segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O caso "Lady Emerald" do TJUE





O mercado interno, insere-se num regime jurídico-económico bastante complexo, sendo necessário fazer uma breve análise, a toda a problemática da integração económica.

A integração económica não se encontra definida de forma inequívoca pela doutrina, no entanto, para F. Perroux, a integração consiste na reunião de elementos para formar um todo ou aumentar a coesão de um todo que já existe. Esta definição de integração, conjuga, quer a integração económica internacional, quer a integração nacional.

A integração económica abarca um leque alargado de vantagens, como as economias de escala, o reforço da capacidade de negociação, e sobretudo a intensificação da concorrência. Isto é, a existência de um vasto mercado aberto, conduz a uma competição entre as empresas dos diversos Estados-Membros, levando a que elas se modernizem, se reestruturem, reduzam os custos, melhorem a qualidade dos produtos, e por conseguinte, baixem os preços.

No entanto, pese tudo isto, a integração económica, também se depara com algumas dificuldades, nomeadamente ao nível das disparidades do desenvolvimento económico e social entre os participantes no processo de integração, a resistência psicológica das populações, e a própria opinião pública.

Posto isto, há a realçar ainda que a integração económica percorreu várias fases até chegar ao momento actual, ou seja, desde a zona de comércio livre e união aduaneira, passando pelo mercado comum e união económica e monetária, atingindo então, o estádio de mercado interno.

As características do mercado interno estão presentes no art. 26º e segs. do TFUE, tendo como principal objectivo a eliminação quer das barreiras resultantes do dirigismo privado, ou seja, comportamentos anticoncorrenciais das empresas, quer das barreiras estatais que se opõem à livre circulação de produtos e ao livre exercício de actividades económicas.

A noção de mercado interno é muito ampla como referiu o TJCE no Ac. de 5/5/1982, no caso Schul. Seguindo esta linha de orientação, o nº 2 do art. 26º do TFUE, dispôs que: “O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços, e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados.”

Com base nesta definição, cumpre fazer uma breve referência às matérias relativas às “quatro liberdades” e posteriormente, às regras da concorrência.

Para se obter a realização plena do mercado interno da União a eliminação dos entraves à livre circulação de mercadorias não bastava; era necessário, um nível superior de integração económica.

O mercado interno teria que englobar a livre circulação de bens, mas também a livre circulação de todos os factores de produção, desde o capital, trabalho, iniciativas empresariais, até à prestação de serviços.

Se existisse apenas uma simples liberalização ao nível das trocas intracomunitárias, sem qualquer outra medida, isto motivaria uma desigualdade, isto é, que os Estados mais ricos, mais evoluídos, com meios de produção mais eficientes, se superiorizassem nesse mercado aberto, face a outros Estados menos desenvolvidos.

Assim sendo, as assimetrias existentes, ao invés de diminuírem, iriam, progressivamente aumentar.

Daqui decorre a importância do disposto no nº 2 do art. 26º do TFUE, e como consequência disso, a enorme relevância que assumiu no quadro europeu, a livre circulação de pessoas, a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços e a liberdade de circulação de capitais.

Depois destas breves notas introdutórias, é pertinente realizar uma análise um pouco mais aprofundada sobre o regime da concorrência da U.E. pois a questão apresentada na aula, e que serve como pano de fundo a toda esta análise, insere-se no âmbito da integração, mais precisamente no mercado interno, e no regime concorrencial.

No caso apresentado, temos que, um produtor de relógios de topo manufacturados, pretende distribui-los pela U.E., e para isso realiza um contrato de distribuição selectivo, com apenas um revendedor por Estado-Membro. Lady Emerald, impunha uma série de condições contratuais aos seus distribuidores, condições essas que teriam de ser seguidas à risca.

O problema nesta questão, acontece quando, em Bruxelas um outro relojoeiro tem interesse em ser fornecido por ela. Essa pretensão é recusada por Lady Emerald, que alega, entre outros motivos, as obrigações contratuais de exclusividade, o perfil do candidato que não se adequava aos seus produtos, visto que ele, apesar de reputado, seguia umas linhas muito modernas, e uma politica de marketing inadequada, no entender dela.

É com base nesta problemática levantada, nesta situação extremamente interessante que será importante analisar a questão concorrencial e elaborar uma hipotética solução para o caso, sempre tendo em conta uma das partes.

Sendo assim, e apenas como abordagem muito ligeira, penso que existem alguns pontos essenciais que têm que ser focados.

No mercado de concorrência, todos os agentes económicos, têm que ver os seus interesses acautelados, e por isso, no mercado comum, não pode imperar a lei do mais forte, mas sim, uma concorrência leal.

Antes de mais, é importante realçar, que os Tratados não nos oferecem uma definição de concorrência. No entanto, através da jurisprudência do TJ, podemos concluir que estamos perante, não de uma completa liberdade de acção das empresas, mas apenas, perante uma concorrência efectiva e eficaz.

Essa concorrência é efectiva e eficaz, se as empresas virem salvaguardadas a liberdade de acesso ao mercado e se tiverem liberdade de acção para tomarem as suas decisões; e se, por outro lado, os consumidores utilizarem a liberdade de escolha em função do preço e da qualidade dos bens e serviços que lhes são oferecidos.

Vale a pena agora atentar nos artgs. 101º e 102º do TFUE, pois estes serão fundamentais para a solução apresentada para o caso em análise.

