A repercussão da declaração judicial de insolvência do empregador nas
relações de trabalho
Numa altura de crise e de instabilidade dos mercados, em que a situação
económica de inúmeras empresas se encontra num estado precário, é da maior
relevância saber o que acontece aos contratos de trabalho quando é declarada a
insolvência do empregador. A empresa, como sabemos, trata-se de um agente
económico, inserido numa cadeia económica global. Como elemento dessa cadeia, a
empresa ressente-se das várias flutuações que a economia atravessa.
Em tempos de crise económica, como os que passamos nos dias que correm, a
crise da empresa afecta todos os sujeitos que a formam e com os quais
estabelece relações, em particular, os trabalhadores. De facto, o número de
empresas que se encontram em situação de “lay off” , isto é, cuja
situação financeira é crítica, aumenta a cada dia que passa, e com isto aumenta
o receio dos trabalhadores em perderem os seus postos de trabalho e,
consequentemente, os benefícios daí resultantes - e aqui falamos das
retribuições e outras prestações patrimoniais a que o trabalhador tem direito,
em contrapartida do seu trabalho, de acordo com o nº1 do artigo 258º do Código
do Trabalho (doravante, C.T.).
Quando os problemas
económicos não são resolvidos, a empresa poderá vir a ser declarada insolvente,
nos termos dos artigos 1º e 3º do Código da Insolvência e da Recuperação de
Empresas (doravante, C.I.R.E.), numa tentativa de satisfazer os credores
através da elaboração de um plano de insolvência baseado na recuperação da
empresa ou, quando tal não seja possível, na liquidação do património do
devedor insolvente e na posterior repartição do mesmo pelos credores. Nestes
casos, urge saber qual o destino dos vínculos laborais após a declaração
judicial de insolvência.
Do regime jurídico aplicável
Para podermos apurar ao certo as consequências da declaração judicial de
insolvência nos contratos de trabalho, necessitamos de saber qual o regime
jurídico aplicável. Observando o C.I.R.E., reparamos que o Título IV diz
respeito aos “efeitos da declaração de insolvência”. Dentro deste Título,
deparamo-nos com o Capítulo IV que, por sua vez, tem como epígrafe “Efeitos
sobre os negócios em curso”. Neste capítulo encontramos o artigo 113º, referente
ao contrato de trabalho, mas apenas nos casos em que ocorra a insolvência do
trabalhador, e não do empregador! Existe, portanto, uma lacuna no C.I.R.E., o
qual não prevê um normativo específico que regule esta matéria, suscitando
assim algumas divergências doutrinais quanto ao regime aplicável nos casos em
que seja declarada a insolvência do empregador.
De um lado, temos a opinião de Pedro Romano Martinez, segundo o qual nestes
casos deve proceder-se à aplicação (analógica) do artigo 111º do C.I.R.E.. Este
artigo, inserido no capítulo IV supra referido, referente aos contratos de
prestação duradoura de serviço, determina que a declaração judicial de
insolvência não implica a suspensão dos contratos.
Esta posição tem sido alvo de fortes críticas, que se centram
fundamentalmente em dois argumentos: em primeiro lugar, no facto de o artigo
277º do C.I.R.E. preceituar que “os efeitos da declaração de insolvência
relativamente a contratos de trabalho e à relação laboral regem-se
exclusivamente pela lei aplicável ao contrato de trabalho”, sendo aplicável o
artigo 347º do C.T, cujo número determina que “a declaração judicial de
insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o
administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações
para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente
encerrado.”; em segundo lugar, no facto de o artigo 111º apenas se reportar aos
contratos de prestação duradoura de serviços, como sustenta Luís Menezes Leitão.
Este autor, por seu turno, para além de defender a não
aplicação do artigo 111º do C.I.R.E. nestes casos, também considera que é no
artigo 347º nº1 do C.T. que se encontra a solução legal para estas situações.
