sábado, 1 de novembro de 2014

Os efeitos da declaração de insolvência no contrato de trabalho



A repercussão da declaração judicial de insolvência do empregador nas relações de trabalho
Numa altura de crise e de instabilidade dos mercados, em que a situação económica de inúmeras empresas se encontra num estado precário, é da maior relevância saber o que acontece aos contratos de trabalho quando é declarada a insolvência do empregador. A empresa, como sabemos, trata-se de um agente económico, inserido numa cadeia económica global. Como elemento dessa cadeia, a empresa ressente-se das várias flutuações que a economia atravessa.

Em tempos de crise económica, como os que passamos nos dias que correm, a crise da empresa afecta todos os sujeitos que a formam e com os quais estabelece relações, em particular, os trabalhadores. De facto, o número de empresas que se encontram em situação de “lay off” , isto é, cuja situação financeira é crítica, aumenta a cada dia que passa, e com isto aumenta o receio dos trabalhadores em perderem os seus postos de trabalho e, consequentemente, os benefícios daí resultantes - e aqui falamos das retribuições e outras prestações patrimoniais a que o trabalhador tem direito, em contrapartida do seu trabalho, de acordo com o nº1 do artigo 258º do Código do Trabalho (doravante, C.T.).

Quando os problemas económicos não são resolvidos, a empresa poderá vir a ser declarada insolvente, nos termos dos artigos 1º e 3º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante, C.I.R.E.), numa tentativa de satisfazer os credores através da elaboração de um plano de insolvência baseado na recuperação da empresa ou, quando tal não seja possível, na liquidação do património do devedor insolvente e na posterior repartição do mesmo pelos credores. Nestes casos, urge saber qual o destino dos vínculos laborais após a declaração judicial de insolvência.

Do regime jurídico aplicável
Para podermos apurar ao certo as consequências da declaração judicial de insolvência nos contratos de trabalho, necessitamos de saber qual o regime jurídico aplicável. Observando o C.I.R.E., reparamos que o Título IV diz respeito aos “efeitos da declaração de insolvência”. Dentro deste Título, deparamo-nos com o Capítulo IV que, por sua vez, tem como epígrafe “Efeitos sobre os negócios em curso”. Neste capítulo encontramos o artigo 113º, referente ao contrato de trabalho, mas apenas nos casos em que ocorra a insolvência do trabalhador, e não do empregador! Existe, portanto, uma lacuna no C.I.R.E., o qual não prevê um normativo específico que regule esta matéria, suscitando assim algumas divergências doutrinais quanto ao regime aplicável nos casos em que seja declarada a insolvência do empregador.

De um lado, temos a opinião de Pedro Romano Martinez, segundo o qual nestes casos deve proceder-se à aplicação (analógica) do artigo 111º do C.I.R.E.. Este artigo, inserido no capítulo IV supra referido, referente aos contratos de prestação duradoura de serviço, determina que a declaração judicial de insolvência não implica a suspensão dos contratos.

Esta posição tem sido alvo de fortes críticas, que se centram fundamentalmente em dois argumentos: em primeiro lugar, no facto de o artigo 277º do C.I.R.E. preceituar que “os efeitos da declaração de insolvência relativamente a contratos de trabalho e à relação laboral regem-se exclusivamente pela lei aplicável ao contrato de trabalho”, sendo aplicável o artigo 347º do C.T, cujo número determina que “a declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado.”; em segundo lugar, no facto de o artigo 111º apenas se reportar aos contratos de prestação duradoura de serviços, como sustenta Luís Menezes Leitão.

Este autor, por seu turno, para além de defender a não aplicação do artigo 111º do C.I.R.E. nestes casos, também considera que é no artigo 347º nº1 do C.T. que se encontra a solução legal para estas situações. Assim sendo, concluímos que, apesar de existir uma discussão doutrinal, a maioria dos autores é consensual no que toca à aplicação da lei laboral no que toca aos efeitos da declaração judicial de insolvência relativamente aos contratos de trabalho, não existindo portanto um rompimento do vínculo laboral, de acordo com o Princípio da intangibilidade dos contratos.

