessário: “a
contribuição do cartel para a melhoria da produção ou da distribuição dos produtos
ou para a promoção do progresso técnico ou económico”; “ a reserva para os
utilizadores de uma parte equitativa das vantagens resultantes da constituição
do cartel”; “ a ausência de restrições não indispensáveis para atingir os
efeitos favoráveis do cartel”; “ e a manutenção de condições de concorrência”. Com
sabe nestas 4 condições, é possível proceder a uma restrição dos carteis, se a
entente preencher simultaneamente todas elas.
Posto
isto, cumpre agora analisar o art. 102º, artigo esse que servirá como base para
a defesa da minha posição neste caso em concreto.
Na
situação acima exposta, tínhamos que um relojoeiro belga pretendia vender os
produtos de Lady Emerald, situação essa rejeitada pela mesma.
Através
da seguinte exposição vou tentar demonstrar que o relojoeiro poderia ver a sua
pretensão atingida, apesar de admitir que a outra parte também estaria em
condições de o fazer, desde que, com uma argumentação válida e coerente, daí o
interesse de toda esta temática.
Em
primeiro lugar, assume grande importância, realçar que o art. 102º não
considera ilegítima a posição dominante. O que este artigo sanciona é sim o
abuso desta posição dominante. E aqui situa-se o fundamental de toda esta
questão.
A
infracção a este artigo, acontece quando uma ou mais empresas, tendo uma
posição dominante no mercado interno, exploram abusivamente essa posição.
O TJ
entende a posição dominante como “o poder
de impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa na
medida em que proporciona à empresa em posição dominante a possibilidade de
comportamentos em larga medida independentes em face dos seus concorrentes, dos
seus clientes e, finalmente, dos consumidores”.
No caso
em concreto, penso ser defensável que existe um abuso de posição dominante,
pois, após a exposição de todos estes elementos verifica-se que Lady Emerald
encontra-se numa posição dominante, no mercado interno. Agora é necessário
verificar e comprovar se faz dessa posição dominante, um uso abusivo.
Mais uma
vez, do art. 102º não resulta uma definição de exploração abusiva de posição
dominante.
No
entanto, quer a Comissão, quer a jurisprudência do TJ, dão-nos uma orientação
geral que podemos socorrer-nos: “existirá
exploração abusiva de posição dominante sempre que uma empresa utilize o poder
de que dispõe no mercado para obter vantagens a que não poderia aspirar num
quadro de concorrência efectiva.”
Saliento
também, que tem-se entendido que o abuso existe quando uma empresa que detém
posição dominante, a utiliza para eliminar ou restringir a concorrência que lhe
poderia ser feita.
E penso
que seria aqui que poderia fazer-se valer a defesa do relojoeiro.
No meu
entender, Lady Emerald, utiliza a posição dominante que possui no mercado
interno para restringir o acesso ao produto que comercializa; de facto, abusa
da sua posição dominante eliminando a possibilidade de concorrência que poderia
acontecer se não adoptasse essas medidas. Através disso, iria contra as
disposições do Tratado, que defende uma concorrência suficientemente eficaz no
quadro do mercado interno.
O art.
102º dá-nos uma lista das várias formas de abuso de posição dominante, sendo de
destacar, como exemplo, o abuso previsto na al. b) do artigo referido: “limitar a produção, a distribuição ou o
desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores”.
Esta
modalidade de abuso ocorre, quando uma empresa se recusa a abastecer os
negociantes que não se conformam com a sua politica comercial. Ora se alguns
dos motivos utilizados para a recusa da venda dos produtos, é o facto do
relojoeiro belga não se enquadrar na sua politica comercial, penso que por aqui
abriria-se uma janela de oportunidade para confrontar a posição de Lady
Emerald.
Além
disso, e como refere Miguel Mendes Pereira, a empresa que se encontra em
posição dominante, pode ter uma margem de manobra mais reduzida e ser obrigada
a contratar com outras empresas, ou seja, a recusa por parte de uma empresa em
posição dominante em contratar com outra, pode configurar um abuso. Neste caso,
temos que a recusa de fornecimento reveste-se de contornos abusivos, sendo que
esta recusa pode ser frontal, isto é, é uma negação em resposta a um pedido de
fornecimento.
Por fim,
há a referir que o abuso de posição dominante pode ser cometido por uma só
empresa ou por um grupo de empresas; e que a sanção prevista para os
comportamentos previstos no art. 102º, tem como base o Regulamento CE 1/2003.
Ou seja, poderá ser tentada e negociada uma solução entre as partes. Caso não
seja possível, a Comissão aplicará à empresa ou empresas a sanção pecuniária
que considerar adequada, e também a adopção de certas medidas que julgue
necessárias.
Por Pedro Cruz
Dezembro de 2010
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