Assim sendo, concluímos que, apesar de existir uma discussão doutrinal, a
maioria dos autores é consensual no que toca à aplicação da lei laboral no que toca aos efeitos da declaração judicial de
insolvência relativamente aos contratos de trabalho, não existindo portanto um
rompimento do vínculo laboral, de acordo com o Princípio da intangibilidade dos
contratos.
Dos possíveis destinos do contrato de trabalho: a manutenção, o
encerramento e a transmissão da empresa
Depois de declarada judicialmente a insolvência do empregador, vimos que,
de acordo com o 347º nº1 do Código do Trabalho, os vínculos laborais, em
princípio, mantêm-se. Isto significa que a declaração judicial da insolvência,
por si só, não implica a cessação dos contratos de trabalho, cumprindo ao
administrador da insolvência o dever de assumir o papel do empregador no que
toca às obrigações para com os trabalhadores, tal como determinam os números 1
e 4 do artigo 81º do C.I.R.E.. O administrador da insolvência assume, assim, a
função de administração da massa insolvente, passando a representar o devedor
para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência[1].
Todavia, isto não significa
que, posteriormente, dependendo do destino dado à empresa (manutenção,
alienação ou encerramento) no decurso do processo de insolvência, os contratos
dos trabalhadores não possam ter um final diferente. De facto, nos casos em
que, no decorrer do processo de insolvência, se afigure necessário proceder ao
encerramento da empresa, deparamo-nos com a extinção do contrato de trabalho
dos trabalhadores. E nos casos em que é possível a manutenção da empresa? Ou
quando esta é alienada, o que é que acontece? É nestes pontos que nos iremos
focar de seguida.
A manutenção da empresa
Um dos destinos da empresa insolvente poderá passar pela manutenção da
mesma, quer sob a supervisão e administração do devedor, como do administrador
da insolvência, dependendo do que for determinado pelo juiz na declaração
judicial de insolvência. Esta possibilidade vai de encontro à finalidade de
recuperação da empresa prevista no nº1 do artigo 1º do C.I.R.E., bem como à
finalidade de satisfação dos credores estabelecida no mesmo preceito, uma vez
que através da manutenção da empresa insolvente, de forma rentável, será
possível obter rendimentos bastantes para pagar a quantia em dívida aos
credores.
Porém, esta hipótese poderá trazer algumas implicações negativas
relativamente aos contratos de trabalho dos trabalhadores. A necessidade de
obter uma margem de lucro suficiente para pagar as dívidas aos credores, poderá
levar a que sejam feitos alguns “cortes” na empresa, nomeadamente no que toca à
cessação de alguns contratos de trabalho, nos termos do artigo 347º nº2 do
C.T.. Efectivamente, este artigo preceitua que o administrador da insolvência
tem o poder de “cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração
não seja indispensável ao funcionamento da empresa”. Como exemplo, podemos
apontar um caso em que, numa tentativa de manutenção da empresa, o administrador
da insolvência considere que se deve fechar uma secção desta, por não ser
considerada essencial, diminuindo assim alguns gastos. Tal decisão levaria à
cessação do contrato de trabalho dos trabalhadores dessa secção…
Trata-se de “uma excepção ao
Princípio da não cessação dos contratos de trabalho por força da declaração de
insolvência do empregador, consagrado no nº1 do mesmo preceito”,[2] nas palavras de Joana
Costeira, justificada pela necessidade de uma gestão rentável da empresa
insolvente, de modo a evitar o seu encerramento. Excepção esta que, na nossa
opinião, é passível de ser criticada pelo facto de não definir quais os
critérios que o administrador da insolvência deve ter em conta na formulação do
juízo de dispensabilidade do trabalhador, tendo em vista uma boa gestão da
empresa.
Ainda no campo da manutenção da empresa, resta-nos dizer que o
administrador da insolvência, segundo o artigo 55º nº4 do C.I.R.E., possui a
faculdade de contratar novos trabalhadores necessários à continuação da
exploração da empresa, quer a termo certo como a termo incerto, sendo que estes
contratos caducarão quando/se ocorrer o encerramento definitivo do
estabelecimento, ou no caso da sua transmissão (salvo convenção em contrário).