Dos possíveis destinos do contrato de trabalho: a manutenção, o encerramento e a transmissão da empresa
Depois de declarada judicialmente a insolvência do empregador, vimos que, de acordo com o 347º nº1 do Código do Trabalho, os vínculos laborais, em princípio, mantêm-se. Isto significa que a declaração judicial da insolvência, por si só, não implica a cessação dos contratos de trabalho, cumprindo ao administrador da insolvência o dever de assumir o papel do empregador no que toca às obrigações para com os trabalhadores, tal como determinam os números 1 e 4 do artigo 81º do C.I.R.E.. O administrador da insolvência assume, assim, a função de administração da massa insolvente, passando a representar o devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência[1].

Todavia, isto não significa que, posteriormente, dependendo do destino dado à empresa (manutenção, alienação ou encerramento) no decurso do processo de insolvência, os contratos dos trabalhadores não possam ter um final diferente. De facto, nos casos em que, no decorrer do processo de insolvência, se afigure necessário proceder ao encerramento da empresa, deparamo-nos com a extinção do contrato de trabalho dos trabalhadores. E nos casos em que é possível a manutenção da empresa? Ou quando esta é alienada, o que é que acontece? É nestes pontos que nos iremos focar de seguida.

A manutenção da empresa
Um dos destinos da empresa insolvente poderá passar pela manutenção da mesma, quer sob a supervisão e administração do devedor, como do administrador da insolvência, dependendo do que for determinado pelo juiz na declaração judicial de insolvência. Esta possibilidade vai de encontro à finalidade de recuperação da empresa prevista no nº1 do artigo 1º do C.I.R.E., bem como à finalidade de satisfação dos credores estabelecida no mesmo preceito, uma vez que através da manutenção da empresa insolvente, de forma rentável, será possível obter rendimentos bastantes para pagar a quantia em dívida aos credores.

Porém, esta hipótese poderá trazer algumas implicações negativas relativamente aos contratos de trabalho dos trabalhadores. A necessidade de obter uma margem de lucro suficiente para pagar as dívidas aos credores, poderá levar a que sejam feitos alguns “cortes” na empresa, nomeadamente no que toca à cessação de alguns contratos de trabalho, nos termos do artigo 347º nº2 do C.T.. Efectivamente, este artigo preceitua que o administrador da insolvência tem o poder de “cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa”. Como exemplo, podemos apontar um caso em que, numa tentativa de manutenção da empresa, o administrador da insolvência considere que se deve fechar uma secção desta, por não ser considerada essencial, diminuindo assim alguns gastos. Tal decisão levaria à cessação do contrato de trabalho dos trabalhadores dessa secção…

Trata-se de “uma excepção ao Princípio da não cessação dos contratos de trabalho por força da declaração de insolvência do empregador, consagrado no nº1 do mesmo preceito”,[2] nas palavras de Joana Costeira, justificada pela necessidade de uma gestão rentável da empresa insolvente, de modo a evitar o seu encerramento. Excepção esta que, na nossa opinião, é passível de ser criticada pelo facto de não definir quais os critérios que o administrador da insolvência deve ter em conta na formulação do juízo de dispensabilidade do trabalhador, tendo em vista uma boa gestão da empresa.

Ainda no campo da manutenção da empresa, resta-nos dizer que o administrador da insolvência, segundo o artigo 55º nº4 do C.I.R.E., possui a faculdade de contratar novos trabalhadores necessários à continuação da exploração da empresa, quer a termo certo como a termo incerto, sendo que estes contratos caducarão quando/se ocorrer o encerramento definitivo do estabelecimento, ou no caso da sua transmissão (salvo convenção em contrário).

O encerramento da empresa
No que concerne ao encerramento do estabelecimento, depreende-se do artigo 347º nº1 que, nos casos em que tal aconteça, ocorre necessariamente a cessação dos contratos de trabalho, desaparecendo o dever do administrador da insolvência de continuar a cumprir as obrigações para com os trabalhadores. O termo destes contratos configura uma hipótese de caducidade do contrato de trabalho devido à” impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do empregador receber a prestação de trabalho”.

O encerramento da empresa, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 156º do C.I.R.E., é determinado após a assembleia de credores ter apreciado o relatório apresentado pelo administrador da insolvência e depois de a comissão de credores, o devedor e a comissão ou representantes dos trabalhadores se terem pronunciado sobre o relatório em questão. Só depois disto é que a assembleia de credores poderá deliberar no sentido de se proceder ao encerramento do estabelecimento (ou, caso assim o entenda, proceder à manutenção do mesmo).[3]

Havendo deliberação nesse sentido, extingue-se o vínculo laboral, visto que o contrato de trabalho caduca, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o procedimento previsto para o despedimento colectivo, por remissão do artigo 347º nº3 do C.T. para os artigos 360º e seguintes do mesmo diploma legal.