O art. 101º nº 1 proíbe os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros, que possam falsear a concorrência no seio do mercado interno; por seu turno, o art. 102º sanciona o abuso de posição dominante no mercado interno.

Relativamente ao art. 101º, é de realçar que o cartel pressupõe uma acção comum de duas ou mais empresas, e pode resultar de acordos entre empresas, de decisões de associações de empresas, ou de práticas concertadas. Quando estamos perante situações destas, o 101º no 1º proíbe os carteis. Para alem disso, a própria susceptibilidade, ou seja, a mera tentativa ou intenção das ententes, de restringir, impedir, ou falsear a concorrência, é suficiente para que o cartel seja proibido.

O art. 101º nº 2, dispõe que são nulos, os acordos que esta disposição proíbe.

No entanto o art. 101º tem uma particularidade, que é o seu nº 3. Aqui encontra-se a possibilidade de isenção da interdição dos carteis.

Para que isso suceda, é necessário: “a contribuição do cartel para a melhoria da produção ou da distribuição dos produtos ou para a promoção do progresso técnico ou económico”; “ a reserva para os utilizadores de uma parte equitativa das vantagens resultantes da constituição do cartel”; “ a ausência de restrições não indispensáveis para atingir os efeitos favoráveis do cartel”; “ e a manutenção de condições de concorrência”. Com sabe nestas 4 condições, é possível proceder a uma restrição dos carteis, se a entente preencher simultaneamente todas elas.

Posto isto, cumpre agora analisar o art. 102º, artigo esse que servirá como base para a defesa da minha posição neste caso em concreto.

Na situação acima exposta, tínhamos que um relojoeiro belga pretendia vender os produtos de Lady Emerald, situação essa rejeitada pela mesma.

Através da seguinte exposição vou tentar demonstrar que o relojoeiro poderia ver a sua pretensão atingida, apesar de admitir que a outra parte também estaria em condições de o fazer, desde que, com uma argumentação válida e coerente, daí o interesse de toda esta temática.

Em primeiro lugar, assume grande importância, realçar que o art. 102º não considera ilegítima a posição dominante. O que este artigo sanciona é sim o abuso desta posição dominante. E aqui situa-se o fundamental de toda esta questão.

A infracção a este artigo, acontece quando uma ou mais empresas, tendo uma posição dominante no mercado interno, exploram abusivamente essa posição.

O TJ entende a posição dominante como “o poder de impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa na medida em que proporciona à empresa em posição dominante a possibilidade de comportamentos em larga medida independentes em face dos seus concorrentes, dos seus clientes e, finalmente, dos consumidores”.

No caso em concreto, penso ser defensável que existe um abuso de posição dominante, pois, após a exposição de todos estes elementos verifica-se que Lady Emerald encontra-se numa posição dominante, no mercado interno. Agora é necessário verificar e comprovar se faz dessa posição dominante, um uso abusivo.
Mais uma vez, do art. 102º não resulta uma definição de exploração abusiva de posição dominante.

No entanto, quer a Comissão, quer a jurisprudência do TJ, dão-nos uma orientação geral que podemos socorrer-nos: “existirá exploração abusiva de posição dominante sempre que uma empresa utilize o poder de que dispõe no mercado para obter vantagens a que não poderia aspirar num quadro de concorrência efectiva.”

Saliento também, que tem-se entendido que o abuso existe quando uma empresa que detém posição dominante, a utiliza para eliminar ou restringir a concorrência que lhe poderia ser feita.

E penso que seria aqui que poderia fazer-se valer a defesa do relojoeiro.

No meu entender, Lady Emerald, utiliza a posição dominante que possui no mercado interno para restringir o acesso ao produto que comercializa; de facto, abusa da sua posição dominante eliminando a possibilidade de concorrência que poderia acontecer se não adoptasse essas medidas. Através disso, iria contra as disposições do Tratado, que defende uma concorrência suficientemente eficaz no quadro do mercado interno.

O art. 102º dá-nos uma lista das várias formas de abuso de posição dominante, sendo de destacar, como exemplo, o abuso previsto na al. b) do artigo referido: “limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores”.

Esta modalidade de abuso ocorre, quando uma empresa se recusa a abastecer os negociantes que não se conformam com a sua politica comercial. Ora se alguns dos motivos utilizados para a recusa da venda dos produtos, é o facto do relojoeiro belga não se enquadrar na sua politica comercial, penso que por aqui abriria-se uma janela de oportunidade para confrontar a posição de Lady Emerald.

Além disso, e como refere Miguel Mendes Pereira, a empresa que se encontra em posição dominante, pode ter uma margem de manobra mais reduzida e ser obrigada a contratar com outras empresas, ou seja, a recusa por parte de uma empresa em posição dominante em contratar com outra, pode configurar um abuso. Neste caso, temos que a recusa de fornecimento reveste-se de contornos abusivos, sendo que esta recusa pode ser frontal, isto é, é uma negação em resposta a um pedido de fornecimento.

Por fim, há a referir que o abuso de posição dominante pode ser cometido por uma só empresa ou por um grupo de empresas; e que a sanção prevista para os comportamentos previstos no art. 102º, tem como base o Regulamento CE 1/2003. Ou seja, poderá ser tentada e negociada uma solução entre as partes. Caso não seja possível, a Comissão aplicará à empresa ou empresas a sanção pecuniária que considerar adequada, e também a adopção de certas medidas que julgue necessárias.




Por Pedro Cruz


Dezembro de 2010



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