O encerramento da empresa
No que concerne ao encerramento do estabelecimento, depreende-se do artigo
347º nº1 que, nos casos em que tal aconteça, ocorre necessariamente a cessação
dos contratos de trabalho, desaparecendo o dever do administrador da
insolvência de continuar a cumprir as obrigações para com os trabalhadores. O
termo destes contratos configura uma hipótese de caducidade do contrato de
trabalho devido à” impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do
empregador receber a prestação de trabalho”.
O encerramento da empresa, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 156º do
C.I.R.E., é determinado após a assembleia de credores ter apreciado o relatório
apresentado pelo administrador da insolvência e depois de a comissão de
credores, o devedor e a comissão ou representantes dos trabalhadores se terem
pronunciado sobre o relatório em questão. Só depois disto é que a assembleia de
credores poderá deliberar no sentido de se proceder ao encerramento do
estabelecimento (ou, caso assim o entenda, proceder à manutenção do mesmo).[3]
Havendo deliberação nesse
sentido, extingue-se o vínculo laboral, visto que o contrato de trabalho caduca,
aplicando-se, com as necessárias adaptações, o procedimento previsto para o
despedimento colectivo, por remissão do artigo 347º nº3 do C.T. para os artigos
360º e seguintes do mesmo diploma legal.
A transmissão da empresa
Por fim, resta-nos deixar uma palavra sobre as implicações da transmissão
da empresa na esfera jurídica do trabalhador, no decurso do processo de
insolvência. Analisando o C.I.R.E., constatamos que, embora possamos encontrar
algumas normas relativas à transmissão da empresa, não existe um regime
específico que regule os seus efeitos nos contratos de trabalho. Também no
C.T., mais propriamente, nos artigos 285º e seguintes, é possível descortinar
normas referentes à transmissão de estabelecimento, sem que, contudo, seja
feita uma menção, em concreto, aos casos em que a transmissão envolve uma
empresa insolvente.
Apesar da inexistência de um regime específico quer no C.I.R.E, quer no
C.T., a maioria da doutrina entende que se aplica o disposto no artigo 285º do
C.T. tanto nas situações em que a transmissão do estabelecimento/empresa
decorre da liquidação da massa insolvente, quer nos casos em que resulta da
homologação de um plano de insolvência – assim sendo, em ambas as situações,
com a transmissão da empresa ou estabelecimento, transmite-se para o adquirente
a posição jurídica do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos
trabalhadores.
Quanto à informação e consulta dos trabalhadores, nos termos do artigo 286º
do C.T., estes devem ser informados - na sua pessoa ou na dos seus
representantes – pelo transmitente e pelo adquirente sobre a data e motivos da
transmissão, bem como as respectivas consequências jurídicas, económicas e
sociais que possam afectar a relação de trabalho. Todavia, a intervenção dos
trabalhadores na tomada de decisão esgota-se neste artigo, visto que não têm,
na realidade, uma palavra a dizer no que toca à decisão de transmitir ou não a
empresa, que cabe à assembleia de credores.
A aplicação deste
procedimento aos casos em que a empresa transmitida se encontra insolvente não
é, contudo, consensual na doutrina portuguesa. Nesta matéria, seguimos o
entendimento de Luís Menezes Leitão, o qual sustenta que os deveres de
informação e consulta dos trabalhadores a que o transmitente estaria sujeito,
pertencem ao administrador de insolvência, segundo os números 3 e 4 do artigo
81º do C.I.R.E..
Conflito de interesses: os trabalhadores como credores e como prestadores
de trabalho
Feito este breve enquadramento relativamente aos diferentes destinos da
empresa após a declaração judicial de insolvência e os seus efeitos no contrato
de trabalho do trabalhador, cumprirá agora examinar a forma como a insolvência
do empregador se pode repercutir na esfera dos trabalhadores consoante os seus
interesses se fundem na manutenção do contrato de trabalho ou na satisfação
célere dos seus créditos.