A transmissão da empresa
Por fim, resta-nos deixar uma palavra sobre as implicações da transmissão da empresa na esfera jurídica do trabalhador, no decurso do processo de insolvência. Analisando o C.I.R.E., constatamos que, embora possamos encontrar algumas normas relativas à transmissão da empresa, não existe um regime específico que regule os seus efeitos nos contratos de trabalho. Também no C.T., mais propriamente, nos artigos 285º e seguintes, é possível descortinar normas referentes à transmissão de estabelecimento, sem que, contudo, seja feita uma menção, em concreto, aos casos em que a transmissão envolve uma empresa insolvente.

Apesar da inexistência de um regime específico quer no C.I.R.E, quer no C.T., a maioria da doutrina entende que se aplica o disposto no artigo 285º do C.T. tanto nas situações em que a transmissão do estabelecimento/empresa decorre da liquidação da massa insolvente, quer nos casos em que resulta da homologação de um plano de insolvência – assim sendo, em ambas as situações, com a transmissão da empresa ou estabelecimento, transmite-se para o adquirente a posição jurídica do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores.

Quanto à informação e consulta dos trabalhadores, nos termos do artigo 286º do C.T., estes devem ser informados - na sua pessoa ou na dos seus representantes – pelo transmitente e pelo adquirente sobre a data e motivos da transmissão, bem como as respectivas consequências jurídicas, económicas e sociais que possam afectar a relação de trabalho. Todavia, a intervenção dos trabalhadores na tomada de decisão esgota-se neste artigo, visto que não têm, na realidade, uma palavra a dizer no que toca à decisão de transmitir ou não a empresa, que cabe à assembleia de credores.

A aplicação deste procedimento aos casos em que a empresa transmitida se encontra insolvente não é, contudo, consensual na doutrina portuguesa. Nesta matéria, seguimos o entendimento de Luís Menezes Leitão, o qual sustenta que os deveres de informação e consulta dos trabalhadores a que o transmitente estaria sujeito, pertencem ao administrador de insolvência, segundo os números 3 e 4 do artigo 81º do C.I.R.E..

Conflito de interesses: os trabalhadores como credores e como prestadores de trabalho
Feito este breve enquadramento relativamente aos diferentes destinos da empresa após a declaração judicial de insolvência e os seus efeitos no contrato de trabalho do trabalhador, cumprirá agora examinar a forma como a insolvência do empregador se pode repercutir na esfera dos trabalhadores consoante os seus interesses se fundem na manutenção do contrato de trabalho ou na satisfação célere dos seus créditos.

Os trabalhadores confrontam-se, assim, com uma situação de conflito de interesses opondo, por um lado, o desejo de conservar um emprego estável, através da manutenção da relação laboral e da recuperação da entidade empregadora - devido à função alimentar que o salário representa nas suas vidas e do seu agregado familiar - e, por outro lado, como credores da empresa insolvente, a pretensão de ver os seus créditos satisfeitos.

Esta contraposição de interesses implica que os trabalhadores possam adoptar posições distintas durante o processo de insolvência, dependendo da escolha que façam relativamente às opções que referimos no parágrafo anterior. De seguida, iremos analisar de que forma o nosso ordenamento protege estas pretensões dos trabalhadores.

Os trabalhadores enquanto prestadores de trabalho
Enquanto prestadores de trabalho, e de acordo com a Lei fundamental, os trabalhadores possuem um inegável interesse em preservar um vínculo laboral forte e estável, visto que a retribuição correspondente à sua prestação de trabalho é, muitas vezes, a única fonte de rendimento que sustenta o seu agregado familiar.

A declaração judicial de insolvência da entidade empregadora, apesar de não ter como consequência obrigatória a cessação do contrato de trabalho, representa, ainda assim, um sério entrave a este interesse do trabalhador, como já pudemos referir. De facto, se durante o processo de insolvência se optar pelo encerramento da empresa, o trabalhador vê desfeito o seu interesse em manter a relação laboral, pelo que este deverá, neste caso, pugnar pela recuperação da empresa, satisfazendo tanto o seu interesse, como a finalidade presente no artigo 1º do C.I.R.E..