Os trabalhadores confrontam-se, assim, com uma situação de conflito de
interesses opondo, por um lado, o desejo de conservar um emprego estável,
através da manutenção da relação laboral e da recuperação da entidade
empregadora - devido à função alimentar que o salário representa nas suas vidas
e do seu agregado familiar - e, por outro lado, como credores da empresa
insolvente, a pretensão de ver os seus créditos satisfeitos.
Esta contraposição de interesses implica que os trabalhadores possam
adoptar posições distintas durante o processo de insolvência, dependendo da
escolha que façam relativamente às opções que referimos no parágrafo anterior.
De seguida, iremos analisar de que forma o nosso ordenamento protege estas
pretensões dos trabalhadores.
Os trabalhadores enquanto prestadores de trabalho
Enquanto prestadores de
trabalho, e de acordo com a Lei fundamental, os trabalhadores possuem um
inegável interesse em preservar um vínculo laboral forte e estável, visto que a
retribuição correspondente à sua prestação de trabalho é, muitas vezes, a única
fonte de rendimento que sustenta o seu agregado familiar.
A declaração judicial de insolvência da entidade empregadora, apesar de não
ter como consequência obrigatória a cessação do contrato de trabalho,
representa, ainda assim, um sério entrave a este interesse do trabalhador, como
já pudemos referir. De facto, se durante o processo de insolvência se optar
pelo encerramento da empresa, o trabalhador vê desfeito o seu interesse em
manter a relação laboral, pelo que este deverá, neste caso, pugnar pela
recuperação da empresa, satisfazendo tanto o seu interesse, como a finalidade
presente no artigo 1º do C.I.R.E..
Um dos mecanismos que o C.I.R.E. prevê para tutelar esta pretensão dos
trabalhadores consiste no papel atribuído à comissão de trabalhadores, figura
esta que, segundo o artigo 54º da C.R.P., milita pela defesa dos seus
interesses e intervenção democrática na vida da empresa. A participação desta
comissão no processo de insolvência está prevista, por exemplo, nos artigos
26º, 37º nº7 e 72º nº6 do C.I.R.E..
Todavia, a verdade é que, embora apresente alguns mecanismos de tutela como
o que acabamos de referir – os quais conferem ao trabalhador uma mera
participação a título consultivo/ de fiscalização –, a lei de insolvência não
prevê instrumentos suficientemente adequados que permitam aos trabalhadores ver
o seu interesse de manutenção do vínculo laboral protegido, visto que não lhes
é dada a faculdade de determinar o decurso do processo.
Os trabalhadores enquanto credores
Enquanto credores da empresa insolvente, o objectivo dos trabalhadores será
ver os seus créditos satisfeitos, créditos esses que resultam de uma falha do
empregador no cumprimento das obrigações que decorrem do contrato de trabalho,
normalmente devido a problemas financeiros.
Mas que género de créditos é
que estão em causa? Aqui cumpre-nos fazer uma distinção entre créditos
remuneratórios e créditos compensatórios ou indemnizatórios.
Quanto aos primeiros, estes baseiam-se nos créditos que resultam do
contrato de trabalho em si, ou seja, subsídios de férias e Natal, salários. São
créditos que decorrem da simples existência do contrato de trabalho.
Relativamente aos créditos compensatórios ou indemnizatórios, estes surgem
da cessação do contrato de trabalho. Os créditos compensatórios consistem nos
“créditos resultantes da compensação devida ao trabalhador por cessação do
contrato de trabalho por despedimento colectivo ou extinção do posto de
trabalho”, sendo a sua graduação no processo de insolvência realizada
“consoante o momento em que se constituem e atendendo às vicissitudes da
empresa decorrentes desse processo, pelo que os trabalhadores tanto podem ser
credores da massa como credores da insolvência”[4].
Quanto aos créditos indemnizatórios, estes “consistem nos créditos que
resultam de uma indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com
justa causa por iniciativa do trabalhador anteriormente à declaração judicial
de insolvência; ou de uma indemnização pela cessação do contrato de trabalho
que resulta de um despedimento ilícito motivado pelo não cumprimento das normas
previstas no CT pelo administrador da insolvência, nomeadamente das normas
previstas para o procedimento do despedimento colectivo (artigos 359º e
seguintes e artigo 383º do C.T.)”, segundo a autora anteriormente citada.
Em síntese, esta contraposição
de interesses dos trabalhadores reflecte-se nas duas posições que este pode
adoptar perante a declaração judicial de insolvência da entidade empregadora:
enquanto prestador de trabalho, privilegiará a recuperação da empresa e a
subsistência do seu vínculo laboral; enquanto credor, pretenderá satisfazer os
seus créditos, tendo como interesse a liquidação do património da empresa
insolvente.
A Protecção dos Créditos dos Trabalhadores na Insolvência: os Privilégios
Creditórios e o Fundo de Garantia Salarial
Os Privilégios Creditórios – artigos 333º e seguintes do C.T.
Para finalizar este estudo vamos tentar perceber quais os meios de tutela
que ordenamento jurídico prevê para garantir a defesa dos créditos dos
trabalhadores. A necessidade de previsão da tutela dos créditos laborais
decorre, antes de mais, da C.R.P., nomeadamente no nº3 do artigo 59º, cuja
epígrafe intitula-se “Direito dos trabalhadores”. Trata-se de uma garantia
prevista na categoria dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, a
qual nos diz que os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei.
Com efeito, o Código do Trabalho determina nos seus artigos 333º e
seguintes um leque de medidas que conferem uma especial protecção aos créditos
laborais dos trabalhadores. O artigo 333º do C.T. dispõe que “Os créditos
emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes
ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio
mobiliário geral b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do
empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade”, sendo que a graduação
dos créditos se fará de acordo com o disposto no nº2 do mesmo artigo.
Mas o que são, ao certo, privilégios creditórios? O artigo 733º do Código
Civil avança com uma explicação, definindo-os como a “faculdade que a lei, em
atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do
registo, de serem pagos com preferência a outros”.
Compreende-se, portanto, que seja conferida aos
trabalhadores, no âmbito do processo de insolvência, uma preferência no
pagamento dos seus créditos relativamente aos outros credores, devido à
importância que o salário representa nas suas vidas, na maioria das vezes
funcionando como o único meio de sustento que possuem. Quanto à reclamação
destes créditos, esta deve seguir os trâmites estabelecidos no artigo 128º do
C.I.R.E., sendo que o prazo para a reclamação dos mesmos começa a correr 30
dias após a sentença declaração de insolvência, nos termos
da alínea j) do artigo 36º do mesmo diploma legal.
Nos artigos 334º e 335º do C.T. encontramos duas normas que estabelecem,
respectivamente, a responsabilidade solidária do empregador e da sociedade que
com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de
grupo pelos créditos laborais, desde que vencidos há mais de 3 meses, e a responsabilidade
solidária dos sócios, gerentes, administradores e directores quando se
verifiquem os pressupostos dos artigos 78º e 79º do Código das Sociedades
Comerciais. Estes dois preceitos legais vêem fortificar a tutela dos créditos
dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho, já que permitem o
alargamento do património que permitirá satisfazer esses créditos.
Por fim, temos o artigo 337º que estabelece no seu nº1 a prescrição, após
um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, do
crédito de trabalhador emergente de contrato de trabalho. Este artigo vem
também intensificar as garantias dos trabalhadores na medida em que determina
que o início do prazo para a prescrição dos créditos laborais do trabalhador
começa-se a contar não na altura em que esses créditos se vencem ou quando o
trabalhar toma conhecimento deles, mas antes no dia posterior ao da cessação do
vínculo laboral. Deste modo, salvaguarda-se o interesse dos trabalhadores em
não recorrem aos tribunais enquanto o contrato de trabalho ainda se encontra em
vigor, visto que poderiam sofrer represálias devido à relação de subordinação
que mantêm com a entidade patronal, relação essa que só se extinguirá após a
cessação do contrato de trabalho.