Um dos mecanismos que o C.I.R.E. prevê para tutelar esta pretensão dos trabalhadores consiste no papel atribuído à comissão de trabalhadores, figura esta que, segundo o artigo 54º da C.R.P., milita pela defesa dos seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa. A participação desta comissão no processo de insolvência está prevista, por exemplo, nos artigos 26º, 37º nº7 e 72º nº6 do C.I.R.E..

Todavia, a verdade é que, embora apresente alguns mecanismos de tutela como o que acabamos de referir – os quais conferem ao trabalhador uma mera participação a título consultivo/ de fiscalização –, a lei de insolvência não prevê instrumentos suficientemente adequados que permitam aos trabalhadores ver o seu interesse de manutenção do vínculo laboral protegido, visto que não lhes é dada a faculdade de determinar o decurso do processo.

Os trabalhadores enquanto credores
Enquanto credores da empresa insolvente, o objectivo dos trabalhadores será ver os seus créditos satisfeitos, créditos esses que resultam de uma falha do empregador no cumprimento das obrigações que decorrem do contrato de trabalho, normalmente devido a problemas financeiros.

Mas que género de créditos é que estão em causa? Aqui cumpre-nos fazer uma distinção entre créditos remuneratórios e créditos compensatórios ou indemnizatórios.

Quanto aos primeiros, estes baseiam-se nos créditos que resultam do contrato de trabalho em si, ou seja, subsídios de férias e Natal, salários. São créditos que decorrem da simples existência do contrato de trabalho.
Relativamente aos créditos compensatórios ou indemnizatórios, estes surgem da cessação do contrato de trabalho. Os créditos compensatórios consistem nos “créditos resultantes da compensação devida ao trabalhador por cessação do contrato de trabalho por despedimento colectivo ou extinção do posto de trabalho”, sendo a sua graduação no processo de insolvência realizada “consoante o momento em que se constituem e atendendo às vicissitudes da empresa decorrentes desse processo, pelo que os trabalhadores tanto podem ser credores da massa como credores da insolvência”[4].

Quanto aos créditos indemnizatórios, estes “consistem nos créditos que resultam de uma indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa por iniciativa do trabalhador anteriormente à declaração judicial de insolvência; ou de uma indemnização pela cessação do contrato de trabalho que resulta de um despedimento ilícito motivado pelo não cumprimento das normas previstas no CT pelo administrador da insolvência, nomeadamente das normas previstas para o procedimento do despedimento colectivo (artigos 359º e seguintes e artigo 383º do C.T.)”, segundo a autora anteriormente citada.

Em síntese, esta contraposição de interesses dos trabalhadores reflecte-se nas duas posições que este pode adoptar perante a declaração judicial de insolvência da entidade empregadora: enquanto prestador de trabalho, privilegiará a recuperação da empresa e a subsistência do seu vínculo laboral; enquanto credor, pretenderá satisfazer os seus créditos, tendo como interesse a liquidação do património da empresa insolvente.

A Protecção dos Créditos dos Trabalhadores na Insolvência: os Privilégios Creditórios e o Fundo de Garantia Salarial

Os Privilégios Creditórios – artigos 333º e seguintes do C.T.
Para finalizar este estudo vamos tentar perceber quais os meios de tutela que ordenamento jurídico prevê para garantir a defesa dos créditos dos trabalhadores. A necessidade de previsão da tutela dos créditos laborais decorre, antes de mais, da C.R.P., nomeadamente no nº3 do artigo 59º, cuja epígrafe intitula-se “Direito dos trabalhadores”. Trata-se de uma garantia prevista na categoria dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, a qual nos diz que os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei.

Com efeito, o Código do Trabalho determina nos seus artigos 333º e seguintes um leque de medidas que conferem uma especial protecção aos créditos laborais dos trabalhadores. O artigo 333º do C.T. dispõe que “Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade”, sendo que a graduação dos créditos se fará de acordo com o disposto no nº2 do mesmo artigo.

Mas o que são, ao certo, privilégios creditórios? O artigo 733º do Código Civil avança com uma explicação, definindo-os como a “faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros”.

Compreende-se, portanto, que seja conferida aos trabalhadores, no âmbito do processo de insolvência, uma preferência no pagamento dos seus créditos relativamente aos outros credores, devido à importância que o salário representa nas suas vidas, na maioria das vezes funcionando como o único meio de sustento que possuem. Quanto à reclamação destes créditos, esta deve seguir os trâmites estabelecidos no artigo 128º do C.I.R.E., sendo que o prazo para a reclamação dos mesmos começa a correr 30 dias após a sentença declaração de insolvência, nos termos da alínea j) do artigo 36º do mesmo diploma legal.

Nos artigos 334º e 335º do C.T. encontramos duas normas que estabelecem, respectivamente, a responsabilidade solidária do empregador e da sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo pelos créditos laborais, desde que vencidos há mais de 3 meses, e a responsabilidade solidária dos sócios, gerentes, administradores e directores quando se verifiquem os pressupostos dos artigos 78º e 79º do Código das Sociedades Comerciais. Estes dois preceitos legais vêem fortificar a tutela dos créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho, já que permitem o alargamento do património que permitirá satisfazer esses créditos.

Por fim, temos o artigo 337º que estabelece no seu nº1 a prescrição, após um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, do crédito de trabalhador emergente de contrato de trabalho. Este artigo vem também intensificar as garantias dos trabalhadores na medida em que determina que o início do prazo para a prescrição dos créditos laborais do trabalhador começa-se a contar não na altura em que esses créditos se vencem ou quando o trabalhar toma conhecimento deles, mas antes no dia posterior ao da cessação do vínculo laboral. Deste modo, salvaguarda-se o interesse dos trabalhadores em não recorrem aos tribunais enquanto o contrato de trabalho ainda se encontra em vigor, visto que poderiam sofrer represálias devido à relação de subordinação que mantêm com a entidade patronal, relação essa que só se extinguirá após a cessação do contrato de trabalho.

Os privilégios creditórios laborais e o princípio da igualdade dos credores
Como já pudemos referir, os privilégios creditórios laborais exercem uma função especial de protecção dos créditos do trabalhador durante o processo de insolvência da entidade patronal. Mas será que estarão de acordo com o princípio da igualdade dos credores, subjacente ao artigo 1º do C.I.R.E.? A repartição do produto resultante da liquidação do património do insolvente pelos credores deve, segundo este princípio, ser feita irmãmente, salvo quando existam causas legítimas de preferência, como nos dita o artigo 604º do Código Civil[5].

Ora, o nº2 deste artigo avança que o privilégio é considerado causa legítima de preferência, pelo que podemos concluir que os privilégios creditórios laborais constituem excepções válidas ao princípio da igualdade dos credores. Isto significa que, desde que exista uma normal legal que assim o preveja, e que essa norma tenha uma justificação plausível que fundamente a sua existência, o facto de existirem discriminações resultantes dos privilégios creditórios não implica que não se concretize justiça no processo de insolvência.

O artigo 333º do C.T. atribui, assim, uma posição privilegiada aos créditos laborais, acabando por consubstanciar uma derrogação ao princípio da igualdade dos credores. De facto, os privilégios mobiliário geral e imobiliário especial previstos no nº1 deste artigo encontram-se numa posição favorecida no que à graduação dos créditos no âmbito do processo de insolvência diz respeito. Quanto ao primeiro, o nº2 deste artigo indica-nos que o crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos mencionados no nº1 do artigo 747º do C.C., como por exemplo, os créditos por impostos. Relativamente ao segundo, diz-nos a alínea b) do nº2 do artigo 333º do C.T. que o crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referentes a contribuição para segurança social e antes dos créditos previstos no artigo 748º do C.C., nomeadamente os do Estado e das autarquias locais.

De referir que, de acordo com o artigo 746º C.T., quer sejam mobiliários ou imobiliários, os créditos serão sempre graduado antes dos créditos relativas a despesas de justiça.

O privilégio mobiliário geral dos trabalhadores
Examinando o artigo 735º do C.C., verificamos que os privilégios creditórios se podem dividir em duas espécies: os mobiliários e os imobiliários. No que concerne ao privilégio mobiliário, o nº2 deste mesmo artigo determina que este género de privilégios poderá ser geral, quando abranger o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente, ou especial, quando compreender apenas o valor de certos bens móveis.

Dito isto, é-nos possível concluir que o privilégio mobiliário geral atribuído aos créditos laborais pelo artigo 333º nº1 a) do C.T. irá abarcar todos os bens móveis existentes no património da entidade patronal que se encontra insolvente. Relativamente à qualificação destes privilégios como garantias reais, existe alguma discussão na doutrina, sendo que a opinião maioritária vai no sentido de que o seu carácter não será real, negando a sua prevalência em relação às garantias reais. No entanto, as características destes privilégios permitem-lhes sempre uma graduação especial relativamente aos restantes créditos sobre o património da entidade patronal, como já tivemos a oportunidade de referir.