Os privilégios creditórios laborais e o princípio da igualdade dos credores
Como já pudemos referir, os privilégios creditórios
laborais exercem uma função especial de protecção dos créditos do trabalhador
durante o processo de insolvência da entidade patronal. Mas será que estarão de
acordo com o princípio da igualdade dos credores, subjacente ao artigo 1º do
C.I.R.E.? A repartição do produto resultante da liquidação do património do
insolvente pelos credores deve, segundo este princípio, ser feita irmãmente, salvo quando existam causas legítimas
de preferência, como nos dita o artigo 604º do Código Civil[5].
Ora, o nº2 deste artigo avança que o privilégio é considerado causa
legítima de preferência, pelo que podemos concluir que os privilégios
creditórios laborais constituem excepções válidas ao princípio da igualdade dos
credores. Isto significa que, desde que exista uma normal legal que assim o
preveja, e que essa norma tenha uma justificação plausível que fundamente a sua
existência, o facto de existirem discriminações resultantes dos privilégios
creditórios não implica que não se concretize justiça no processo de
insolvência.
O artigo 333º do C.T. atribui, assim, uma posição privilegiada aos créditos
laborais, acabando por consubstanciar uma derrogação ao princípio da igualdade
dos credores. De facto, os privilégios mobiliário geral e imobiliário especial
previstos no nº1 deste artigo encontram-se numa posição favorecida no que à
graduação dos créditos no âmbito do processo de insolvência diz respeito. Quanto
ao primeiro, o nº2 deste artigo indica-nos que o crédito com privilégio
mobiliário geral é graduado antes dos créditos mencionados no nº1 do artigo
747º do C.C., como por exemplo, os créditos por impostos. Relativamente ao
segundo, diz-nos a alínea b) do nº2 do artigo 333º do C.T. que o crédito com
privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referentes a
contribuição para segurança social e antes dos créditos previstos no artigo
748º do C.C., nomeadamente os do Estado e das autarquias locais.
De referir que, de acordo com o artigo 746º C.T., quer sejam mobiliários ou
imobiliários, os créditos serão sempre graduado antes dos créditos relativas a
despesas de justiça.
O privilégio mobiliário geral dos trabalhadores
Examinando o artigo 735º do C.C., verificamos que os
privilégios creditórios se podem dividir em duas espécies: os mobiliários e os
imobiliários. No que concerne ao privilégio mobiliário, o nº2 deste mesmo
artigo determina que este género de privilégios poderá ser geral, quando abranger
o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente, ou
especial, quando compreender apenas o valor de certos bens móveis.
Dito isto, é-nos possível concluir que o privilégio mobiliário geral
atribuído aos créditos laborais pelo artigo 333º nº1 a) do C.T. irá abarcar
todos os bens móveis existentes no património da entidade patronal que se
encontra insolvente. Relativamente à qualificação destes privilégios como
garantias reais, existe alguma discussão na doutrina, sendo que a opinião
maioritária vai no sentido de que o seu carácter não será real, negando a sua
prevalência em relação às garantias reais. No entanto, as características
destes privilégios permitem-lhes sempre uma graduação especial relativamente
aos restantes créditos sobre o património da entidade patronal, como já tivemos
a oportunidade de referir.
O privilégio imobiliário especial dos trabalhadores
No que toca aos privilégios
imobiliários, estes também podem ser gerais ou especiais[6]. No caso em questão,
trata-se de um privilégio imobiliário especial atribuído aos créditos laborais
pelo artigo 333º nº1 b) do C.T., o qual incide sobre o bem imóvel do empregador
no qual o trabalhador presta a sua actividade. Todavia, o Supremo Tribunal de
Justiça, nos acórdãos de 31/01/2007 e de 10/05/2011 tem defendido que os
trabalhadores reclamantes apenas beneficiarão deste privilégio creditório se
alegarem e demonstrarem a existência de uma ligação entre a sua prestação de
trabalho e o imóvel onde a mesma foi realizada, isto é, os trabalhadores é que
terão que provar que o seu local de trabalho seria no imóvel “x” da entidade
patronal para poderem usufruir deste privilégio que a lei lhes confere.