O privilégio imobiliário especial dos trabalhadores
No que toca aos privilégios imobiliários, estes também podem ser gerais ou especiais[6]. No caso em questão, trata-se de um privilégio imobiliário especial atribuído aos créditos laborais pelo artigo 333º nº1 b) do C.T., o qual incide sobre o bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade. Todavia, o Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos de 31/01/2007 e de 10/05/2011 tem defendido que os trabalhadores reclamantes apenas beneficiarão deste privilégio creditório se alegarem e demonstrarem a existência de uma ligação entre a sua prestação de trabalho e o imóvel onde a mesma foi realizada, isto é, os trabalhadores é que terão que provar que o seu local de trabalho seria no imóvel “x” da entidade patronal para poderem usufruir deste privilégio que a lei lhes confere.

O Fundo de Garantia Salarial
Após uma abordagem ao regime dos privilégios creditórios, resta-nos agora fazer uma menção ao Fundo de Garantia Salarial, presente no artigo 336º do C.T.. De acordo com este artigo, nos casos em que a entidade patronal se encontre insolvente ou em situação económica difícil, o Fundo de Garantia Salarial garante a satisfação dos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador. A previsão desta figura, existente em moldes semelhantes noutros países europeus[7], vem reforçar a tutela dos créditos laborais, sobretudo nas situações de insolvência do empregador, permitindo pagar aos trabalhadores quando aquele não tenha património suficiente para satisfazer os créditos destes.

O seu regime, segundo a alínea o) do nº6 do artigo 12º da Lei nº 7/2009, encontra-se nos artigos 316º e seguintes da Lei nº 35/2004, sendo que no artigo 318º encontramos as situações abrangidas por este Fundo, estando os casos de satisfação dos créditos dos trabalhadores quando a entidade patronal seja judicialmente declarada insolvente abrangido pelo nº1 deste mesmo artigo. No entanto, só serão pagos os créditos que, de acordo com o artigo 319º, se tenham vencido nos seis meses que antecedem a declaração judicial de insolvência. Há um requisito temporal estabelecido pela lei, ao qual se cumula a necessidade de estes créditos terem que ser reclamados até três meses antes da respectiva prescrição, sob pena de o seu pagamento não ser assegurado (artigo 319º nº3). Para além disso, acresce o facto de o artigo 320º estabelecer um limite das importâncias a pagar, montante esse que se fixa no equivalente a seis meses de retribuição, não podendo exceder o triplo da retribuição mínima mensal.

Para que o trabalhador possa usufruir desta garantia, estando preenchidos os pressupostos acima referidos, deverá apresentar requerimento no Instituto de Gestão financeira da Segurança Social, que deverá apresentar uma decisão até ao 30 dias após a apresentação do mesmo (artigos 321º e 323º).
Em suma, o Fundo de Garantia Salarial configura uma instituição pública gerida pelo Estado e pelos representantes dos trabalhadores e dos empregadores - cujo financiamento advém das verbas pagas pelos empregadores e pelo Estado – que permite assegurar o pagamento dos créditos laborais dos trabalhadores nos casos em que a sua entidade patronal tem dificuldades em cumprir as suas obrigações relacionados com o contrato de trabalho, nomeadamente quando se encontra insolvente.

Janeiro de 2014

Por João Casulo





[1] Contudo, pode o juiz, na sentença declaratória da insolvência, estabelecer que a administração da massa insolvente possa ser assegurada pelo devedor, e não pelo administrador da insolvência, desde que se encontrem preenchidos os pressupostos dos artigos 224º e seguintes do C.I.R.E.
[2] Joana Costeira, “Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho: A Tutela dos Créditos Laborais”, páginas 47 e seguintes.  
[3] Salvo a excepção prevista no artigo 157º do C.I.R.E. 
[4] Joana Costeira, “Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho: A Tutela dos Créditos Laborais”, páginas 82 e seguintes.  
[5] Doravante, C.C.
[6] Apesar de existir alguma doutrina que, baseando-se no nº3 do artigo 735º do C.C., defende que os privilégios imobiliários são todos especiais, a verdade é que o legislador, através de legislação avulsa, criou a figura do privilégio creditório imobiliário geral. 
[7] Como em Espanha, por exemplo, sob o nome “Fondo de Garantia Salarial”.  





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