O Fundo de Garantia Salarial
Após uma abordagem ao regime dos privilégios creditórios, resta-nos agora
fazer uma menção ao Fundo de Garantia Salarial, presente no artigo 336º do
C.T.. De acordo com este artigo, nos casos em que a entidade patronal se
encontre insolvente ou em situação económica difícil, o Fundo de Garantia
Salarial garante a satisfação dos créditos do trabalhador emergentes do
contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos
pelo empregador. A previsão desta figura, existente em moldes semelhantes
noutros países europeus[7], vem reforçar a tutela dos
créditos laborais, sobretudo nas situações de insolvência do empregador,
permitindo pagar aos trabalhadores quando aquele não tenha património
suficiente para satisfazer os créditos destes.
O seu regime, segundo a alínea o) do nº6 do artigo 12º da Lei nº 7/2009,
encontra-se nos artigos 316º e seguintes da Lei nº 35/2004, sendo que no artigo
318º encontramos as situações abrangidas por este Fundo, estando os casos de
satisfação dos créditos dos trabalhadores quando a entidade patronal seja
judicialmente declarada insolvente abrangido pelo nº1 deste mesmo artigo. No
entanto, só serão pagos os créditos que, de acordo com o artigo 319º, se tenham
vencido nos seis meses que antecedem a declaração judicial de insolvência. Há
um requisito temporal estabelecido pela lei, ao qual se cumula a necessidade de
estes créditos terem que ser reclamados até três meses antes da respectiva
prescrição, sob pena de o seu pagamento não ser assegurado (artigo 319º nº3).
Para além disso, acresce o facto de o artigo 320º estabelecer um limite das
importâncias a pagar, montante esse que se fixa no equivalente a seis meses de
retribuição, não podendo exceder o triplo da retribuição mínima mensal.
Para que o trabalhador possa usufruir desta garantia, estando preenchidos
os pressupostos acima referidos, deverá apresentar requerimento no Instituto de
Gestão financeira da Segurança Social, que deverá apresentar uma decisão até ao
30 dias após a apresentação do mesmo (artigos 321º e 323º).
Em suma, o Fundo de Garantia
Salarial configura uma instituição pública gerida pelo Estado e pelos
representantes dos trabalhadores e dos empregadores - cujo financiamento advém
das verbas pagas pelos empregadores e pelo Estado – que permite assegurar o
pagamento dos créditos laborais dos trabalhadores nos casos em que a sua
entidade patronal tem dificuldades em cumprir as suas obrigações relacionados
com o contrato de trabalho, nomeadamente quando se encontra insolvente.
Janeiro de 2014
Por João Casulo
[1] Contudo, pode o juiz, na sentença declaratória da
insolvência, estabelecer que a administração da massa insolvente possa ser
assegurada pelo devedor, e não pelo administrador da insolvência, desde que se
encontrem preenchidos os pressupostos dos artigos 224º e seguintes do C.I.R.E.
[2] Joana
Costeira, “Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho: A
Tutela dos Créditos Laborais”, páginas 47 e seguintes.
[3] Salvo a
excepção prevista no artigo 157º do C.I.R.E.
[4] Joana
Costeira, “Os Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho: A
Tutela dos Créditos Laborais”, páginas 82 e seguintes.
[5]
Doravante, C.C.
[6] Apesar
de existir alguma doutrina que, baseando-se no nº3 do artigo 735º do C.C.,
defende que os privilégios imobiliários são todos especiais, a verdade é que o
legislador, através de legislação avulsa, criou a figura do privilégio
creditório imobiliário geral.
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